O celular vibrou de novo.
"Rick, e aí? Vamos ou não vamos? O pôr do sol hoje tá um escândalo!" Henrique sorriu com o apelido que ela insistia em usar. Olhou pela janela do escritório e viu o céu tingido de dourado. O dia estava terminando bonito — e ele sabia que Beatriz não deixaria passar uma boa foto, ainda mais em um lugar novo. "Vamos sim. Encontro você na marina em 15 minutos." Beatriz respondeu com um emoji animado e uma selfie já posicionada de óculos escuros, cabelos soltos e um vestidinho leve. O tipo de imagem que colecionava curtidas sem esforço. Henrique desligou o computador, pegou a chave da lancha do pai e seguiu em direção ao cais. A água refletia o laranja do céu, cortada suavemente pela lancha que seguia em direção à curva da Baía das Abelhas. O vento batia no rosto de Henrique enquanto Beatriz tirava fotos do horizonte, sorrindo para si mesma. — Isso aqui é digno de capa de revista! — ela disse, animada, segurando o celular com uma das mãos e ajeitando os cabelos com a outra. Henrique, por outro lado, sentia o peito apertar à medida que a paisagem se revelava. As casinhas brancas, o traçado irregular das vielas, o sino da igreja ao fundo… tudo estava lá. Sete anos haviam se passado, mas a essência do lugar parecia intocada. Ao atracarem, Beatriz foi a primeira a saltar com leveza. Henrique a seguiu mais devagar, os olhos absorvendo cada detalhe como se procurassem algo — ou alguém. Passaram pelas escadas de pedra e entraram no café. O sininho acima da porta tocou suavemente. Um aroma de café fresco e pão assado envolveu os dois. Madá os recebeu com um sorriso caloroso. — Boa tarde! Podem se sentar ali no terraço, o clima tá perfeito hoje. Já levo o cardápio. Henrique lançou um olhar discreto em direção ao balcão. Alguém estava ali, de costas. Cabelos escuros presos em um coque bagunçado. Mexia nas xícaras com movimentos lentos, quase automáticos. — Que lugar lindo! — exclamou Beatriz, encantada com as flores nas janelas e o som distante das gaivotas. Sentaram-se no terraço, sob um guarda-sol florido. O mar diante deles parecia pintado. — Isso aqui é um paraíso escondido — disse ela, clicando mais algumas fotos. — Mal consigo acreditar que é tão perto da cidade e tão tranquilo. Henrique sorriu, mas a mente estava longe. Seus olhos percorriam cada canto da baía, tentando remendar lembranças espalhadas. — À noite, aqui fica diferente. A luz muda tudo… — disse ele, quase sem perceber. Beatriz o olhou com curiosidade. — Você já esteve aqui? Henrique hesitou por um segundo. Depois, deu de ombros. — Faz muito tempo. Ela levantou as sobrancelhas, mas não insistiu. Apenas riu. — Então vai ter que me trazer à noite também. Depois de alguns bons minutos conversando, pediram a conta. Madá se aproximou com um sorriso simpático. — Voltem sempre. Fico feliz que tenham gostado. — Amei! — disse Beatriz. — Esse lugar vai bombar, pode anotar. Enquanto desciam os degraus do terraço em direção à saída, Elize continuava de costas no balcão, organizando as xícaras limpas. Seus dedos trabalhavam devagar, mas a atenção estava dispersa. — Rick, me espera ali no cais! — disse Beatriz, animada. O som daquele nome cortou o ar como uma navalha. Elize congelou. Suas mãos pararam. Um arrepio subiu pela nuca. Não podia ser. Madá, que estava vindo da cozinha, notou na mesma hora a expressão da amiga. Aproximou-se discretamente, e sussurrou: — Elize? Tá tudo bem? Mas Elize não respondeu. O barulho suave do sino acima da porta sinalizou a saída dos clientes. E com ele, a última gota de força que restava nela. Sem coragem de se virar, sentiu o corpo amolecer. Os joelhos cederam, e ela se sentou no chão atrás do balcão, os olhos fixos em nada, o peito arfando devagar, como se tivesse acabado de ver um fantasma.