Céline foi levada ao castelo de Auren como mais uma flor para adornar seu jardim — uma entre tantas mulheres destinadas a saciar seus caprichos e perpetuar seu legado. Mas diferente das outras, ela não se rende ao fascínio que envolve aquele homem poderoso, mesmo quando seus olhos a prendem e sua voz a faz tremer. Nos corredores onde o perfume de flores não consegue mascarar o cheiro de medo, Céline descobre que a maternidade ali é mais do que um privilégio: é uma sentença. Os exames invasivos, os sussurros de irmandade entre as mulheres e os olhares orgulhosos das grávidas formam um ritual sombrio, onde cada batida do coração esconde segredos. E enquanto Auren caminha pelo jardim como um deus entre mortais, Céline luta para não se perder no fogo que ele desperta. Ela precisa entender se o que arde dentro dela é amor ou uma armadilha, desejo ou destruição. Porque nesse castelo, toda escolha tem um preço — e toda verdade pode ser fatal.
Ler maisA última coisa que Céline se lembrava era o som dos próprios passos na rua deserta. Os saltos batendo no asfalto molhado, o vento frio cortando o casaco leve que insistiu em usar. Não tinha noção de que alguém a seguia. Nenhuma sombra, nenhum ruído. Apenas uma mão firme, um lenço encharcado com um cheiro doce e enjoativo. Depois, escuridão.
Quando abriu os olhos, o teto alto e luxuoso acima dela parecia parte de um pesadelo suntuoso. O quarto era espaçoso, paredes de pedra clara e detalhes entalhados em madeira escura. Cortinas pesadas bloqueavam qualquer vestígio de luz natural. Uma lareira acesa exalava calor suave, contrastando com o arrepio que subia pela espinha dela. O colchão macio afundava sob seu corpo. Estava deitada sobre lençóis caros demais para alguém que morava em um apartamento minúsculo no centro da cidade. Ao seu redor, silêncio. Silêncio e a certeza incômoda de que estava sendo observada, mesmo sem ver ninguém. Céline se sentou, o coração batendo tão rápido que parecia querer saltar pela garganta. O corpo ainda estava vestido, mas suas roupas haviam sido trocadas: em vez da calça jeans e da blusa fina, agora vestia uma camisola de seda branca que marcava cada curva. Debaixo dela, a pele nua a fazia sentir-se ainda mais vulnerável. Ela se levantou de um salto, cambaleando um pouco. As pernas, dormentes pelo tempo que passara desacordada, reclamaram do movimento brusco. Ainda assim, ela caminhou até a porta. Trancada. O trinco nem sequer se movia quando forçou, e a madeira maciça parecia zombar da sua força. Respirou fundo e olhou ao redor. Uma poltrona elegante perto da lareira, uma mesa com uma jarra de água e copos de cristal, um espelho antigo pendurado na parede. Cada detalhe era rico, belo e… opressivo. Ela bateu na porta com força. — Ei! Tem alguém aí? — gritou, a voz saindo rouca, mas firme. — Abram essa porta! Agora! Nada. Nenhuma resposta. Nenhum som. A raiva começou a borbulhar no peito, queimando mais forte que o medo. Ela se virou, chutou a poltrona, empurrou a mesa — um gesto inútil, mas que lhe trouxe um alívio momentâneo. Céline nunca fora de aceitar ordens, e agora, num lugar onde claramente a queriam submissa, cada fibra do seu corpo se recusava a ceder. Ela tentou abrir as cortinas. Nenhuma janela. Apenas um mural pintado de forma tão realista que, por um instante, enganou seus olhos. Um truque cruel: ilusão de liberdade. O som de uma chave girando na fechadura a fez girar nos calcanhares. A porta se abriu lentamente, e dois homens enormes apareceram, vestidos com roupas pretas simples, sem qualquer expressão no rosto. Guarda-costas, ou algo pior. Um deles segurava uma bandeja com uma tigela de sopa fumegante e um copo de água. — Senhorita, — disse o homem mais alto, a voz baixa e sem emoção — precisa comer. Ela ergueu o