Mundo ficciónIniciar sesiónEsther só conheceu a dor. Desde o dia em que sua mãe foi assassinada pelo próprio padrasto, ela passou a viver como prisioneira dentro da própria casa - acorrentada física e emocionalmente, reduzida à sombra da mulher que um dia sonhou ser. Não lhe restaram sonhos. Apenas cicatrizes. Seu corpo foi marcado. Sua alma, despedaçada. Sua esperança, enterrada. Castiel Gianni aprendeu, da forma mais cruel, que o amor pode ser uma mentira mortal. Dono de um império bilionário, ele conquistou tudo - menos a paz. Desde que perdeu Paulina, a mulher que amou, jurou jamais se permitir sentir novamente. Nenhuma outra conseguiu atravessar as muralhas de gelo que ele ergueu ao redor do coração. Até que Esther surge em seu caminho. Ela, ferida demais para confiar. Ele, frio demais para tentar. Mas entre os dois, nasce algo impossível de ignorar. Ela vê nele um abrigo improvável. Ele vê nela os fantasmas do passado. E, juntos, caminham por uma estrada onde dor e desejo se entrelaçam, onde as verdades escondidas podem destruir ou libertar. Em meio às sombras do passado e ao fogo de um sentimento inesperado, Esther e Castiel descobrirão que o amor verdadeiro não apenas salva - ele ressuscita.
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- Sim, meu dono. - Respondo com a voz baixa, a cabeça inclinada, os olhos fixos no chão de batida. Aprendi cedo que encará-lo só traz mais dor. O meu padrasto odeia ser olhado nos olhos - como se enxergar sua própria podridão o queimasse por dentro. Eu, por outro lado, agradeço por não ver sua cara repulsiva. Seu cheiro é suficiente para me fazer querer vomitar. Se eu tivesse a chance, o mataria sem hesitar, como quem mata um inseto.
- Espero que suas tarefas estejam sendo feitas dentro do prazo que lhe dei. - Sua voz é fria, sem vi terra da, como se cuspisse veneno a cada sílaba.
Ele nunca está satisfeito. Nunca. Nunca sorri, nunca me dirige um olhar que não seja de desprezo. Eu, na verdade, nem desejo ser notada. A invisibilidade é meu último refúgio.
- Sempre faço no prazo, meu dono. Não gosto de decepcionar o sen... - Não termino a frase. Sua mão cruel estala contra meu rosto, arrancando-me qualquer tentativa de dignidade. A dor arde, mas não é nova. Já não me assusto. Aprendi a fugir em pensamento. Fecho os olhos e me vejo sob um céu azul, onde nuvens se transformam em algodão doce. Eu quase consigo sentir o gosto do açúcar derretendo nos lábios rachados. É assim que sobrevivo: sonhando em meio à tortura.
Enquanto ele me violenta mais uma vez - sem remorso, sem piedade - eu me desligo. Não há carinho, nem palavras. Só brutalidade. Como se eu fosse culpada de algo. Como se ele precisasse de um motivo para me destruir. Mas ele não precisa. Basta a existência dele, doente e amaldiçoada.
Lutei. Lutei por anos, até onde consegui. E mesmo quando não havia forças, continuei lutando dentro de mim. Mas chegou o dia em que o inferno ultrapassou os limites. Aquela cena... aquela cena maldita... ela não sai da minha cabeça. Ainda assim, me agarro à coragem da rainha Ester - minha inspiração. Ela enfrentou a morte pelo seu povo. Eu enfrento um carrasco, dia após dia, ano após ano. Um monstro capaz de esmagar, matar, dilacerar... quantas vezes for preciso.
Será que existe esperança além da mata espessa? Além dos lagos escuros que nos cercam? Eu não sei. Nunca ultrapassei essas fronteiras. Nunca vi o mundo além dessas árvores.
Vivemos numa casa velha, úmida, cercada por mato por todos os lados. Só o terreno à nossa volta é limpo - e ainda assim, sob os gritos do meu padrasto que obriga meus irmãos, ainda crianças, a domar a natureza com suas pequenas mãos. Ele cuida dos plantios, diz que é para nossa alimentação, mas mal temos o que comer.
Ele escolheu viver isolado. E nos arrastou para esse exílio forçado. As correntes em meus tornozelos são frias, cortam minha pele até o osso. O vento que entra pelas janelas é a única coisa que me lembra que existe um mundo lá fora. Um mundo que talvez seja livre. Um mundo que talvez eu nunca conheça.
- Coma tudo. - Digo a Kauã, meu irmão mais velho por minutos. Ele e Lucas são gêmeos. Têm olhos cor de caramelo como os de mamãe. São tudo o que tenho de belo neste mundo.
