Ela só queria esquecer o passado. Ele só queria fugir do futuro. Mas a maré trouxe mais do que lembranças. Elize trabalha num café charmoso na Baía das Abelhas e estuda Direito para deixar os fantasmas da juventude para trás — incluindo um filho criado em segredo e um amor de verão que virou cicatriz. Henrique Villamar cresceu à sombra de um pai influente no meio jurídico. Seu caminho foi traçado antes mesmo de nascer. Namora a mulher perfeita aos olhos da sociedade — mas não aos olhos do próprio pai. E seus sonhos vivem presos entre o mar e a dúvida. Quando os dois se reencontram, o passado explode como uma tempestade. O que acontecerá quando ele descobrir que tem um filho? E pior: quando o pai dele fizer de tudo para separá-los? Entre mentiras, julgamentos e marés, o amor pode ser a sentença mais perigosa.
Ler maisA Baía das Abelhas dormia.
Era sempre assim de madrugada — um silêncio tão profundo que até o som das ondas parecia pedir permissão antes de tocar a costa. Sentada diante da pequena escrivaninha encostada na parede, Elize mal percebia o tempo passar. Vários recortes de jornais e revistas sobre casos famosos da justiça se amontoavam numa lousa de cortiça à sua frente. Rabiscava anotações apressadas, os olhos cansados tentando absorver cada parágrafo de direito penal, até que o ponteiro do relógio sussurrou um alerta: passava das duas da manhã. Ela suspirou, empurrou a cadeira para trás e caminhou até a janela ainda aberta, por onde o vento frio da madrugada entrava carregado do cheiro salgado do mar. Por um instante, observou as luzes distantes refletidas na baía e o silêncio que só a noite conhece. Elize apoiou os cotovelos no parapeito gasto, o olhar perdido no cenário abaixo. Do alto do pequeno sobrado na encosta da Baía, conseguia ver toda a curva da marina abraçada pelas colinas brancas, onde as casinhas empilhadas pareciam blocos de cal, iluminadas apenas pela luz da lua cheia. As ruelas cortavam os morros, estreitas demais para carros — mas perfeitas para sua pequena scooter vermelha, estacionada no beco ao lado do prédio. Ela adorava aquele contraste: o caos durante o dia, com turistas se espremendo entre lojinhas e cafés; e a paz absoluta da madrugada, como se o mundo ali respirasse em câmera lenta. — Está tarde — sussurrou para si mesma. — Se fosse há alguns anos… eu estaria lá embaixo. No meio daqueles barcos, esperando o momento certo para... — seus lábios se fecharam, como se trancassem um segredo. — Esquece isso, Elize. O passado não importa mais. Não interessa pra ninguém… e muito menos pra você. Fechou a janela com cuidado para não fazer barulho, virou-se devagar e caminhou pelo quarto quase às escuras. O chão de madeira rangia sob seus pés descalços, e o piso gelado fez ela correr pra se deitar. Livros e cadernos cobriam a cama — um mar de rabiscos, marca-textos e páginas dobradas. Ela queria ser melhor, mas a faculdade de Direito lhe consumia tudo: tempo, energia e até os pensamentos livres. Ainda assim, continuava — dia após dia — como quem tem algo a provar. Talvez para si mesma. Elize sentou na beirada da cama e empurrou os livros com a mão, criando espaço suficiente apenas para o corpo. Deitou de costas com um suspiro, puxando o lençol amarrotado. Assim que encostou a cabeça no travesseiro, esticou o braço e apagou o abajur — a luz quente desapareceu, mergulhando o quarto numa sombra suave, iluminada apenas por um fiapo de luar que escapava pelas frestas da janela. No escuro, tirou o relógio do pulso com delicadeza, os dedos tocando com familiaridade o fecho. Era quase automático esconder aquela marca, mesmo quando ninguém podia vê-la. Sua cicatriz no pulso ficou livre por um instante, mas o gesto logo foi esquecido enquanto se ajeitava entre os livros. Permaneceu com o olhar fixo no teto por alguns segundos. Sentiu os olhos pesados enquanto pensava nas provas do dia seguinte. Lembrou-se que em poucas horas estaria de pé para trabalhar. E assim, num silêncio embalado pelas ondas da Baía, Elize finalmente adormeceu.Elize acordou no bangalô em Maldivas e, ao abrir os olhos, se deparou com o mar brilhante e azul pela janela. Virou-se para o lado, mas a cama estava vazia. Com um suspiro, levantou-se com cuidado e caminhou até a varanda, encontrando Henrique sentado numa espreguiçadeira, o notebook aberto no colo. — O combinado era não trazer trabalho para as férias, senhor promotor de justiça — disse ela, cruzando os braços, meio brincando, meio séria. Ele resmungou qualquer coisa, mas antes que pudessem continuar, um grito animado ecoou do quarto: — Mãããe! Vamos andar de bicicleta! Quero ir até o final dos bangalôs! — Meu amor — respondeu ela, sorrindo, colocando a mão na barriga — olha o tamanho da mamãe! Não tenho essa coragem não. Leva seu pai junto, assim ele esquece um pouco do trabalho. Henrique fechou o notebook, levantou-se e veio até ela, passando a mão na barriga de Elize e dando um beijo suave na testa antes de sair com Gael: — Vê se cuida direitinho da Zoe, que a gente já volta.
