Céline acordou ao som de passos suaves no corredor. A luz do amanhecer filtrava-se pelas cortinas pesadas de veludo, projetando sombras sobre as paredes de pedra. Sentou-se devagar, sentindo a cabeça latejar, como se o quarto girasse ao seu redor. A noite anterior parecia um borrão — o toque de Auren, o fogo em seus olhos, a força que ele exalava sem esforço algum. Ainda podia sentir o cheiro dele na pele.
Ela olhou ao redor, procurando uma saída. O quarto era espaçoso e luxuoso, mas as janelas estavam trancadas por dentro e por fora, e a única porta era robusta, feita de madeira escura. Cada detalhe parecia gritar que aquele não era um lugar onde se entrava ou saía facilmente. Ela levantou-se, indo até a porta e testando a maçaneta. Nada. Empurrou com força, mas a porta sequer cedeu. Um suspiro frustrado escapou de seus lábios. Ela não estava acostumada a se sentir impotente. Desde que se lembrava, sempre lutou por sua liberdade, sempre se recusou a ser moldada ou usada. Mas ali, com Auren e o peso de seus domínios, era como se suas convicções estivessem sendo colocadas à prova. A porta se abriu sem aviso, fazendo-a recuar alguns passos. Uma mulher entrou, trazendo uma bandeja de madeira com pratos fumegantes — mingau de aveia, frutas frescas, pão macio e uma pequena jarra de leite. Era comida simples, mas deliciosa. O estômago de Céline roncou ao sentir o cheiro. — O Alfa deseja que você esteja bem alimentada — disse a mulher com voz calma, depositando a bandeja sobre uma mesinha. Seu tom era neutro, sem emoção. — Ele cuida de todas as mulheres aqui. Recomendo que coma. — E se eu não quiser? — Céline ergueu o queixo, desafiadora. A mulher a fitou por um instante. Seus olhos escuros pareciam compreender o que Céline sentia. — Então só tornará as coisas mais difíceis para você — respondeu. — Ele espera obediência, mas também aprecia quem tem espírito. Cuidado para não confundir os dois. Sem esperar resposta, ela se virou e saiu do quarto, deixando Céline sozinha. Ela sentou-se na beirada da cama, respirando fundo. O cheiro de pão fresco e frutas a fez perceber o quanto estava faminta. Começou a comer devagar, mas cada mordida parecia devolver-lhe um pouco da força que sentia ter perdido. Depois de terminar, lavou o rosto numa bacia com água morna deixada ali. Observou o próprio reflexo num espelho pequeno, notando a expressão dura em seus olhos. “Você não vai quebrar”, disse a si mesma em silêncio. “Não importa o que ele faça.” No final da manhã, outra mulher chegou para levá-la. Era alta, de cabelos escuros e vestida com um traje simples. Fez sinal para que Céline a seguisse. Saíram do quarto e entraram num longo corredor de pedra, iluminado por tochas que crepitavam suavemente. O castelo era silencioso, mas em cada canto Céline sentia que estava sendo observada. Era como se as paredes tivessem olhos. Chegaram a uma grande sala circular, com um lustre de ferro no teto e janelas altas que deixavam entrar a luz dourada do meio-dia. Almofadas coloridas cobriam o chão, e várias mulheres estavam reunidas ali, sentadas ou deitadas. Cada uma parecia ter um jeito diferente de lidar com a situação — algumas estavam tensas, outras pareciam resignadas. Céline notou que muitas delas eram jovens, de diferentes lugares e etnias. Era um harém, ela percebeu com um arrepio. Um harém onde todas estavam à mercê de um único homem. No centro da sala, Auren. Ele usava roupas pretas simples, mas o tecido nobre e o corte perfeito ressaltavam seu físico poderoso. Seus cabelos castanho-escuros estavam presos num coque baixo, e sua barba bem feita lhe dava um ar