- Amanhã vamos à cidade buscar adubo. Os plantios estão morrendo, a terra está ruim... e o demônio está possesso. - Kauã fala baixo, como se nossas palavras pudessem despertar a fúria de quem mora no cômodo ao lado.
Mesmo tão novos, eles já entendem que o que vivemos não é vida. São prisioneiros. Somos todos. Mas eles ainda têm uma chance. E eu me agarro a isso com cada pedaço que me resta de alma.
- Kauã, assim que ele se distrair, corra. Vá pedir ajuda. Vocês precisam fugir, o mais longe possível. E só voltem quando souberem que podem me resgatar. - Minha voz treme. Não de medo. De esperança.
Tentamos fugir tantas vezes. Perdi a conta. Às vezes ele os pegava. Outras vezes, era eu. E agora, acorrentada há mais de oito anos, mal consigo andar. Meus tornozelos são feridas abertas. Minha pele branca exibe com horror cada marca do tempo, cada hematoma, cada rachadura na carne.
- Iremos conseguir, irmã. Eu prometo. - diz Kauã, com lágrimas contidas. Ele sempre foi o mais sensível, enquanto Lucas, com seus doze anos, é puro cálculo. Foi ele quem, aos sete anos, enfrentou nosso padrasto com os punhos. Inseparáveis, os dois são minha maior fonte de esperança.
Nos primeiros anos, eu ficava por eles. Hoje, são eles que não fogem por mim.
A cidade para onde vão com meu padrasto é nosso único elo com o mundo. Lá, todos acham que meus irmãos são órfãos acolhidos por um bom samaritano chamado Geraldo. Mas ninguém sabe de mim. Ninguém sabe que existe uma garota presa entre as paredes da casa no fim do mundo. Literalmente.
Mamãe e papai construíram essa casa sozinhos, fugindo de famílias que rejeitavam seu amor. Aqui viveram por quase trinta anos, até que uma doença levou meu pai e, pouco depois, a chegada do monstro selou nosso destino.
Eu tinha dez anos quando vi minha mãe ser assassinada. A cena se repete nos meus sonhos e pesadelos - porque hoje em dia, tudo se mistura. Nunca soube quando Geraldo se infiltrou em nossas vidas. Mamãe vendia receitas caseiras na cidade, bolos e pães deliciosos. Se fecho os olhos, quase sinto o cheiro, o gosto da margarina derretendo...
Mas mamãe se foi há dez anos. E eu fui com ela.
Hoje sou um corpo sem identidade, sem direito, sem voz. Vivo pelos meus irmãos. Sonho com a liberdade deles. A minha? Já não conto com ela. Sei que, assim que fugirem, a ira do carrasco cairá sobre mim com força dobrada. E mesmo assim... eu suportarei.
Porque a certeza de que eles estarão livres... é o que me faz aguentar até o último segundo do meu destino.
Castiel GianniSeis anos depois...Seis anos. Parece pouco quando falamos em tempo, mas é suficiente para transformar um mundo inteiro. Pessoas amadurecem, dores se atenuam, e até os sentimentos mais profundos se moldam à rotina. No entanto, o que sinto por Esther não apenas resistiu ao tempo - ele floresceu. Cresceu em silêncio, como raízes que se aprofundam, firmes e inabaláveis. Esther tem esse dom sobre mim: a capacidade de tornar-se essencial, como o ar, como a fé. A felicidade, aprendi, não é um acaso. É uma construção diária, um hábito cultivado com gratidão. E eu sou grato. Grato pela vida que temos, pelos momentos simples, pelo toque suave da mulher que amo ao acordar, mesmo quando ela resmunga porque a beijo antes de escovar os dentes. É mais forte do que eu - sua presença me viciou, e seu amor é o remédio que me mantém sóbrio de um passado sombrio. Lembro-me da jovem que conheci: magra, assustada, assombrada por traumas que, confesso, temi que nunca fossem curados. Algumas
A nossa noite havia sido magnífica. O sorriso que teimava em brincar nos meus lábios entregava tudo o que eu tentava esconder.Apesar das dores discretas ao andar, não cogitei faltar à faculdade. Já no campus, fui recebida com a língua afiada da minha amiga Duda, que, sem a menor cerimônia, soltou:- Tu deu gostoso ontem, né?Quis enfiar a cara num buraco e sumir. Mas era impossível negar. O calor no meu peito, a lembrança da noite anterior e a forma como Castiel me olhou ao se despedir hoje cedo... algo em nós havia mudado.Talvez o sexo realmente seja importante entre um casal. Ou, quem sabe, seja apenas uma parte da maturidade que eu ainda estou aprendendo a encarar. Castiel teve mulheres - acompanhantes de luxo, experiências que eu nem sonhava alcançar. E eu? Bem... Eu só sabia abrir as pernas.Essa ideia me irritava. Sentia-me tão imatura perto dele. E mesmo assim, as cenas dele me tocando, invadindo, dominando... ocupavam meus pensamentos com uma força avassaladora. O modo como
