O sol já se punha quando a moto roncou na estrada de terra em direção ao chalé. A floresta, outrora um manto de tranquilidade, parecia agora uma muralha escura e ameaçadora à luz do crepúsculo. O cansaço pesava sobre mim como uma lápide, um cansaço que ia além do físico. Era o peso das horas no inferno da emergência, das mãos manchadas de sangue alheio que não saía por mais que eu as esfregasse, dos gritos de dor que ainda ecoavam nos meus ouvidos, misturados à piada sombria de Kate. "Até parece que seu pai tá na cidade." E ele estava. E o sangue no hospital parecia um eco sinistro da sua presença.
Desliguei a moto no alpendre. O silêncio que recebeu foi opressivo. Nenhum som vindo de dentro. Nenhum movimento nas janelas altas e escuras. O ar frio da noite carregava apenas o cheiro úmido da terra e das folhas. A única coisa que eu queria era água quente. Água muito quente, para lavar a cidade, o hospital, o sangue e o fantasma do meu pai da minha pele.