Capítulo 4

A clínica era ampla, um dos poucos empreendimentos novos da cidade, assim que entrei, dei de cara com uma conhecida, atendendo no balcão.

— Helena! — A Daniela sorriu e deu a volta para me abraçar. — Não acredito que está aqui e não me procurou!

A Dani era uma das minhas melhores amigas na escola, sempre foi minha confidente.

— Eu cheguei ontem, ainda não tive tempo de procurar ninguém! — Abracei-a com força, ela era bem mais baixinha, era quase como abraçar uma criança.

— E o que te traz de volta?

— Bem… — respirei fundo, lembrando das mentiras da minha mãe. — Eu me separei e resolvi voltar.

Ela abriu muito a boca.

— Amiga, sinto muito! Então você voltou para ficar?

— Sim, inclusive vim pela vaga de secretária.

— Ah! Eu não acredito! — Ela dava pulinhos de alegria. — Eu vou falar com o chefe agora mesmo, e colocar seu currículo como prioridade!

Me deu mais um abraço e saiu, logo voltou sorrindo ainda mais.

— Helena, eu falei com o Doutor Renato e ele quer entrevistar você agora mesmo!

— Doutor Renato? Você não vai me dizer que é o Renatinho, aquele que amarraram no banheiro da escola?

— Shhhh! — Ela colocou o dedo sobre os lábios fazendo sinal de “silêncio”. — Ele mesmo! Mas você vai se surpreender com o quanto ele mudou.

Enquanto conversávamos ela me levava até a sala do Renatinho, ou melhor: Doutor Renato. Antes de entrar, ela ainda me desejou boa sorte.

Entrei de cabeça baixa e fechei a porta, quando virei, esperando ver o menino magrelo que sofria bullying na escola, dei de cara com um homem alto, forte, impecavelmente penteado. Usando um terno que destoava de tudo naquela cidadezinha morta. 

Eu estava boquiaberta, o Renatinho tinha se transformado em um Deus Grego, que faria qualquer mulher implorar por um minuto de atenção.

— Vejo que está lembrada de mim, Helena! — Ele sorriu e conseguiu ficar ainda mais lindo. Eu estava completamente chocada! 

— De… desculpe! — gaguejei, sem jeito. — É  que você mudou muito!

— Espero que para melhor! — Ele saiu de trás da mesa e me deu um abraço, o perfume era maravilhoso.

— Com certeza… — percebi que tinha falado besteira. — Não! Quer dizer, sim! Ah desculpe eu não sou assim normalmente, é que estou nervosa.

— Tudo bem, Helena, eu entendo. — Ele disse, voltando a sentar. — Então você voltou…

Não era uma pergunta, e sim uma afirmação, não sei por que, mas senti um arrepio na nuca com o jeito que ele falou.

— Sim, estou de volta definitivamente… me separei e resolvi tentar uma nova vida por aqui.

— Bom saber! — Eu não consegui descobrir se tinha segundas intenções no que ele falou. — Eu dei uma olhada no seu currículo, é muito bom, você tem bastante experiência.

— Sim, apesar de ser formada em agronomia, a única profissão em que realmente trabalhei foi a de secretária.

— E quando é que você pode começar? Já está instalada em algum lugar?

Quase dei um pulo de alegria. Numa cidade daquele tamanho, conseguir emprego era quase um milagre.

— Posso começar agora mesmo! — falei sorrindo. — Eu estou na casa dos meus pais, por enquanto vou ficar por lá.

— Então você começa amanhã, será minha secretária pessoal, quando chegar peça para a Daniela mostrar a sua sala e depois venha até o meu consultório.

— Perfeito! Agradeço muito a chance que está me dando!

— Não precisa agradecer! Só ser competente! — Ele piscou e eu senti um leve “calor” entre as pernas. Me censurei mentalmente, aquele era o Renatinho, o garoto que apanhava de todos na escola, e agora seria meu chefe! — Mande um abraço à Dona Palmira e ao Seu Sebastião.

— Mando sim. — Ele fez sinal com a mão para que eu saísse e voltou a ler um documento que estava sobre a mesa. Fiquei completamente estarrecida com a mudança.

Quando saí do consultório, a Dani foi correndo perguntar como tinha sido.

— Fui contratada! — Gritei e nos abraçamos e comemoramos juntas, por um instante, me senti como a menina que ainda estudava na escola da cidade.

