Mandy está descobrindo que sua vida não é exatamente o que achava que era. Descobrindo seu novo eu, tem que lidar com o soberano do norte para sobreviver e salvar as pessoas ao seu redor. Como nem tudo são flores, lidar com isso pode custar muitas coisas. Será que ela está disposta a tudo para unificar o mundo novamente?
Leer másA noite estava envolta em um silêncio estranho, quase inquietante. Nem mesmo o canto dos grilos se atrevia a romper a atmosfera densa que pairava sobre a floresta. A lua cheia, escondida por entre as nuvens escuras, mal iluminava a pequena cabana no coração do território da alcateia. Dentro, Selene gargalhava enquanto brincava com seu pai, saltando entre suas pernas enquanto ele a levantava no ar. Aqueles eram momentos preciosos, uma rotina que a fazia sentir-se segura e amada.
Um som cortante ecoou pelo ar, um ruivo longo e penetrante, o sinal de alerta de perigo, algo terrível estava prestes a acontecer. As brincadeiras cessaram no mesmo instante. Selene parou e olhou para o pai com uma expressão assustada.
— Papai, você ouviu isso? — perguntou, com a voz trêmula
Antes que ele pudesse responder, a porta da frente foi escancarada. A mãe de Selene entrou correndo, os olhos arregalados e o rosto pálido. Sua respiração estava ofegante, e seus lábios tremiam ao tentar falar
.— Precisamos sair daqui. Agora!
O pai da garota sabia que para Elara a mulher que ele casou a quase vinte anos, aparecer na porta, branca igual um fantasma, só podia significar uma coisa, o dia que tanto temiam chegou, sua filha estava em perigo. Eles nunca tiveram seguros, mas gostavam de imaginar que eram uma família normal, apesar de o normal daquele lado da fronteira significar outra coisa.
Sem pensar duas vezes ele coloca a garota miúda de cabelos escuros e olhos lilás assustados em suas costas.Juntos, eles saíram apressados pela porta dos fundos, mergulhando na escuridão da floresta. O vento cortante soprava entre as árvores, fazendo as folhas murmurarem como se a natureza pressentisse o que estava por vir.
O caminho feito em meio às trevas da noite, foi traçado assim que eles descobriram que teriam um bebê a caminho. Selene estaria segura por tempo suficiente para erguerem uma proteção sólida.Tudo que eles tinham que fazer era alcançar o rio que separava o território da alcateia do Reino dos Humanos, seus rastros seriam apagados, novos nomes, novos documentos, nova vida.
A lua aparece novamente no céu, sem o manto escuro das nuvens escondendo seu brilho, clareando o caminho árduo da família. Ao longe o silêncio se rompeu em gritos e uivos estridentes, chamas começavam a se crepitar ao oeste.
O cheiro de fumaça alcança o trio fugitivo, uma nuvem densa e pungente que se mistura ao ferro metálico do sangue no ar. O aroma opressivo é um sinal claro da batalha sangrenta que seus companheiros enfrentam nas proximidades. Claro, parece covardia fugir enquanto seus amigos, familiares e desconhecidos estão lutando, mas o sacrifício vai valer a pena desde que a Selene fique salva.
A mãe desviava o olhar da garota que se agarrava ao pescoço do pai, suas pequenas mãos trêmulas envolviam-no com desespero. A expressão da criança misturava pavor e confusão, Elara tentava reprimir a dor em seu peito que lentamente a sufocava.
— Carl? — Elara chamou pelo marido, angustiada, enquanto olhava para todos os lados em busca de algo. O suor escorria de sua pele dourada, misturando-se com o pânico em seus olhos.
— Eles estão por perto — murmurou Carl, tentando rastrear o cheiro de seus perseguidores.
A mulher estacou, seu corpo exalava medo. O ar pareceu escapar de seus pulmões enquanto ela se posicionava à frente de Carl, suas pernas trêmulas quase incapazes de sustentá-la.
