Mundo de ficçãoIniciar sessãoEvelyn Rowan cresceu entre regras e solidão. O internato inglês onde passou quase toda a vida era menos um lar e mais uma vitrine de comportamentos perfeitos. Aprendeu cedo a se virar sozinha, a disfarçar a dor com sarcasmo e a manter distância de tudo o que pudesse feri-la outra vez. Até que uma notícia muda tudo: Arthur Harrington, o homem que por anos foi apenas um nome em papéis legais, está morto — e seu filho, Dante Harrington, é agora seu novo tutor. Dante sempre foi o oposto da palavra “responsável”. Herdeiro de uma das famílias mais influentes da Inglaterra, viveu cercado de poder, excessos e mulheres que nunca ficaram tempo o bastante. Ser tutor de uma garota de dezenove anos não estava em seus planos — principalmente quando essa garota tem o olhar afiado de quem não aceita ser domada. Obrigados a dividir o mesmo teto, Evelyn e Dante se tornam espelhos distorcidos um do outro: ela, a rebeldia disfarçada de controle; ele, o controle disfarçado de liberdade. Entre eles, nasce uma tensão que nenhum dos dois sabe lidar — um jogo perigoso entre o que é certo e o que o coração exige.
Ler maisDante O céu parecia conspirar com o luto — cinzento, pesado, quase hostil. O vento cortava o ar como se quisesse arrancar da pele qualquer sensação que lembrasse calor. E ali estava eu, Dante Harrington, enterrando o homem que me ensinou tudo o que eu nunca quis aprender.
A terra estava úmida, o chão afundava sob os sapatos caros que ele me obrigou a usar desde criança. Ao redor, rostos conhecidos. Alguns sinceramente tristes, outros apenas cumprindo um papel social. Negociadores, velhos amigos, bajuladores de sempre. Todos vestidos de preto, como se a cor disfarçasse a hipocrisia. Meu pai era admirado, temido, respeitado — mas amado? Poucos poderiam dizer isso sem mentir. Eu observava o caixão descer com uma calma que me soava quase ofensiva. As pessoas esperam que um filho chore. Que desabe, que demonstre dor. Mas a verdade é que, quando alguém morre aos poucos diante de você, todos os dias por anos, o funeral é apenas o ponto final de uma frase que já terminou há muito tempo. Henry Moore, o advogado da família, aproximou-se. Sempre o mesmo tom polido, sempre a mesma formalidade.Evelyn Segurei o diário com as duas mãos por um tempo antes de conseguir abri-lo de novo. As páginas tinham cheiro de papel antigo misturado com algo que eu não sabia como descrever, talvez memória. Dante permaneceu por perto, sentado na poltrona, silencioso e atento. Eu sentia o olhar dele mesmo quando não levantava o rosto. Li. Li tudo. Os pensamentos da minha mãe não eram suaves. Eram crus, feridos, às vezes até amargos. Ela não escrevia para ser compreendida, escrevia para sobreviver. Descobri uma mulher que eu não conhecia por completo. Uma Eloise que amava, mas que também sangrava. Que confiou e foi traída. Pelo marido. Pela própria irmã. Minha garganta apertou quando percebi que eu nunca tinha sabido de nada daquilo. Nem do passado dela. Nem da história da tia Betty. Nem da dor que justificava tanto silêncio, tanto afastamento. Pela primeira vez, a revolta da minha mãe deixou de parecer exagero. Ela fazia sentido. Tudo fazia. Fechei o diário com cuidado, como se pudes
Dante Dirigi por mais de três horas como se o tempo tivesse virado um inimigo pessoal. A estrada se esticava diante de mim, interminável, e cada quilômetro parecia uma eternidade. Mantive as mãos firmes no volante, os olhos fixos à frente, mas a cabeça estava longe dali, presa nela. Em Evelyn. No tom da voz dela ao telefone. Na urgência do seu pedido. O diário. O carro cortava o asfalto rápido demais. Ignorei o aviso constante do painel, ignorei o cansaço acumulado, ignorei tudo o que não fosse chegar até ela. A paisagem borrava nas laterais, campos, árvores, placas que eu não lia. Só existia uma linha reta e a sensação incômoda de que algo que eu vinha adiando havia finalmente me alcançado. Quando cheguei à universidade, estacionei de qualquer jeito. Desci do carro quase correndo, o coração batendo alto demais no peito. Foi então que a vi. Evelyn estava sentada em um banco, encolhida, os ombros tensos, os olhos inchados e vermelhos. Tremia. Ao lado dela, Asher. Por um seg
