O sino sobre a porta tilintou.
Elize não se virou. Não conseguia. As mãos ainda apoiadas no balcão, os joelhos fracos, os olhos perdidos em algum ponto da parede à frente. O coração parecia preso na garganta, pulsando forte demais, descompassado. Beatriz o havia chamado de Rick. Rick. Um nome que ela não ouvia há sete anos. Um nome que, até aquele momento, ela quase conseguiu acreditar que havia inventado. O som dos passos desapareceu com o mesmo silêncio daquele dia. Como um fantasma atravessando sua rotina sem pedir licença. Elize sentiu o corpo ceder. Sentou no chão sem dizer nada, sem conseguir disfarçar o abalo. As palmas das mãos suavam, o estômago revirado. Madá se aproximou, devagar, cuidadosa. — Amiga, respira — disse, com a voz baixa, firme, mas cheia de carinho. E foi então que a lembrança voltou — invadindo como a maré. … O mar sussurrava ao redor do barco, embalando o corpo de Elize com uma paz que ela nunca tinha sentido. A noite estava fresca, e havia uma brisa leve, salgada, que fazia os cabelos dela dançarem. Henrique a segurava com cuidado. Os olhos nos dela. A respiração ainda acelerada depois do que haviam acabado de experimentar. Ela tinha quinze. Ele, dezessete. Mas os dois pareciam ter o mundo inteiro nas mãos. — Eu nunca... — ela começou a dizer, mas ele a interrompeu com um beijo. Depois, com um sorriso terno, a pegou no colo e a acomodou sobre um painel de controle do pequeno guindaste acoplado ao píer. Nenhum dos dois percebeu o perigo. O peso do corpo dela acionou botões que, até então, estavam travados. As correntes que seguravam uma caixa suspensa se soltaram, lançando o conteúdo sobre um dos barcos atracados — e parte dele no mar. Vidros estouraram. Um baque surdo. E então, vozes. — Droga… — Henrique sussurrou, se virando de uma vez. — O que foi isso? Elize nem teve tempo de responder. — Rick! — a voz cortou o ar, aflita. — Vamos embora, seu pai não pode saber que você esteve aqui! Era Rodrigo, o amigo de Henrique, correndo em direção a eles com os olhos arregalados. Henrique olhou para Elize. O olhar cheio de promessas não ditas. Mas nenhuma palavra saiu de sua boca. Não havia tempo. Ele apenas... correu. Elize estendeu a mão, em choque. — Rick? Mas ele já havia desaparecido entre as vielas. E junto com ele, tudo que ela acreditava ter vivido naquela noite. … Quando Elize voltou a si, o café já estava quase vazio. Os sons, antes altos, agora pareciam abafados — como se o mundo tivesse colocado fones de ouvido. Mada ainda estava ali, sentada ao seu lado, como se não tivesse pressa nenhuma. Elize esfregou o rosto com as mãos, tentando afastar o gosto amargo da lembrança. — Ele está de volta, Madá — disse enfim, num fio de voz. — E ainda atende por Rick. A amiga não respondeu. Apenas segurou sua mão com força. Porque às vezes, a única coisa que alguém pode oferecer diante do passado… é presença.