Gabriel é um assassino de aluguel. Frio, calculista e com um currículo de mortes limpas, ele nunca erra o alvo. A nova missão parece simples: eliminar Leônidas Tavares, um magnata poderoso que coleciona inimigos. Instalado num apartamento abandonado, com a mira da sua Dragunov apontada para a mansão do alvo, Gabriel só precisa esperar o momento certo. Mas tudo muda quando, através da lente de sua sniper, ele enxerga outra janela. Lara. A filha de Leônidas. Gabriel passa a observar a rotina dela em silêncio. Cada risada, cada dança desajeitada, cada noite em que ela adormece lendo um livro se tornam parte de um ritual que ele nunca planejou viver. O assassino começa a se afundar em um romance impossível, invisível e proibido… onde o único elo entre os dois é o vidro da janela e o peso da arma que ele carrega. Dividido entre o dever e um sentimento que nunca teve espaço em sua vida, Gabriel se vê preso entre dois destinos: matar… ou se deixar ser destruído. Porque, no fim, ninguém pode escapar de quem realmente é. Nem mesmo ele.
Ler maisO som metálico do carregador encaixando na Dragunov quebrou o silêncio abafado do apartamento vazio. Gabriel ajeitou o rifle no tripé, com a calma de quem já havia feito aquilo dezenas de vezes. A lente da luneta avançou até o prédio da frente, e lá estava ele: o homem que Gabriel deveria matar.
Leônidas Tavares. Empresário, milionário, e dono de inimigos suficientes para justificar o alto preço da sua cabeça. Gabriel só precisava esperar o momento certo. O cliente tinha sido claro: nada de acidente. Nada de discreto. Era para ser um tiro limpo, direto, no coração da mansão de vidro e concreto que o velho chamava de casa.
Mas Gabriel não tinha pressa.
A mira percorreu as janelas, como fazia todas as tardes. Já conhecia a rotina de Leônidas. Sabia a hora que ele saía do escritório, o horário que descia pro jardim fumar, e até os minutos exatos que gastava na varanda com o copo de uísque na mão.
E foi ali, enquanto ajustava o foco, que ele viu… ela.
Uma janela à direita. Terceiro andar. Cortinas brancas, uma luminária amarela no canto e um pôster de banda indie na parede. Gabriel não sabia o nome dela ainda, mas já sabia que ela gostava de ficar deitada na cama com livros abertos ao redor, que dançava sozinha quando achava que ninguém estava olhando, e que tinha o hábito de rir enquanto mexia no celular.
Ela.
O dedo de Gabriel, sempre firme no gatilho, vacilou pela primeira vez em anos.
A missão ficou em segundo plano.
Dia após dia, ele posicionava a Dragunov. Fazia os cálculos de distância. Vento. Temperatura. Mas, quando a lente buscava o alvo, o foco sempre escorregava pra janela dela.
Ele já sabia que ela se chamava Lara. Tinha ouvido o nome algumas vezes quando o interfone da portaria tocava no prédio dela. Lara Tavares. Filha única do homem que ele tinha que matar.
Gabriel encostou as costas na parede descascada do apartamento onde estava escondido. Passou a mão pelo cabelo curto, respirou fundo e riu sozinho. Que tipo de idiota se apaixona por alguém só de olhar pela janela? Era coisa de filme barato.
Mas ali estava ele.
Um assassino de aluguel com o coração batendo rápido cada vez que ela entrava no quarto.
Pegou o binóculo de bolso e aproximou a imagem.
Lara estava sentada na cama, de costas, com uma camiseta larga e os cabelos presos num coque bagunçado. Estava concentrada numa pintura. Um cavalete improvisado e algumas tintas espalhadas pelo chão. Ela se virou por um segundo, como se sentisse o peso do olhar dele, e Gabriel baixou a lente no mesmo instante, o peito disparado como se tivesse sido pego no flagra.
Ridículo.
