Em todos os meus anos de vida, poucas cenas se cravaram tão fundo em minha carne quanto a que vi naquela tarde. Ela - frágil como um sussurro, o rosto pálido e emagrecido, as feições nuas de qualquer alegria - me fez sentir algo que já não julgava possível: horror puro, sem filtros, nem trégua. Havia miséria nos traços dos irmãos também, mas nela havia algo a mais, algo que não sabia nomear - talvez o sagrado misturado ao profano, a doçura temperada pela dor.
Seus tornozelos, presos ao ferro corroído, estavam em carne viva. As feridas ao redor da corrente pareciam ter sido desenhadas pelo próprio inferno. Minha mente, sempre metódica, sempre sob controle - a de um homem acostumado a ter o mundo nas mãos -, colapsou diante da visão. Eu, que domino impérios com um olhar, senti-me pequeno, impotente, um espectador miserável diante da selvageria humana.
Segundo Kauã, o irmão do meio, eles estavam cativos desde o assassinato da mãe. O padrasto, o monstro, fugira após o crime, mas não iria