Subitamente, uma figura emergiu das sombras com uma sutileza quase imperceptível. Agora, ele bloqueia a trilha, sua presença irradiando uma maldade pura e palpável. Seus olhos frios brilhavam no meio do breu, como os de um predador à espreita, e no fundo, era exatamente isso que ele era — um caçador em busca de sangue fresco.
—Você? — balbuciou ela, incrédula. O homem sorriu de forma sinistra, os dentes brancos à mostra em um rosnado de escárnio.
— Fico feliz que não tenha me esquecido, docinho — respondeu ele, com uma voz rouca e irônica. — Como foram os últimos dias na fronteira, Carl? Fiquei sabendo que teve alguns problemas?
Ele cuspiu no chão com desdém, enquanto girava a adaga com o cabo revestido em couro com uma destreza entre os dedos.
As peças começaram a se encaixar, Carl entendeu que os ataques inesperados há dias, já tinha sido orquestrado para uma batalha maior. Ele sofreu graves danos ao interceptar alguns invasores, ficou em um estado deplorável, fraco e impossibilitado de transmutar. Uma emboscada muito bem planejada que poderia causar sua morte agora.
O pai de Selene seria um alvo fácil, não apenas por sua altura impressionante de quase dois metros e seu corpo extremamente largo, mas também porque seus inimigos sabiam exatamente seus pontos fracos naquele momento . Ele ainda andava com dificuldade, seus movimentos eram pesados e sentia dor em cada osso de seu corpo. Embora o sangue dos lobos carregue o poder de regeneração, isso nem sempre funciona, especialmente contra armas forjadas com químicos da prata.
— O que você quer Adam?
— Desça a criança das suas costas para que possamos conversar como adultos — a voz de Adam saiu friamente.
Selene chorava em desespero, seu pavor cresceu ainda mais quando seu pai a colocou no chão. A garota não entendeu o que estava acontecendo, muito menos quem era aquele homem que provocava tanto medo em seus pais. Ela não os culpava, pois sentia o mesmo terror. Incapaz de encarar a figura ameaçante à sua frente, passou a acreditar que, de alguma maneira, se o fitasse, ele drenaria sua alma.
Mais figuras surgiram por entre as árvores, cercando-os por todos os lados. As silhuetas dos inimigos se moviam como sombras, rápidas e silenciosas, suas intenções claras nos olhares gélidos que lançavam.
Elara, com as mãos trêmulas, puxou um colar delicado que sempre carregava em seu pescoço, os dedos mal conseguindo desfazer o fecho. Ela o colocou rapidamente na palma de Selene, fechando na pequena mão da filha ao redor do objeto.
— Selene, ouça! Você precisa correr até o rio, você sabe o caminho. — A voz de Elara era firme — Não olhe para trás! Não importa o que você escute, não pare de correr!
Ela fez uma pausa, respirando fundo, tentando controlar o medo que ameaçava dominar. Seus olhos estavam cheios de lágrimas, mas ela não podia desmoronar.
— Estou com medo — Choraminga a garotinha com um suspiro desesperado
Elara se ajoelhou, segurando as pequenas mãos da filha entre as suas — Eu sei, minha pequena , disse ela, com a voz sussurrada. — Mas preciso que você seja forte, ok? Por mim... pelo seu pai.
Selene olhou em direção ao pai que ainda tentava de alguma forma sair de tudo aquilo com vida, ela assentiu, mesmo com o pavor apertando seu peito e ansia de vomito parando em sua garganta. Ela deu um último olhar para os pais antes de se virar e começar a correr pela trilha escura, sentindo o frio gelado das folhas e arbustos sob seus pés descalços.
— Eu quero a garota— Adam exige entre os dentes para alguém ao seu lado — Traga-a para mim viva.
Carl e Elara se posicionaram à sua frente, bloqueando a passagem. Alguns minutos era tudo que precisavam, e estavam dispostos a arriscarem a própria vida por isso.