Ele limpou o suor das mãos na calça jeans, largou o rifle no chão e foi até a pequena cozinha para pegar uma cerveja quente da geladeira velha. O rótulo estava desbotado. A bebida, horrível. Mas servia pra enganar a ansiedade.
Sentado no chão, ele pegou o celular.
Nenhuma mensagem do cliente. Ainda.
Só mais tempo pra olhar. Pra esperar.
Pra criar desculpas dentro da própria cabeça.
De volta à janela, ele se obrigou a olhar para o alvo real. Leônidas estava na varanda, como sempre, o copo de uísque equilibrado na mão, falando ao telefone com alguém importante demais pra ser deixado esperando.
Gabriel ajustou a mira, o dedo deslizou até o gatilho. Era só pressionar.
Dois quilos de força. Isso é tudo que um disparo precisava.
Mas então, por um segundo, a porta do quarto de Leônidas se abriu, e Lara entrou.
Ela riu de alguma piada que o pai tinha feito. Deu um beijo na bochecha dele.
E pronto.
Dois quilos de força… evaporaram.
Gabriel recuou.
Soltou o ar com força, como se estivesse carregando o mundo inteiro nas costas.
— Merda… — sussurrou.
Largou a arma no chão como se ela tivesse queimado suas mãos.
Naquela noite, ele dormiu encostado na parede, com a cabeça cheia dela. Do sorriso. Da luz amarela que iluminava o quarto. Do som imaginado da risada dela.
No dia seguinte, voltou pra janela. De novo.
E no outro também.
Como um vício. Como uma condenação.
O problema não era só o fato de ela ser a filha do homem que ele devia matar.
O problema… é que, pela primeira vez na vida, Gabriel não tinha certeza se ainda era capaz de puxar o gatilho.
Naquela noite, o sono de Gabriel foi raso, cortado por imagens confusas. Sonhou com o som de tiros. Com vidros estilhaçando. Mas, acima de tudo, com o sorriso dela. Aquele sorriso leve que ela deu ao olhar o celular, como se estivesse flertando com alguém do outro lado da tela.
Quando acordou, ainda estava escuro. O relógio no chão marcava 4h17.
Levantou com os músculos tensos, foi até a janela e abriu um pouco a cortina, como fazia todos os dias.
A mansão continuava lá. Iluminada só pelas luzes de segurança do jardim. A janela dela estava apagada, mas Gabriel sabia que ela estava ali, dormindo, alheia ao perigo invisível que rondava sua casa.
Pegou a Dragunov novamente, só para sentir o peso nas mãos. A textura fria do metal sempre teve um efeito tranquilizador nele. Como se lembrasse quem ele realmente era.
“Você está começando a se perder”, ele pensou.
Voltou a montar o rifle no tripé, ajustou a luneta e mirou direto no escritório de Leônidas, agora vazio. O alvo continuava vivo por escolha dele… mas por quanto tempo ainda? O cliente não esperaria para sempre.
Gabriel passou os minutos seguintes fazendo o que sabia fazer melhor: vigiar.
Era um caçador, afinal de contas.
Observava o movimento da segurança na mansão, os carros que chegavam e saíam, os horários das trocas de turno dos seguranças. Anotava mentalmente os melhores ângulos, as rotas de fuga, os pontos cegos.
Mas, inevitavelmente, o olhar dele voltava para a janela dela.
Quando o céu começou a clarear, Gabriel viu o quarto de Lara se iluminar. Ela se levantou com os cabelos desgrenhados, foi até a janela e abriu as cortinas, deixando a luz da manhã entrar.
Sem saber, ela estava abrindo também a visão direta dele.
Gabriel engoliu em seco.
Ela vestia uma camiseta larga que parecia ter sido roubada de algum armário masculino, com um short de pijama. Nada demais. Nada provocante. Mas, para ele, era como assistir uma cena íntima demais para ser testemunhada. Uma cena da qual ele não fazia parte… mas queria.