queixo, desafiadora. — Onde eu estou? — exigiu. — Quem me trouxe até aqui? O homem não respondeu. Apenas caminhou até a mesa e colocou a bandeja, recuando em seguida para a porta. Céline bufou. — Vocês acham que vão me amolecer com uma tigela de sopa? — Ela avançou um passo, os punhos cerrados. — Eu não sou um animal pra ficar presa aqui, entendeu? O homem trocou um olhar rápido com o companheiro, mas não disse nada. A porta se fechou atrás deles, e novamente Céline ficou sozinha, com a sopa esfriando diante dela. Ela se sentou na poltrona, respirando fundo para manter o controle. Olhou para o copo de água. Não confiava, mas a sede era real. Deu um gole pequeno. A água estava fresca, cristalina — e despertou ainda mais sua fome e raiva. O tempo parecia escorrer como mel quente. Minutos, talvez horas, Céline não tinha como saber. O calor da lareira contrastava com o frio que sentia por dentro. E então, finalmente, a porta se abriu outra vez. Desta vez, uma mulher entrou. Jovem, cabelos loiros presos num coque apertado, usando um uniforme branco que lembrava enfermeiras antigas. O olhar dela era frio, mas não cruel. — Senhorita, precisamos examiná-la. Por favor, venha comigo. Céline se levantou devagar. — Examinar? Eu não sou um projeto de pesquisa. — É necessário — disse a mulher, com calma profissional. — Para o bem-estar do harém. A palavra “harém” a fez gelar. Ela segurou o braço da mulher, apertando com força. — Harém? Que tipo de lugar é esse? Eu não sou uma escrava! A mulher ergueu uma sobrancelha, impassível. — Aqui, todas as mulheres são cuidadas. Alimentadas. E escolhidas. Seu ciclo fértil será monitorado. Se recusar, será… complicado. O estômago de Céline se revirou. Mas ela não recuou. — Eu não vou cooperar com essa loucura. A mulher suspirou. — Então, terá de ser contida. Mas saiba: ninguém a machucará enquanto seguir as regras. Céline soltou o braço dela. Não confiava, mas a necessidade de informação era maior que o orgulho. Seguiu a mulher pelos corredores silenciosos e opulentos. Tapetes grossos abafavam seus passos, e as tochas acesas nas paredes criavam sombras dançantes, como se as paredes estivessem vivas. Chegaram a uma sala de exames: balcões de aço, instrumentos limpos, cheiro de antisséptico. Dois médicos — um homem de meia-idade e uma mulher mais jovem — a esperavam. — Sente-se — disse o médico, indicando uma cadeira alta. — Vou colaborar até certo ponto, — disse Céline, a voz baixa e controlada. — Mas não vou ser parte de nenhum ritual doentio. — Não precisa se preocupar. Ainda não — respondeu o médico, ajustando as luvas. — Queremos apenas ter certeza de que está saudável. E… fértil. A palavra fez cada músculo dela enrijecer. Céline manteve o queixo erguido, enquanto eles a examinavam: pressão, temperatura, batimentos. Tiraram sangue, anotaram dados. Tudo meticuloso, científico — e profundamente invasivo. Quando terminaram, a mulher de uniforme branco voltou para escoltá-la de volta ao quarto. — Vista-se — disse, entregando um vestido leve, azul-claro, que deixava seus ombros expostos. — O Alfa a verá hoje à noite. O Alfa. Céline não sabia o nome dele, mas sentiu o impacto do título. O líder. O dono desse harém. Ela vestiu o vestido como se fosse uma armadura. Não ia ceder, não importava o que ele quisesse dela. De volta ao quarto, sozinha, Céline olhou o próprio reflexo no espelho. Os cabelos escuros emolduravam o rosto sério, a mandíbula firme. Seus olhos, apesar do medo, não vacilavam. > Eu sou humana, pensou. Eu não sou fraca. Um som novo a fez virar o rosto. Um toque suave na porta, como uma batida de aviso. Lentamente, a maçaneta girou. E então ele entrou. Auren. O Alfa. Ele preencheu o espaço assim que apareceu: alto, ombros largos, cabelos negros, como uma noite sem lua. Os olhos dele — intensos, de um âmbar quase sobrenatural — fitaram os dela como se pudessem ver além de cada camada de defesa. Ele não sorriu. Não disse uma palavra ao entrar. Apenas caminhou até o centro do quarto, os passos deliberados, silenciosos. Cada movimento exalava domínio. Poder. Céline respirou fundo, recusando-se a dar um passo para trás. — Então é você, — disse ela, a voz firme apesar do tremor em suas mãos. — O homem que pensa que pode comprar um harém. Ele ergueu uma sobrancelha, estudando-a. — Comprar? Não. Eu tomo o que é meu por direito. A voz dele era um trovão baixo, vibrando no peito dela. — Eu não sou sua, — retrucou Céline. Um sorriso lento apareceu nos lábios dele. — Ainda não — disse, a voz suave, perigosa. E então ele se aproximou, o cheiro de musgo e terra molhada que exalava enchendo o ar entre eles. Céline sentiu o corpo estremecer, mas não recuou. Não ia dar a ele o prazer de vê-la ceder. Ele ergueu a mão, apenas para tocar uma mecha de cabelo que caía sobre o ombro dela. Um toque leve, mas que a fez arfar. — Você vai aprender que a força real não está em resistir — disse ele, num sussurro grave. — Está em saber quando se render. Ela o olhou nos olhos, desafiadora. — Eu não sou uma das suas — disse, a voz cortante. Ele sorriu outra vez, um brilho de interesse escuro nos olhos. — Eu gosto de caçar, Céline. — Auren deu um passo para trás, apenas para provar que posso. — E você… vai ser a minha caça favorita. Sem mais uma palavra, ele se virou e saiu, deixando-a sozinha, com a promessa do que viria ecoando no quarto silencioso. Céline respirou fundo, as pernas tremendo. Ela sabia que o jogo tinha começado. E não ia se render sem lutar.A luz tênue atravessava as frestas da cortina, filtrando-se até o interior do quarto como um lembrete cruel do tempo passando. Céline permanecia sentada à beira da cama, as pernas encolhidas, o queixo apoiado nos joelhos. O tecido frio dos lençóis contrastava com a chama inquieta que queimava em seu peito — medo, raiva, impotência. Tudo misturado.O silêncio era quase absoluto, interrompido apenas por rangidos ocasionais vindos do andar de baixo. Ela não sabia que horas eram, nem quanto tempo havia passado desde a última vez que vira Draven. Mas sabia que ele voltaria. Sempre voltava. Como se estivesse cronometrando o momento exato em que ela começava a acreditar que teria paz.E ele chegou.A maçaneta girou devagar. Céline não se moveu. O coração dela se apertou, mas seu corpo permaneceu rígido, como se fingir indiferença pudesse desarmá-lo.Draven entrou com a mesma tranquilidade insolente de sempre, a silhueta alta e imponente cortando a luz do corredor. Vestia preto dos pés à cabe
O crepúsculo tingia o céu com um vermelho profundo, como se o próprio horizonte sangrasse pela ausência dela. Auren emergiu das sombras do castelo, seus olhos escuros e dilatados varrendo a floresta além das muralhas. Céline desaparecera — e com ela, algo dentro dele havia sido arrancado à força. O vazio que agora habitava seu peito era feito de fúria contida, medo sufocante e um desespero que ameaçava rasgar sua pele de dentro para fora.Durante horas, vasculhou cada cômodo do castelo, cada corredor, cada fresta. Interrogou guardas, revirou registros, rompeu portas, mas não havia sinal dela. Nada. Como se tivesse evaporado. Nenhum vestígio, nenhum barulho, nenhum grito.Mas o silêncio gritava mais alto do que qualquer alarme. Era impossível que ela simplesmente tivesse ido embora. Aquilo era um sequestro — e alguém ousara tocá-la. Levá-la.Foi então que ele viu.Pouco além da muralha de pedra, entre as árvores retorcidas, a terra molhada revelava marcas recentes — finas, paralelas, p