selvagem e elegante ao mesmo tempo. Ele falava com uma das mulheres, uma jovem de cabelos cor de fogo. Seus dedos acariciavam-lhe o rosto com uma intimidade possessiva, e ela tremia sob seu toque. Céline sentiu o estômago revirar. Auren ergueu os olhos e a viu. Um leve sorriso surgiu em seus lábios enquanto se aproximava. — Céline — disse ele, a voz baixa e grave. — Como passou a noite? Ela o encarou, desafiadora. — Como uma prisioneira. Ele riu, um som rouco que ecoou pelo salão. — Você prefere pensar assim. Mas eu diria que é uma convidada... especial. — Eu não pedi para ser convidada. — Poucas pedem — replicou ele, e seus olhos escuros a envolveram. — Mas todas aprendem o valor de estar aqui. Ele a rodeou como um predador, os passos lentos, estudando cada detalhe dela. Céline ficou imóvel, tentando manter a respiração calma. — Hoje — disse ele, alto o suficiente para que todas ouvissem — vou escolher uma de vocês para compartilhar meu leito. Um silêncio pesado caiu sobre a sala. As mulheres pareciam congelar, algumas com medo nos olhos, outras com uma chama de esperança. — Por que nos expor assim? — Céline perguntou, a voz firme. — Por que essa… exibição? Auren parou diante dela, e seus lábios se curvaram num sorriso frio. — Porque quero que todas saibam o que significa estar aqui. Quero que todas compreendam que a vida neste lugar é feita de escolhas — as minhas escolhas. Ele então virou-se para a mulher de cabelos vermelhos. — Venha — ordenou. Ela obedeceu, caminhando até ele com passos hesitantes. Auren a segurou pela cintura e a puxou para perto. Seus lábios tocaram o pescoço dela com uma lentidão deliberada. A mulher gemeu baixinho, e Céline sentiu um calafrio percorrer-lhe a espinha. Auren olhou de relance para Céline, seus olhos escuros provocando-a. Era um jogo — um jogo cruel para testar suas reações. Ele começou a despir a mulher ali mesmo, peça por peça, expondo-a ao olhar de todas. Céline tentou desviar o olhar, mas algo nela se recusava a se afastar. Era como se não conseguisse parar de ver o poder bruto que Auren exercia sobre aquela mulher — e, de certa forma, sobre todas elas. Auren a tomou ali, diante de todos. O som dos corpos se chocando, os gemidos abafados, o cheiro de suor e desejo. Foi rápido e intenso, um lembrete brutal de quem era o Alfa naquele lugar. Quando terminou, Auren se afastou, segurando o rosto da mulher com delicadeza quase contraditória. — Você serviu bem — disse ele, antes de dispensá-la com um aceno de cabeça. Céline sentia o coração bater descompassado. Sua garganta estava seca, e suas mãos tremiam levemente. Mas manteve o queixo erguido, não permitindo que ele visse o efeito que aquilo teve sobre ela. Auren caminhou até onde ela estava, e seus dedos roçaram o braço dela. — Isto foi apenas um aviso, Céline — murmurou. — Para que entenda onde está. E o que espero de cada uma de vocês. Ela respirou fundo, encarando-o. — Não sou como as outras. — Eu sei — respondeu ele, a voz baixa e quase gentil. — É por isso que me intriga tanto. Ele se afastou, deixando-a ali com o coração acelerado e a mente fervilhando. Céline sabia que precisava encontrar uma forma de escapar daquele lugar — mas, ao mesmo tempo, sentia que algo nela estava começando a mudar. Auren a assustava e a atraía ao mesmo tempo, uma força irresistível que ela não podia — ou não queria — entender. Naquela noite, deitada na cama macia, o toque de Auren ainda queimava em sua pele. E, pela primeira vez, Céline sentiu medo não apenas dele, mas de si mesma — do que poderia acontecer se começasse a desejar aquele homem que ela jurara odiar.