Lara caminhou até a penteadeira, amarrou o cabelo em um coque preguiçoso e se espreguiçou, com os braços levantados, como se o mundo lá fora não existisse.
— Que merda é essa… — Gabriel sussurrou pra si mesmo, afastando o olho da luneta e passando as mãos no rosto.
Precisava parar com aquilo.
Precisava lembrar que aquilo era trabalho.
Que ela era só um detalhe no cenário.
Mas o problema era que, em todos os cenários da cabeça dele agora… ela era o detalhe que mais chamava atenção.
Pegou o celular e abriu a última mensagem do contratante, que estava lá, silenciosa há três dias.
“Status?”
Gabriel encarou a tela por um longo tempo antes de responder.
Digitou: “Em progresso.”
Mas antes de apertar enviar, ele apagou.
Respirou fundo.
Levantou, caminhou até o banheiro pequeno do apartamento e jogou água no rosto.
Ao voltar, decidiu que precisava de ar.
Desceu as escadas do prédio abandonado e foi até a esquina. Comprou um café ruim num copo de isopor de uma vendinha 24 horas e ficou parado na calçada, olhando os carros passando na avenida.
Durante anos, Gabriel foi um homem sem passado, sem futuro. Apenas com missões.
Mas agora… agora parecia que algo tinha saído do lugar.
O problema de espiar demais uma janela… é que, uma hora ou outra, você começa a desejar atravessar o vidro.
E ele sabia que esse tipo de desejo… sempre acabava mal.
Muito mal.
O sol da manhã derramava uma luz dourada sobre o jardim memorial, banhando as rosas brancas em uma pureza que parecia zombar da escuridão nos corações dos dois homens. Diante de Gabriel, Silas Montenegro não era o dragão que ele imaginara, mas um rei cansado de seu trono de ossos, pedindo por um fim. A oferta dele era a vitória absoluta, a liberdade de Lara, o “final feliz” que parecia um sonho impossível. E o preço era a alma de Gabriel.A voz de Lara soou em seu ouvido, um fio de pânico vindo de um mundo distante. — Gabriel, o que está acontecendo? Responda!Ele olhou para Silas, o dedo pairando sobre o gatilho, o peso do mundo naquela pequena pressão. Matá-lo. Seria fácil. Seria o fim da guerra. Ele se tornaria o Executor para destruir o Executor. O ciclo de violência se completaria nele. Ele se lembraria para sempre não como o homem que salvou Lara, mas como o homem que executou um velho indefeso em um jardim.E ele pensou na promessa que fizera a Lara na noite anterior. Em um fut
O compartimento de carga do caminhão de ração era escuro, abafado e cheirava a melaço e grãos. Para Gabriel, era um casulo de escuridão e antecipação. Ele estava imóvel, o corpo adaptado aos solavancos da estrada de terra, a mente focada, repassando cada passo do plano. Cada detalhe da planta baixa do haras. Cada informação do dossiê.Quando o caminhão finalmente parou com um chiado de freios a ar, ele soube que estava dentro da fortaleza. Esperou, contando os segundos, ouvindo as vozes abafadas dos guardas na portaria e o som do portão de metal se abrindo. O caminhão voltou a se mover, e Gabriel se preparou.No momento em que o veículo fez uma curva lenta perto dos estábulos principais, ele agiu. Abriu a pequena trava de serviço da traseira, que ele havia estudado nas fotos, e deslizou para fora, caindo em um rolo silencioso na grama úmida. O caminhão continuou seu caminho, o motorista alheio ao passageiro que acabara de desembarcar.Gabriel estava dentro. Eram 4:30 da manhã. O céu a
