Capítulo 5: Confiança e Comprimidos

O som da água do chuveiro no banheiro era o único ruído quebrando o silêncio opressivo. Leo estava lá, submerso no vapor. Eu, na cozinha minúscula, sentia cada gota como um segundo de trégua. Jantar. A palavra soou como salvação. Canja. Abri a geladeira vazia, buscando vegetais. Enquanto cortava cenouras e batatas, o pensamento girava frenético. Como conter um homem que acreditava num amor fabricado e exigia sua consumação com urgência animal?

Meus olhos pousaram no armário alto dos remédios esquecidos. Subi num banco, pernas trêmulas. Lá no fundo, atrás de vitaminas vencidas, encontrei o desespero: um frasco de Zolpidem. Parara de usar porque meu corpo criara resistência. Mas para Leo, fragilizado, recém-saído do coma… talvez fosse suficiente. Uma trégua.

A mão tremia ao pegar o frasco. É errado. Perigoso. Mas o medo era mais alto. Medo do seu toque, da sua força, da convicção delirante. Com dedos nervosos, esmaguei três comprimidos. O pó branco e inodoro se misturou. Hesitei, olhando o caldo borbulhante. Funcionará? Antes que a razão vencesse, joguei o pó sobre os legumes na panela e misturei freneticamente. O coração batia forte. Deus, o que estou fazendo?

A porta do banheiro abriu. Leo saiu, envolto apenas numa toalha, torso nu revelando músculos e cicatrizes. Gotas escorriam pelo cabelo escuro cortado em wolf cut. Seus olhos vermelhos me encontraram, posse e fome ainda presentes, mas um pouco nublados.

— Cheira bem — disse, sentando-se à mesa. Observava-me como um falcão.

Enchi duas tigelas, mãos trêmulas. Coloquei a dele, generosa, na frente. A minha, quase vazia. Sentei em frente, a mesa como barricada.

Ele pegou a colher. Olhou. Cheirou. Uma ruga fina surgiu entre as sobrancelhas. Ergueu a colher, mas parou. Olhos vermelhos aguçados fixaram-se nos meus.

— Tem… gosto estranho. — Voz neutra, mas carregada de desconfiança primitiva que me gelou.

Ele sentiu. Desespero subiu na garganta. Não pode ser!

— Estranho? — Sorriso tenso, coração martelando. — Não, é só canja… Talvez o espinafre? Fica amargo se cozinhar demais… — Mentira fluida, apoiada num fato real.

Ele não se convenceu. A colher pairou. Desconfiança palpável. Tensão no limite.

Agi rápido. Peguei a colher dele.

— Deixa eu provar — disse, levando-a à boca. Engoli um pouco. Sabor do caldo, frango, legumes… e o leve amargor do espinafre que realmente adicionara. Nada de químico. Alívio intenso inundou-me. Funcionou?

Fingi careta. — Tá… meio amargo — admiti. — Desculpa, Leo. O espinafre. Eu gosto assim, mas sei que não é pra todo mundo.

A tensão no corpo dele diminuiu. Desconfiança deu lugar a constrangimento, depois arrependimento. Baixou a cabeça, gesto submisso.

— Desculpa — murmurou, voz rouca. — Pensei… que você tinha colocado algo ruim. — Olhos vermelhos cheios de vulnerabilidade cortaram meu coração. — Não devia desconfiar. Você me salvou. Me cuida. — A mão grande e quente cobriu a minha sobre a mesa. — Me perdoa?

O peso da culpa foi esmagador. Eu coloquei, Leo. Balancei a cabeça, sorriso falho. — Nada pra perdoar. Come, vai ficar fria.

Ele pegou a colher de volta. Sem hesitar, começou a comer. Com fome. Eu mal toquei na minha.

Ao terminar, limpando a tigela com pão, um bocejo incontrolável o dominou. Tentou disfarçar.

— Tá cansado — afirmei. — O banho quente.

Concordou com a cabeça, olhos pesados. Outro bocejo. — Sim… cansado. — Levantou-se, desequilibrado. Segurou a toalha que quase caiu. — Vou… pra cama. — Olhos vermelhos em mim, desejo ofuscado pela névoa química. — Você vem? Prometeu… depois.

Coração saltou. — Claro — menti. — Só um banho rápido. Tirar a graxa da moto… suor. — Careta.

Ele estudou meu rosto. A droga lutava. Por fim, acenou lentamente.

— Te espero na cama. Não demora. — Voz arrastada.

Assisti ele cambalear para o quarto. Só soltei o ar ao ouvir os passos se afastarem. Funcionou.

O banho foi rápido, gelado apesar da água quente. Esfreguei graxa e suor, mas a sujeira moral parecia entranhada.

Ao voltar, envolta num roupão velho, encontrei a cena esperada – e temida.

Leo estava na cama estreita. Dormindo profundamente. Torso exposto sob o cobertor. Respiração profunda, regular. Rosto relaxado, quase inocente na inconsciência induzida. A luz fraca do abajur iluminava sua mandíbula, o corte de cabelo escuro.

Fiquei parada na porta. Nenhuma ameaça. Apenas um homem vulnerável, adormecido pelo que eu introduzira. Alívio físico. Graças a Deus.

Mas o alívio trouxe a imagem dos seus olhos pedindo perdão. O peso da mão sobre a minha. A promessa do "depois" adiada, não cancelada.

Aproximei-me silenciosamente. Ele não se moveu. Sono pesado, artificial. Seguro. Por enquanto.

Sentei-me no velho banco ao lado da cama. O som da respiração profunda preenchia o quarto, misturado ao zumbido noturno da floresta.

Meu santuário estava temporariamente seguro. O predador, contido. Mas a custo de quê? E por quanto tempo?

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