Selene corria, o som de gritos e corpos caindo atrás de si a alcançava. O coração batia descontrolado, mas ela não se atreveu a olhar para trás, conforme prometeu a mãe. Corria como nunca na vida, de fato algo impressionante para uma criança tão pequena. A floresta conspirava contra ela, os galhos agarravam suas pernas, seus pés latejavam de dor contra o solo duro com alguns pedregulhos. O peito ardia com o esforço, ela sabia que o rio estava logo à frente.
O pai brincava de pega pega com ela pelo percurso quase todos dias, o pai a treinava em meio às brincadeira como um plano B.
Seus pés traiçoeiros tropeçaram em algo duro, fazendo-a cair e bater a cabeça no chão. A dor foi imediata, sua visão turvou e o mundo ao seu redor parecia girar descontroladamente. Ela mal conseguia se mover. O barulho dos passos se aproximava, precisava levantar e ir ao rio conforme mamãe a pediu, dando o último impulso para sua determinação. Com uma explosão final de coragem, ela conseguiu se pôr de pé e correu, mesmo com a cabeça girando e as pernas ameaçando fracassar. O reflexo da lua brilhava sobre a água turva pela escuridão, sem pensar duas vezes, ela pulou para dentro do rio.
A correnteza a arrastava com força, engolindo seu grito.
— Porra, nós a perdemos! — foi a última coisa que alcançou seus ouvidos. A floresta mergulhou em um silêncio inquietante enquanto Selena era levada pela água gelada, sua consciência se desfazendo aos poucos. No meio da escuridão, o colar em suas mão brilhava fracamente, a única lembrança do que havia deixado para trás. O rio a levou para longe e ela se entregou ao vazio de sua mente.
O silêncio ao redor da fogueira é quebrado apenas pelo estalar suave da lenha queimando. A avó cochila com a cabeça encostada no manto, e Kain vigia próximo, sentado sobre uma raiz grossa, olhos atentos à escuridão.Eu fecho os olhos por um momento, mas algo... algo me chama.É uma sensação estranha, como um sussurro sem som, uma pressão leve na nuca e um arrepio que não vem do frio. Ergo a cabeça devagar. A floresta respira ao meu redor, mas agora, o ar parece diferente. Mais denso. Quase sagrado.Levanto-me sem pensar. Meus pés se movem sozinhos. A trilha diante de mim se desenha por entre as árvores como um corredor esculpido à mão. A cada passo, a vegetação se afasta suavemente, como se me reconhecesse.— Selene? — ouço Kain chamar atrás de mim, mas sua voz soa distante, abafada. Como se estivesse em outro plano.“Filha do lobo e da lua...”A voz não é exatamente uma voz. É mais antiga do que qualquer linguagem, feita de vento, raízes e memória. Vibra dentro de mim como um eco esq
— Nós não vamos.— Nós vamos.Kain e eu falamos ao mesmo tempo.— Não vamos, Selene. É perigoso demais. E se o que ela disse for verdade, ainda tem a barreira de proteção para atravessar.— Vamos mesmo assim — respondo, firme. — Ficar aqui não vai resolver nada.Kain me lança um olhar carregado de raiva.. Cruza os braços e se encosta com força no tronco de uma árvore.— Nós não vamos, ponto final.Dou um passo à frente, sentindo a fúria subir pela garganta. Cruzo os braços também, imitando sua postura, e não desvio o olhar nem por um segundo.— Você é meu parceiro, não meu dono. E se quiser ficar aqui, fazendo birra feito uma criança teimosa, por mim tudo bem.Kain avança dois passos, o maxilar travado, o semblante tão fechado como um dia chuvoso.Irresistivelmente perigoso. É absurdo, mas essa expressão de fúria o deixa ainda mais bonito. Ele está tão perto agora que preciso me concentrar para não vacilar. Minhas pernas ameaçam ceder — não de medo, mas de... algo que prefiro não nomear