O sábado que antecedeu o ataque foi o dia mais longo e mais curto de suas vidas. O tempo parecia se dobrar sobre si mesmo, as horas se arrastando em uma espera agonizante, enquanto os minutos voavam em uma preparação febril. O apartamento de luxo nos Jardins, antes um refúgio, transformou-se em um campo de treinamento.O dossiê de Corvo sobre o Haras Montenegro estava espalhado pela mesa de jantar de vidro, uma bíblia profana de plantas baixas, rotas de patrulha e fotos de satélite. Gabriel, Lara e Marina se debruçaram sobre ele, absorvendo cada detalhe, cada fraqueza na armadura do dragão.Gabriel era o general, sua exaustão substituída por uma concentração laser. Ele os guiou através do plano, não uma, mas dezenas de vezes, até que cada movimento, cada contingência, estivesse gravado em suas mentes.— A infiltração é o ponto mais crítico — ele explicou, apontando para o manifesto de entregas. — Um caminhão de ração para os cavalos chega todos os dias, antes do nascer do sol, às quat
Os dias que se seguiram se estabeleceram em uma rotina surreal. Trancados no apartamento de luxo que Cássio Bastos lhes cedera, o mundo exterior se tornou um conceito abstrato, uma paisagem de luzes e sons distantes vistos através de paredes de vidro. Para três pessoas que haviam passado semanas em fuga constante, a imobilidade forçada era uma nova forma de tortura, um teste de paciência e sanidade.O apartamento, com sua elegância fria, se tornou o quartel-general de uma guerra silenciosa. Marina, assumindo o papel de intendente, coordenava a entrega de comida e suprimentos, usando aplicativos e cartões de crédito pré-pagos, criando uma trilha digital cuidadosamente anônima. Ela era a âncora que os mantinha ligados ao mundo real, a guardiã de sua frágil normalidade.Gabriel passava a maior parte do tempo em frente ao seu laptop, a luz da tela refletindo em seus olhos concentrados. Ele mergulhou nas profundezas da internet, vasculhando cada migalha de informação sobre o Haras Monteneg
O apartamento que Cássio Bastos lhes ofereceu não era um refúgio; era uma declaração de poder. Situado no último andar de um arranha-céu nos Jardins, era um oásis de minimalismo e tecnologia, com paredes de vidro que ofereciam uma vista de 360 graus de São Paulo. A cidade se estendia abaixo deles, um tapete de luzes e concreto.Para Lara e Marina, que haviam passado os últimos dias em buracos sujos e quartos de motel baratos, a transição foi vertiginosa. A opulência do lugar — o mármore frio, os móveis de design, a cozinha de aço inoxidável — parecia pertencer a um universo paralelo.— Isso... isso é seguro mesmo? — sussurrou Marina, andando pelo vasto salão, sentindo-se como uma intrusa.Gabriel, no entanto, não se deixou seduzir pelo luxo. Enquanto as duas mulheres exploravam, atordoadas, ele fazia o que sempre fazia: procurava por fraquezas. Com um pequeno detector de radiofrequência, ele varreu cada cômodo, cada tomada, cada luminária, procurando por microfones ou câmeras escondid
A viagem de São Paulo para Santos naquela tarde foi uma jornada para o coração das trevas. Eles não eram mais fugitivos assustados; eram emissários se preparando para uma audiência com um rei sombrio. Usaram o carro de luxo que Corvo lhes arranjara, um veículo que se misturava perfeitamente ao cenário de riqueza e poder do litoral. Gabriel dirigia, os olhos frios e focados. Marina estava no banco de trás, repassando os detalhes da "lenda" das irmãs Carvalho. E Lara, no banco do passageiro, estava em silêncio, a arquiteta daquela missão perigosa, sentindo o peso de cada vida que estava em jogo.— Lembrem-se — disse Gabriel, a voz um contraponto calmo ao som do motor. — Bastos é movido por duas coisas: ganância e vingança. Apresente a ele a chance de vingança primeiro. A ganância virá como consequência. Ele precisa acreditar que vocês podem lhe dar as cabeças de Fournier e Tavares em uma bandeja.— E o que pedimos em troca? — perguntou Lara.— Tudo — respondeu Gabriel. — Um novo refúgio
Último capítulo