A chuva caía fina naquela madrugada em que Helena foi embora.
Ninguém na cidade soube explicar direito. Nem mesmo Víctor. Um bilhete amassado sobre a mesa, malas jogadas no banco traseiro de um carro velho, e um coração deixado para trás, era só isso que restara. Ele ficou parado no meio da rua, de camiseta e pés descalços, vendo o carro desaparecer na curva da estrada. O gosto amargo da perda queimou sua garganta, mas o orgulho falou mais alto. Ele não correu atrás. Ela não teve nenhuma consideração por ele. Helena, dentro do carro, segurava o volante com tanta força que os nós dos dedos ficaram brancos. Chorava sem fazer barulho, como se engolir aquele choro fosse a única forma de sobreviver. Ela nem sabia se conseguiria. Não olhou para trás. Não podia. Se olhasse, não teria coragem de ir. Foi morar com uma tia em outra cidade. O tempo passou. Ela se casou e teve um filho. Os anos vieram como ondas, levando e trazendo memórias. Ele tentou seguir, ela tentou esquecer. Nenhum dos dois conseguiu. Seu casamento fracassou, seu ex-marido ficou com a empresa que ambos lutaram tanto para se tornar um sucesso. Agora, oito anos depois, o mesmo céu cinzento anunciava chuva quando Helena voltou. A cidade estava completamente igual às suas lembranças, era incrível como no interior as coisas nunca mudavam. As mesmas casas, as mesmas pessoas… Só que desta vez, ela não estava sozinha. Do banco de trás, um par de olhos castanhos a observava com curiosidade, mas ela não poderia responder suas perguntas, porque nem ela mesma sabia as respostas… FLASHBACK- OITO ANOS ATRÁS A música alta da festa não conseguia abafar a voz de Laura. Ela sorria com aquele ar de falsa inocência que Helena só aprenderia a decifrar anos depois. — Você acha mesmo que ele só tem olhos para você? — Laura inclinou a cabeça, o brilho de deboche nos olhos. — Você é tão ingênua, Helena. — O que você quer dizer com isso? — Helena tentou soar firme, mas a voz saiu trêmula. — Quer mesmo saber? — Laura se aproximou, o perfume doce sufocando. — Ontem à noite, ele me beijou. Foi como se o chão sumisse. — Mentira… — sussurrou, mas soou mais como um pedido desesperado do que como uma certeza. — Acha que eu preciso mentir? — Laura ergueu uma sobrancelha. — Ele é homem, Helena. E homens não esperam por meninas confusas. Helena sentiu o coração bater tão forte que doía. As palavras de Laura rodavam em sua mente como um veneno. Ela tinha se entregado a um canalha! Ela não esperou o fim da festa. Não procurou por Víctor, não pediu explicações. Não queria ouvir mentiras. Correu para casa, arrumou a mala com as mãos trêmulas e, antes do amanhecer, pegou a estrada, com o velho Ford azul que seu pai lhe deu de presente de formatura. Enquanto o carro se afastava rapidamente, ainda pôde ouvir o grito do Víctor, parado no meio da rua, mas não olhou para trás. Naquela noite, ela deixou para trás a cidade, os sonhos e o único amor da sua vida. E, nos anos seguintes, aprendeu a enterrar aquela dor, ou, pelo menos, fingiu que tinha aprendido.