Elysa vive isolada em uma imensa biblioteca decadente, tentando fugir do legado sombrio de seu pai — um lorde do crime cruel e implacável. Seu refúgio silencioso desmorona quando encontra um homem ferido à beira da morte. Durante um mês, enquanto ele permanece em coma, Elysa despeja nele seus segredos, sem saber que estava plantando a semente de algo perigoso. Quando seu pai aparece de surpresa, ela mente: diz que o estranho é seu namorado. Ele acorda. Sem memórias. E acredita. O que começou como proteção vira obsessão — e a biblioteca que antes a protegia se transforma numa nova prisão.
Ler maisO rabecão preto era um vulto sinistro contra a neblina cinzenta do amanhecer. Eu estava de pé, observando, o vento frio enrolando-se nas pontas do meu cabelo recém-cortado. A dor era uma pedra no meu peito, sólida e pesada. Shoji estava ao meu lado, seu usual ar de rebeldia substituído por uma quietude sombria. As tatuagens em seu pescoço pareciam mais pálidas sob a luz fraca que antecedia o dia.Dois Corvos, vestidos de negro como a ocasião exigia, carregavam com solenidade o caixão de carvalho simples que continha os restos de Lorenzo. Cada passo deles era cuidadoso, um contraste gritante com a violência brutal de seu fim. Eu não conseguia tirar os olhos daquela caixa. Dentro dela estava não apenas um irmão, mas a primeira grande vítima do meu jogo, o primeiro elo da corrente que eu agora carregaria para sempre.— Os meninos estão seguros? — perguntei, minha voz rouca da noite de gritos silenciosos.— Ravish, Rei e Jasper estão no chalé, como você pediu
As lágrimas ainda estavam secando em meu rosto, faixas salgadas e quentes sobre a pele fria. A dor pela morte de Lorenzo, pela traição, era uma fera viva rasgando minhas entranhas. Mas sob a dor, sob o choque, algo mais frio e mais antigo se agitava. A mesma coisa que havia me sustentado na clínica psiquiátrica, que me impulsionava a reorganizar os livros em meio ao caos, que me permitia mentir com um sorriso nos lábios. A vontade de sobreviver. E, agora, a vontade de vencer. As vozes ao meu redor eram um zumbido distante. O horror na mesa era palpável. Shoji estava imóvel, Ravish e Rei trocavam olhares aterrorizados, Jasper soluçava silenciosamente. Dante observava a todos nós, um gourmet saboreando um prato especialmente requintado: o nosso sofrimento. Isabela estava parada ao lado dele, sua pose altiva, os olhos azuis brilhando com um triunfo maníaco. Ela pensava que havia vencido. Que havia me quebrado. Ela não enten
O sorriso de Dante era uma coisa horrível de se ver sob o holofote. Triunfante, paternal, e absolutamente vazio. Cada palavra que saía de sua boca era uma agulha fina cravada no tecido da realidade que eu havia tentado costurar.— … e é com um coração tão cheio de orgulho que vejo meus filhos reunidos — ele prosseguiu, seus braços abertos como um pregador. — Cada um com seus talentos únicos, sua força… sua ambição.Meus olhos não paravam de vasculhar a periferia do salão. Onde estava Lorenzo? A ausência dele era um buraco negro crescendo no meu peito, sugando a confiança que eu havia depositado nele, no plano, em mim mesma. O empregado desconhecido… eu deveria ter seguido meu instinto.— Mas uma família, como um corpo, precisa de uma só cabeça — a voz de Dante cortou como um fio de gelo. — E às vezes, para salvar o corpo, um membro doente… deve ser removido.Um silêncio mortal caiu sobre o salão. Até a música parou. Todos sentiram a guinada, do di
O retorno ao salão foi como mergulhar em um aquário de predadores elegantemente vestidos. O ar, antes carregado de tensão não declarada, agora parecia diferente. Mais leve, ou talvez apenas mais frio. Os irmãos que haviam assinado o contrato – Shoji, Ravish, Rei e Jasper – agora se agrupavam perto de Lorenzo, formando um bloco coeso. Nossos olhos se encontraram por um instante, e um quase imperceptível aceno de cabeça de Shoji confirmou o que eu já sabia: a aliança estava firmada. Eles não eram mais concorrentes; eram uma frente unida. Lorenzo se desvencilhou do grupo e se aproximou de mim, seu rosto um estudo em alívio contido. — Parece que respiramos mais fácil — ele comentou, pegando duas taças de champagne de um garçom que passava. — Respiraremos de verdade quando isso acabar — respondi, tocando a borda da taça na dele. — E quando Isabela estiver contida. O nome dela pairou entre nós como um mau cheiro. Lorenzo seguiu m
Lorenzo, sereno como sempre, me guiou para um canto mais reservado do salão, onde os três irmãos mais novos estavam agrupados como um pequeno exército de estilos diferentes.Jasper, o meio-americano, era um garoto de talvez vinte e poucos anos, com um rosto aberto e olhos claros que pareciam captar tudo com uma curiosidade despretensiosa. Ele vestia um terno que, embora caro, tinha um corte mais jovial. Ravish e Rei, os gêmeos moçambicanos, eram a antítese de Jasper. Sérios, compostos, com olhares que avaliavam o ambiente com uma maturidade que seus rostos jovens não deveriam ter. Eles eram espelhos um do outro em postura e sobriedade.— Jasper, Ravish, Rei — Lorenzo apresentou, sua voz ganhando um tom mais fraternal. — Esta é a nossa irmã, Elysa.Jasper deu um sorriso tímido. Ravish e Rei simplesmente acenaram com a cabeça, seus olhos escuros e atentos fixos em mim.— Eu sei que vocês estão do lado do Lorenzo — comecei, dispensando formalidades.
Lorenzo me guiou através do salão, um farol de calma em um mar de olhares calculistas. Nossos passos ecoaram no mármore polido, cada clique do meu salto uma batida de tambor em direção ao epicentro do poder de Dante. Ele estava perto da lareira monumental, cercado por um pequeno círculo, mas um homem se destacava. Era impossível não vê-lo. Shoji. O quarto irmão. Seu cabelo era uma cortina de vermelho fogo, um violento contraste com a palidez de sua pele. Piercings do tipo snake bites adornavam seu lábio inferior, dando a impressão de presas permanentes. Tatuagens intrincadas, que pareciam contar histórias de dragões e demônios, subiam por seu pescoço e desapareciam sob as mangas de seu casaco. Ele era uma figura de caos contido, mas seus olhos escuros, no momento, estavam fixos em Dante com uma atenção quase febril. Dante nos viu se aproximar. Seu sorriso era uma fenda de lobo, cheia de dentes. — Ah, finalmente! Minha filha predileta — an
Último capítulo