O dia amanheceu com um clima mais ameno, e Céline notou que as criadas pareciam menos apressadas, como se soubessem que hoje não haveria nenhum ritual ou espetáculo para satisfazer Auren. Era um dia que o castelo usava para… “cuidar” das mulheres, como chamavam.
Logo após o desjejum, as mulheres foram chamadas para o salão de exames. Céline seguiu em silêncio, sentindo o nervosismo e a curiosidade latejarem sob sua pele. O salão ficava numa ala menos opulenta do castelo, um corredor de portas brancas e um aroma estéril que lembrava um hospital. Duas enfermeiras vestidas de branco as aguardavam, com pranchetas e olhares atentos. — Uma por uma — disse uma das enfermeiras, a voz fria, sem emoção. — Vocês sabem como funciona. Uma a uma, as mulheres entravam numa das salas. Céline esperou, escutando o som de passos, o ranger suave das portas. Quando chegou sua vez, a enfermeira apenas a guiou para dentro sem dizer nada. Havia uma cama estreita, um lençol branco impecável e uma bandeja de instrumentos que fizeram seu estômago revirar. A enfermeira a mandou deitar e começou a examiná-la. Era metódica, quase mecânica. Céline sentia o toque frio dos instrumentos na pele, a sensação invasiva que a fazia querer se encolher. — Seu ciclo ainda está regular? — perguntou a enfermeira, sem tirar os olhos da prancheta. — Sim — respondeu Céline, a voz baixa, quase um sussurro. — Ótimo — disse a mulher, rabiscando algo antes de se afastar. — Está tudo em ordem. Você pode se vestir. O exame durou menos do que Céline imaginava, mas a deixou com uma sensação de sujeira, como se tivesse sido vasculhada por dentro. Ao sair, encontrou algumas das outras mulheres sentadas em bancos ao longo do corredor, algumas conversando em sussurros. — Eles sempre fazem esses exames, todos os meses — comentou uma ruiva magra, com um sorriso nervoso nos lábios. — Para ver se estamos prontas. — Ou para ver quem já carrega um filho dele — respondeu outra, acariciando a barriga onde um leve inchaço denunciava sua gravidez. Céline desviou o olhar, mas não conseguiu evitar encarar por mais tempo do que gostaria. Havia pelo menos três mulheres visivelmente grávidas ali, seus rostos serenos, quase felizes, como se aquilo fosse o destino que haviam aceitado. Os olhares delas variavam: algumas trocavam palavras calmas, outras apenas acariciavam as próprias barrigas, orgulhosas. — Ele gosta de ver o progresso de cada uma — murmurou uma morena de olhos escuros, que tinha um ar de resignação. — Ele quer ter certeza de que o sangue dele corre forte nessas crianças. Céline não respondeu. Sentou-se num dos bancos e ficou observando. As mulheres grávidas conversavam em voz baixa, rindo de algo que Céline não entendeu. Era um riso que soava quase… confortável, como se houvesse ali um senso de irmandade. — Às vezes eu acho que ele as trata melhor — disse a loira sentada ao lado de Céline. — As grávidas têm um lugar especial. São mimadas, têm privilégios. Até comida melhor. — Mas e depois? — perguntou Céline, sem conseguir conter a pergunta. — O que acontece quando as crianças nascem? A loira encolheu os ombros. — Ninguém sabe ao certo. Algumas dizem que as crianças são levadas para longe. Outras dizem que ficam aqui, mas são educadas longe das mães. Auren quer filhos fortes, não mulheres fracas demais para segurá-los. As palavras pairaram no ar como poeira. Céline sentiu um arrepio, como se cada frase fosse um passo mais fundo em algo sombrio. Auren não parecia apenas um homem poderoso — parecia um rei que via cada mulher ali como uma peça de sua dinastia. Depois dos exames, as mulheres foram levadas para o jardim interno, um espaço amplo onde o sol tocava as flores com delicadeza. Era um dos poucos lugares no castelo que parecia vivo, com roseiras coloridas e bancos de pedra cercados por samambaias. — É o nosso momento de descanso — disse a ruiva, suspirando ao sentar num dos bancos. — Um dia para sermos… mulheres, não apenas objetos. Céline andou pelo jardim, o ar fresco e o perfume das flores acalmando seus sentidos. As mulheres conversavam, trocavam histórias, algumas falavam dos filhos que já tinham carregado para Auren — um ciclo que parecia não ter fim. — Eu tenho medo — confessou uma loira de pele alva, deitada de lado na grama. — Não do que ele faz… mas do que sinto quando ele me escolhe. — Eu sei — murmurou a morena grávida ao lado dela. — Ele desperta algo em nós. Algo que a gente não quer admitir. As palavras eram ditas num sussurro, mas Céline ouviu cada uma delas. Ela mesma sentia um misto de repulsa e curiosidade que a consumia. Era como se aquele lugar tivesse sua própria lógica, e ela estivesse apenas começando a entender as regras. Mais adiante, duas mulheres riam enquanto penteavam os cabelos uma da outra. Pareciam tão normais, tão humanas — mas Céline sabia que cada uma delas carregava cicatrizes invisíveis. E todas estavam presas ali, como flores num jardim fechado. Quando Auren surgiu à entrada do jardim, todas as conversas cessaram. Ele usava roupas casuais, mas o ar de autoridade não o abandonava nunca. Seu olhar varreu o grupo, pousando por um momento em Céline antes de se desviar. — Continuem — disse ele apenas, a voz tranquila. — Hoje é o dia de vocês. Desfrutem. E assim, como se um feitiço tivesse sido lançado, as conversas recomeçaram. Mas agora havia algo diferente no ar: um calor que Céline sabia que vinha dele. Um lembrete de que, mesmo nos momentos de descanso, Auren era o centro de tudo. Ela sentou num banco de pedra, observando-o caminhar lentamente pelo jardim. Ele parecia quase… gentil naquele momento. Como se quisesse observar as mulheres não como conquistas, mas como seu legado vivo. Mas Céline não se deixou enganar. Cada palavra dele, cada olhar, era apenas uma máscara. E, mesmo que ele parecesse benigno por um instante, ela sabia que tudo ali ainda escondia algo muito mais escuro e perigoso.