A festa seguia animada, risadas e música preenchendo cada canto do café, agora transformado em um verdadeiro salão de celebração. Os convidados brindavam, dançavam, conversavam entre si, e Henrique e Elize eram o centro de todas as atenções. Cada sorriso dirigido a eles parecia refletir o amor e a felicidade que o casal irradiava, e por alguns momentos, tudo parecia perfeito, sem sombra do passado. Quando a noite começou a cair, a luz suave das lâmpadas penduradas no terraço transformou o ambiente em algo mágico. Entre um brinde e outro, Elize sussurrou para Henrique: — Vamos lá fora, quero jogar o buquê. Ele sorriu, pegando sua mão, e juntos se dirigiram para o lado de fora do café. O ar fresco da noite da Baía das Abelhas trouxe um silêncio momentâneo, quebrado apenas pelo riso das amigas na rua que se preparavam para disputar o buquê. Foi então que ela o viu. Vicentini. Parado ao lado do café, como se surgisse do nada, a postura rígida e o olhar fixo nela. Um arrepi
Elize olhou para Henrique com os olhos marejados, tentando manter a voz firme apesar da onda de lembranças que a invadia. Quando abriu a boca, cada palavra carregava o peso da dor que haviam superado e a leveza do amor que agora florescia entre eles. — Henrique, desde o primeiro momento em que nossas vidas se cruzaram, eu soube que você seria alguém impossível de esquecer. Por mais que o tempo, o silêncio e a distância tentassem me convencer do contrário, o meu coração encontrou um jeito de voltar até você. Ela respirou fundo, permitindo que a emoção transbordasse. — Eu poderia falar das noites em que pensei que tinha perdido tudo, da força que precisei ter para seguir em frente sem você. Mas hoje eu não quero falar da dor. Hoje eu quero falar da esperança que renasceu quando nossos caminhos se reencontraram, da surpresa de descobrir que o destino me devolveu não só você, mas também a chance de ver a nossa família completa com o Gael. O olhar de Elize se prendeu ao dele, firme
O coração de Elize batia tão alto que ela quase podia ouvir, mas, ao erguer o olhar, encontrou Henrique. E então tudo se aquietou dentro dela. Henrique sentiu o peito arder ao vê-la avançar. O sol, refletido na baía atrás do pergolado, parecia ter escolhido iluminar apenas o caminho dela. Quando os olhos dos dois se encontraram, nada mais parecia importar. Nem o burburinho emocionado dos convidados, nem o perfume das flores que decoravam o altar. Era como se aquele instante fosse só deles, suspenso no tempo. Henrique deu um passo à frente, estendendo a mão. Elize a segurou, e ambos respiraram fundo, como quem finalmente chegava em casa. Madalena pigarreou, a voz embargada, mas firme: — Queridos amigos e familiares, estamos aqui reunidos diante de Deus e desta vista que testemunhou tantas histórias… para celebrar o amor que vence o tempo, a distância e até mesmo a dor. Henrique apertou de leve a mão de Elize. Ela sorriu, com os olhos marejados. Madalena deu uma pausa n
O sol começava a se pôr sobre a Baía das Abelhas, tingindo o céu de tons de laranja, rosa e dourado. O terraço do café estava transformado: um pergolado delicadamente decorado com tecidos esvoaçantes e flores brancas e rosadas criava uma moldura perfeita para a vista da marina. O aroma sutil das flores se misturava com o cheiro do mar, trazendo uma sensação de calma e expectativa no ar. As cadeiras estavam alinhadas, os convidados começaram a se acomodar, e um burburinho de excitação tomava conta do ambiente. Glória se acomodou nas cadeiras do terraço, ajeitando discretamente a bolsa sobre o colo. Ao lado, um dos convidados próximos olhou para ela com curiosidade, e ela não perdeu a oportunidade de puxar conversa. — Ah, você viu como a decoração está linda? — comentou, com um sorriso satisfeito. — E tudo graças ao meu conselho: nada de rosas vermelhas desta vez. Acho que finalmente me ouviram. O convidado riu, balançando a cabeça, enquanto Glória observava atentamente o
Terça-feira começou com o escritório mais agitado do que o normal, mas nada podia preparar Henrique ou Elize para a visita inesperada. Augusto atravessou a recepção com passos firmes, a expressão rígida, e perguntou com voz cortante: — Henrique está na própria sala? Glória, sempre a primeira a captar qualquer nuance, levantou os olhos de seus papéis e respondeu: — Está sim. Bom dia, doutor Augusto. Augusto não se abalou, avançando pelo corredor. Assim que empurrou a porta da sala, o ambiente mudou instantaneamente. Elize e Henrique estavam rindo, imersos em uma conversa animada sobre um caso complicado, e o contraste com a presença severa do patriarca era imediato. O riso morreu, e o silêncio se tornou pesado, quase sufocante. — Posso ajudar, pai? — Henrique se recostou devagar na cadeira, mantendo a postura firme, mas a voz tranquila. — Henrique, eu não permito que você se case com essa mulher — Augusto disparou, cada palavra carregada de desprezo. Elize olhou para Henriq
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