Evelyn Os dias seguintes escorreram rápidos, quase impiedosos. A rotina da universidade não dava trégua, e eu precisei aprender a acompanhá-la ou seria engolida por ela. Aulas longas, corredores cheios, nomes novos, vozes novas, expectativas novas. Aos poucos, peguei o ritmo. Sentava sempre com Bonnie, Heather e Caitlin quando dava, ria do que era possível rir e fingia firmeza quando a saudade apertava em lugares que eu não sabia lidar. Às vezes, no meio do vai e vem entre um prédio e outro, eu cruzava com Asher. Quase sempre de passagem, mochila jogada no ombro, pressa no olhar. Nossos encontros eram breves, acenos rápidos, sorrisos curtos, como se a vida estivesse sempre empurrando ele para fora do quadro antes que a cena se completasse. Dante continuava ali, ao menos pela voz. Falávamos ao telefone sempre que eu ficava sozinha. À noite, principalmente. Eu me deitava na cama estreita do quarto, encarava o teto e fechava os olhos para imaginá-lo do outro lado da linha. Mas h
Dante Cheguei em casa no limite do cansaço, com o corpo pesado e a cabeça cheia demais para o silêncio da mansão. O dia tinha sido uma maratona calculada: reuniões em sequência, decisões que não podiam esperar, números que exigiam precisão. Tudo isso para não pensar nela. Para não abrir o aplicativo de mapas e calcular quanto tempo levaria até Cambridge com a ida e volta, se tentasse ficar ao menos 5 minutos com Evelyn. Para não ceder à vontade quase física de buscá-la de volta. Eu sabia, com uma clareza dolorosa, que Evelyn precisava disso. Precisava da universidade, dos amigos, das escolhas erradas e certas que só se aprende fazendo. Precisava crescer longe de mim, longe da minha sombra constante. Não seria justo arrancá-la dessa fase por medo, por ciúme ou por apego. Mesmo assim, saber não tornava mais fácil sentir. — Posso servir o jantar, Dante? — perguntou a sra. Collins, assim que me viu atravessar o hall. — Em quinze minutos — respondi. — Vou tomar um banho rápido.
Evelyn Passei a noite inteira acordada. Não foi insônia comum, foi aquela inquietação que não deixa o corpo descansar porque a cabeça não para. Arrumei o quarto milimetricamente, como se alinhar livros e dobrar roupas pudesse organizar também o que eu sentia. Entre uma pilha de cadernos e outra, pegava o celular e mandava mensagem para Dante. Às vezes ele respondia rápido. Às vezes demorava. Às vezes vinha só uma frase curta, funcional demais para alguém que, horas antes, me dizia que eu morava no coração dele. Isso foi me deixando insegura de um jeito bobo e cruel. Para não pensar, continuei. Desfiz malas, reorganizei tudo de novo, conferi horários das aulas pelo menos três vezes, li e reli e-mails da universidade. Quando finalmente me deitei, já era quase manhã. Dormi pouco. Mal. Quando acordei, me obriguei a ficar animada. Disse a mim mesma que esse era o começo de algo importante. Tomei um banho demorado, deixei a água quente cair sobre os ombros como se pudesse levar embo
Dante Por escolha da Evelyn, eu a levaria um dia antes para a universidade. Ela disse que precisava desse tempo para se instalar no alojamento, organizar as coisas, respirar antes do começo oficial das aulas. Eu concordei sem discutir. Conhecia aquele brilho inquieto nos olhos dela: ansiedade misturada com medo. A coragem dela sempre vinha assim, tremendo por dentro. Combinamos que passaríamos o dia e a noite juntos em Cambridge. Sem interrupções. Sem olhares atravessados. Sem a casa grande demais, silenciosa demais. Apenas nós dois, adiando o inevitável por mais algumas horas. Peguei as malas que ela separou, uma a uma, conferindo mentalmente se não tinha esquecido nada. Evelyn ficou parada perto da porta, enquanto a senhora Collins a abraçava com força. O choro dela era contido, mas pesado. — Cuide de você, minha querida — ouvi a senhora Collins dizer, a voz embargada. — E não se esqueça de comer direito. Evelyn sorriu, emocionada, e retribuiu o abraço. — Eu prometo.





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