Minutos depois, Céline ouviu o som de passos pesados no corredor. Seu coração disparou. A maçaneta girou devagar, como se o homem que a segurava quisesse prolongar sua ansiedade. Quando a porta se abriu, Draven surgiu, preenchendo o vão com sua presença dominante.Ele tinha o mesmo porte poderoso de Auren, mas seu olhar carregava algo frio e calculista. A cicatriz que cortava sua sobrancelha apenas reforçava o ar de ameaça que emanava dele. Draven fechou a porta atrás de si com um estalo firme.— Céline — disse ele, a voz baixa, arrastada, com um sorriso que não alcançava os olhos. — A fêmea principal do meu irmão… tão longe de casa.Ela recuou um passo, confusa. As palavras dele pareciam um soco.— Seu… irmão? — murmurou ela, os olhos arregalados. — Auren tem um irmão?Draven ergueu uma sobrancelha, parecendo saborear a surpresa dela. Ele aproximou-se devagar, como um lobo que se diverte ao ver a presa tremendo.— Oh, ele não contou sobre mim? — perguntou ele, a voz cheia de sarcasmo
O homem que a sequestrou conhecia cada pedra e sombra do castelo. Já era metade da manhã quando ele deslizou pelos corredores secretos, usando portas disfarçadas que só aqueles de sangue antigo conheciam. Céline, ainda confusa e assustada, sem saber o que fazer.Ele a conduziu por escadas estreitas, descendo até um túnel de pedra úmida, onde o ar cheirava a terra e musgo. Cada passo ecoava nos ouvidos de Céline como o bater de um coração apavorado. Quando chegaram a uma porta oculta nos fundos do castelo, o homem a empurrou para fora, o sol já alto iluminando as árvores e os muros do pátio externo.Um carro preto os esperava, motor ligado e janelas escurecidas. O homem abriu a porta traseira e a empurrou para dentro sem uma palavra. Céline sentiu o cheiro de couro e fumaça quando a porta se fechou, abafando o som do castelo que ficava para trás.O homem entrou no carro ao lado dela, o olhar fixo e impassível. O motorista arrancou silenciosamente, gui
O sol banhava as cortinas com uma luz suave quando Auren abriu os olhos. Céline ainda dormia ao seu lado, o corpo aninhado no dele, e por um momento ele permitiu que o calor daquela cena preenchesse seu peito. Mas o dever o chamava — sempre chamava.Ele começou a se mover para sair da cama, mas Céline, sonolenta e sorrindo, ergueu a mão e o puxou de volta para junto dela.— Fica um pouco mais — murmurou, a voz macia, e o beijou.O toque dela, ainda que breve, reacendeu o desejo que nunca se apagava entre eles. Ele retribuiu o beijo, roçando os lábios nos dela com firmeza antes de se afastar, relutante.— Preciso começar o dia — disse, a voz rouca, ainda dominada pela intimidade do momento.Ela sorriu preguiçosamente, e em seus olhos havia um brilho de cumplicidade. Ele se ergueu da cama e foi até o banho. Céline não demorou a segui-lo, enrolada em um lençol que deixava os ombros expostos.Enquanto a água quente escorr
O silêncio matinal no castelo era quebrado apenas pelos passos de Auren enquanto ele descia os corredores em direção à ala reservada do harém. A luz suave que entrava pelas janelas não conseguia suavizar a rigidez em seus ombros ou o peso de sua responsabilidade. Os guardas à porta fizeram uma reverência quando ele se aproximou, e Auren retribuiu com um aceno contido antes de empurrar a porta e entrar.A ala era um mundo à parte dentro do castelo — um espaço amplo, com quartos coletivos e um jardim murado que oferecia um ar de liberdade controlada. As mulheres que pertenciam a ele viviam ali, cercadas por paredes altas e vigiadas de perto, mas também com o cuidado e o conforto que a posição exigia.Ele parou um instante para observar o ambiente. As flores do jardim balançavam suavemente ao vento, mas era o cheiro no ar que lhe falava mais do que qualquer paisagem: o perfume das fêmeas, o som dos batimentos de seus corações… e, acima de tudo, a energia pulsante das três que carregavam
Último capítulo