Estamos longe, muito longe de Cerne.A estrada ficou para trás há dias, junto com o sangue, os gritos e a certeza de que mesmo se quisermos não poderemos voltar.E todas as coisas que achei que Adam sabia sobre mim foram equivocadas. Depois que acordei, minha avó explicou exatamente o que aconteceu. Ele estava furioso pela minha insistência em rejeitá-lo, mas nervoso ainda ao perceber que Kain e eu estávamos destinados.Os hematomas em seu rosto foram causados por ele, claro, pois ela também interpretou as coisas de outra forma e acabou por desafiar o alfa, mesmo sabendo que poderia não ter chances, para me proteger. Mas ao perceber que se tratava apenas do orgulho e uma fascinação ridícula que ele começou a nutrir por mim, percebeu seu erro. Tarde demais, por sinal.No entanto, após minha espetacular demonstração de poder exagerada, não tenho muitas dúvidas de que ele agora saiba que eu sou, em minha defesa, ele realmente estava disposto a matar Kain. Por isso, não me arrependo de n
Não estávamos indo apenas visitar minha avó. Eu soube disso no instante em que Kain preparou uma bolsa com roupas para nós dois e outra com carne seca, queijos, água e frutas.O castelo estava mais vazio que o normal. O rei, como sempre, estava grudado em Adam — bajulando o alfa como um cão atrás de ossos. A maioria dos servos também havia sido deslocada para servir ao hóspede ilustre.Durante o trajeto, Kain pouco falou. Passou o tempo olhando pela janela da carruagem, os olhos perdidos na paisagem. Assim que paramos, ele praticamente saltou do veículo antes mesmo que a porta abrisse completamente.Minha avó estava em casa. Mas não estava sozinha.O rei de Cerne, o alfa do Norte — Adam — e pelo menos cinco soldados estavam dentro da pequena cabana de madeira. Reconheci dois deles imediatamente: Luiz e Edmundo.— Que bom que você chegou, Mandy — disse Adam um tanto raivoso.— Me poupou do esforço de procurá-la.Ele se aproximou , e passou um braço pelo meu ombro. É muito mais alto que
Acordo em uma cama macia ao lado do meu parceiro. Como cheguei aqui? Minha cabeça lateja, minha esta amarga, corro para o banheiro para vomitar, Acordo numa cama absurdamente macia, o corpo mergulhado em calor. A presença de Kain ao meu lado é um alívio confuso. Minha cabeça pulsa como se alguém martelasse o interior do meu crânio, e um gosto amargo me sobe pela garganta. Corro para o banheiro e mal tenho tempo de me ajoelhar antes que o estômago se esvazie.Kain aparece logo depois, afastando meus cabelos com delicadeza. Tento lembrar da noite anterior, mas tudo é uma névoa turva. Como fui parar ali? Champanhe nunca foi minha escolha, então por que bebi?— Se sente melhor? — Tem algo que eu deva lembrar?Ele hesita, depois suspira com uma expressão carregada de ironia.— Nada demais… só que você jogou bebida na cara do Adam, ele tentou te beijar, você o mordeu até sair sangue… agora virou o assunto da semana.— Eu fiz isso?Enterro o rosto nas mãos.— Nunca mais bebo. Juro.Kain
O castelo está uma loucura. Não que tivéssemos escolha — foi uma exigência para todas as meninas com idade adequada para Adam comparecer.Não vou ser hipócrita. Mesmo que não fosse obrigatório, eu estaria aqui. Quem em sã consciência recusaria comida de graça?As mesas estão repletas de delícias — doces finos, champanhes, vinhos. É como um sonho.Assim como eu, a maioria das garotas do complexo Casteli veste roupas simples. Com muito esforço, algumas conseguiram tomar pelo menos um banho antes de vir.O que realmente me choca são as meninas dos outros complexos com vestidos de seda esvoaçantes, cabelos perfeitamente penteados, lábios tingidos com tons que nunca vi de perto. Os desvios fizeram milagres nelas.Me esbaldo com um pedaço de bolo de chocolate. É, sem dúvida, a melhor coisa que já comi. A explosão de sabor me faz salivar.— Olha por onde anda! — grita uma garota esbarrando em mim.Um pouco do bolo escorre do garfo e atinge o vestido branco da menina que me encara com olhos
Último capítulo