De todos os sentimentos intensos que Castiel me fazia experimentar, nada me preparou para o momento em que meu corpo estaria completamente exposto a ele.Já não via sentido em esperar por alianças, bênçãos ou cerimônias. Meu coração já era dele, minha alma já estava entrelaçada à sua. Tudo o que eu queria agora era me entregar por completo - de corpo, porque de alma, nós já éramos um só há muito tempo.Não sei o que as outras mulheres sentiram ao ter Castiel em suas vidas. Talvez tenham vivido algo parecido, mas comigo... era diferente. Ele me fazia sentir especial, única. E, embora sentisse um ciúme irracional por todas que vieram antes de mim, escolhi não me apegar a esses pensamentos. Em vez disso, entreguei-me ao desejo de tê-lo só para mim. De fazê-lo tão dependente de mim quanto eu sou dele.Suas mãos deslizavam pelo meu corpo com intimidade, conectando cada toque a um arrepio, cada olhar ao meu fôlego. Seus olhos, presos aos meus, não me deixavam desviar. Diferente das vezes em
Meu humor estava tão cinzento quanto o céu de São Paulo em dia de tempestade.Era como se eu apenas existisse - no automático. Já fazia uma semana desde que Paulina apareceu, jogando merda no ventilador e ferrando com tudo.Desde então, impus distância entre mim e Esther. E essa escolha está me matando. Aos poucos, silenciosamente.Cada dia longe dela rouba um pedaço de mim.Mas não posso ceder.Esther precisa entender que nem sempre os valores pessoais andam de mãos dadas com o que precisa ser feito.Eu não me arrependo de ter mandado aqueles filhos da puta para o inferno.Paulina e a mãe dela me enganaram durante anos, vivendo às minhas custas enquanto riam pelas costas e dividiam uma cama com outro homem.A mãe dela me viu definhar, buscar uma justiça que nunca existiu - e não disse uma palavra.Não. Eu não me arrependo.Jogo os papéis que estavam sobre a mesa, ignorando-os.Meus pensamentos estão nela. Sempre nela.Esther não enxerga o que tento proteger. Não entende que eu a esco
Naquela manhã cinzenta, meu coração pesava como chumbo. Por mais que eu desejasse trocar de lugar com meus irmãos, a realidade me prendia naquele limiar de impotência. A noite havia sido um tormento. Castiel conseguiu reunir a quantia absurda exigida como se fosse troco de bolso - sua frieza diante da situação apenas aumentava o vazio dentro de mim. Salete, sempre firme, se fez colo quando tudo o que eu podia fazer era orar. Supliquei a Deus para não permitir que outro golpe me atingisse. Eu não sobreviveria se algo acontecesse com Lucas ou Kauã.Assim que o dia nasceu, eles partiram para a ilha. Castiel e seus homens seguiram o plano: deixar o dinheiro, como combinado. Eu implorei que chamasse a polícia, que envolvesse as autoridades - aqueles monstros não podiam continuar impunes. Mas Castiel, com aquele olhar duro, apenas me pediu para confiar nele. E eu confiei. Mesmo que o medo me dilacerasse por dentro.Às nove em ponto, Paulina ligou novamente. Disse que os meninos seriam liber
A mentira tem fôlego longo... mas nunca caminha sozinha. Deixa rastros. E cedo ou tarde, alguém os encontra.Paulina deveria ter permanecido morta. Era o melhor destino que o universo poderia lhe ter dado. Mas não... ela voltou. E voltou como um vendaval silencioso, disfarçada de vítima, esbanjando fragilidade, quando na verdade carregava veneno sob a pele. Enquanto eu vivia em luto, ela celebrava sua própria ressurreição com taças de vinho ao lado de um amante.As câmeras dos aeroportos confirmaram o que meu coração não queria admitir. Não havia terror nos olhos dela. Não havia hematomas, nem marcas de cativeiro. Só passos firmes e um olhar calculista. Cada imagem que eu via destruía mais um pouco da memória que lutei tanto para preservar.Dois meses ela viveu sob o mesmo teto que minha família. Tocou nos meus filhos. Sentou à mesa com Esther. Infiltrou-se sorrateiramente, como uma serpente bem treinada. E eu... eu a acolhi. Deus, como pude?O dinheiro que enviei fielmente à sua mãe
Último capítulo