Fui para casa dar a boa notícia aos meus pais, agora, teria que resolver o impasse da escola do Tiago, eu não queria matriculá-lo temporariamente na escola do bairro, para depois ter que levá-lo para outra, mas também não podia alugar uma casa agora, pois não tinha nem como comprar os móveis. Resolvi que iria matriculá-lo lá mesmo, depois veria o que fazer, só não podia deixar o menino perdendo aulas.

Fui até a escola do bairro com o coração dando pulos, eu não queria ter que encontrar com a Laura e estava rezando para que isso não acontecesse. Para minha sorte, consegui vaga para o Tiago e não a encontrei. Ele também começaria no dia seguinte.

Tudo estava acontecendo muito rápido e eu estava correndo contra o tempo com documentos. Estava saindo do cartório com as mãos cheias de papéis, acabei derrubando a chave do carro no chão e quando abaixei para juntar, uma mão masculina a apanhou antes de mim. Eu agradeci e peguei a chave de cabeça baixa, enquanto organizava os documentos, quando ouvi a voz:

— De nada, Helena! — Senti um calafrio e ergui os olhos.

Ali estava ele, o Víctor, parado na minha frente sorrindo. Quase caí dura, eu ainda não tinha pensado no que falaria quando o visse, na verdade, eu achava que ele nem morava mais na cidade.

— Víctor… — Foi tudo o que consegui balbuciar.

— Achei que estava me evitando. — ele falou, tranquilamente.

— Eu não… bom, sim, eu estava. — resolvi falar a verdade.

— Posso saber por que?

— Víctor, que pergunta, eu só não queria encarar você depois de todos esses anos…

— Claro, porque foi embora sem me dar nenhuma explicação, para casar com outro homem!

— Como é? — O choque me fez gritar. — Eu não fui embora para casar com outro! Não sei quem te falou isso, mas… — me calei, de repente eu entendi quem havia falado, óbvio que era coisa da Laura. Ela havia armado tudo e ele caiu como um patinho! — Pense como quiser! — falei, por fim e saí andando.

— É só isso? — ele perguntou, com os braços abertos. — Não vai dar nenhum tipo de explicação?

Parei e me voltei para ele.

— Você não quer explicação, Víctor, você quer um pedido de desculpas, mas quem errou foi você, então não espere que eu assuma uma culpa que não é minha!

— Eu errei? — ele deu uma gargalhada, se aproximando de mim. — Você me largou, Helena! Nós estávamos fazendo planos! Eu ia casar com você!

Agora quem gargalhou fui eu.

— Nós? Nós quem, Víctor? — eu já estava gritando. — Você e a Laura?

— Não coloque a Laura no meio disso! Ela não tem nada a ver com a sua traição! — Ele gritou.

— Quem traiu foi você, seu imbecil! — eu comecei a chorar. — Não venha se fazer de santo agora! E a Laura tem tudo a ver sim!

Saí andando, mas ele me segurou pelo braço.

— Ah não! Você não vai simplesmente sair e me deixar falando sózinho!

Tentei me desvencilhar, mas ele segurou mais forte, pelos dois braços. 

— Você acabou com a minha vida, Helena! — ele parecia realmente magoado.

— Não, Víctor, você foi quem acabou com a sua vida… e com a minha junto… — falei baixinho, as lágrimas teimosas descendo pelo rosto. — Agora me deixe ir, por favor!

Ele se aproximou mais, encostando a testa na minha, tentei virar o rosto, mas ele foi mais rápido, me beijando na frente de todos os que assistiam a cena. 

Senti minhas pernas fraquejarem, uma onda elétrica percorreu todo o meu corpo, era como estar sonhando. Ouvi um burburinho e tive um momento de lucidez, empurrando-o.

— Me largue, você é casado, respeite a sua mulher!

— Por favor, Helena! — sua voz era um sussurro. — Eu preciso encontrar com você, nós precisamos resolver isso!

— Não temos nada para resolver, Víctor! — eu disse, entrando no carro. — Vá para casa cuidar da sua esposa.

Dei a partida e saí de lá, pelo retrovisor ainda pude vê-lo parado, com os braços caídos ao lado do corpo. A cena se repetia. Lá estava eu indo embora novamente enquanto o meu amor ficava para trás, pedindo para eu voltar.

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