“Terás alegria ou terás poder, disse Deus; mas não terás ambos.” O que você sacrificaria para ter seu objetivo alcançado? Sua vida? Sua família? Um grande amor? Para Allegra nenhuma dessas questões era um impedimento, ela iria aonde quer que fosse para conquistar os seus desejos e sua fome de poder. Crescida num convento, a jovem filha do chefe da Máfia Italiana, passou grande parte de sua vida sendo privada de ver sua mãe e rejeitada pela família de seu pai. Sozinha durante muitos anos, Allegra foi obrigada a amadurecer muito antes do que sua idade pedia. Conforme crescia, ela mantinha em mente um único objetivo: se tornar a chefe da famiglia e vingar sua mãe. Porém, seus planos são interrompidos com a escolha de seu pai para o sucessor do seu legado. Ele. O maldito. Desgraçado. Nino! Ele nem era um herdeiro legítimo! Entretanto, foi escolhido em seu lugar. Com todas essas dificuldades, o que ela irá fazer? Já que a única coisa com a qual pode contar é sua inteligência. Como uma mulher poderá se tornar chefe de uma das máfias mais perigosas, num mundo dominado por homens? O amor será um aliado ou um inimigo? Todos os Direitos Reservados
Ler maisNão tenho muitas memórias da minha infância. Quando tento me lembrar, quase sempre parecem um borrão escuro; são poucas as situações que são claras em minha mente. As coisas começam a ficar mais vívidas apenas depois que cheguei ao convento, com seis primaveras. Era assim que eu e minha mãe contávamos os anos. Ela sempre amou coisas belas e, em especial, a primavera. Não gostava, de forma alguma, de enxergar como os anos passavam e iam castigando as pessoas aos poucos. Sempre preferiu olhar apenas para a beleza do mundo e, assim, ignorava tudo de ruim que lhe era apresentado, incluindo momentos de sua própria vida. O que, ocasionalmente, foi a corroendo por dentro e tirando o brilho da sua alma. Quando penso nisso hoje em dia, vejo que esse é o preço que a vida cobra por fingirmos demais. É como se o universo dissesse que, não importa o quanto você corra, não pode fugir de quem você é e dos pecados que cometeu. Foi uma dura lição aprendida na pele, que mesmo assim não a fez mudar. Pelo menos, pode-se dizer que ela foi fiel ao que era até o fim.
Foi-me dito, um ano depois que cheguei aqui, em uma das diversas vezes que tentei escapar para ir ao seu encontro, que a sua doença a havia, finalmente, sucumbido. Demorei para aceitar essa informação, claro, e, pelos anos seguintes, continuei tentando obter notícias suas. Não preciso dizer que todas essas tentativas foram em vão, e nada nunca retornou para mim. Então, as memórias que tenho dela são tudo o que me resta. Às vezes, me pego tão imersa nelas que se tornam tangíveis. Posso sentir o cheiro de flores frescas que emanava do seu corpo, resultado de muitos dias e noites em meio ao imenso jardim que possuíamos na mansão da famiglia. Era lá que sempre a encontrava, quando, escondida, me esgueirava por uma pequena falha da cerca-viva que demarcava os limites do oásis que tínhamos em nossa casa. Não é porque era minha mãe, mas ela era dotada de uma beleza tão angelical que, toda vez que a via, era como se estivesse observando uma obra de arte: bela, triste e imortalizada para sempre naquele mesmo lugar. Acredito que, quando Deus nos criou, deu a cada um uma chance de ser alguém e deixar sua marca neste mundo. Uns são agraciados com inteligência, outros com talento, outros com riqueza. Também há aqueles com carisma e alguns poucos com beleza. Mas, quando digo "beleza", refiro-me ao mais puro encanto natural que um ser humano pode ter. Um conjunto de não apenas uma aparência física estonteante, como também de uma aura que transmite uma graciosidade que hipnotiza qualquer um que ponha os olhos neste ser. Não sei como explicar muito bem, mas ela era daquele tipo raro de pessoa que, quando você conhece, não consegue parar de admirar, se encantar e desejar. E a dor e tristeza que carregava consigo eram o adorno que a deixavam ainda mais bela. Se ela tivesse sido tão feliz quanto todo ser humano deseja ser desde que nasce, ela não seria tão linda. Há algo de intrigante numa vida dolorosa e cheia de cicatrizes. Dizem que a destruição ama a beleza, pois precisa que algo esteja inteiro para que se transforme em ruínas.
Entretanto, nada do que ela passou era capaz de tirar sua alegria e inocência. Pelo menos, era isso que ela fazia qualquer um acreditar: estava sempre sorrindo e cantando. Por vezes, quando eu chegava de fininho ao jardim, pretendendo surpreendê-la, a pegava olhando para os pássaros que ali habitavam e entoando baixinho algumas canções. Canções estas que só ela conhecia. Mesmo com o passar dos anos, nunca mais fui capaz de ouvir alguém cantarolar melodias como as dela. Também costumava vê-la brincando com borboletas e admirando outros animais que por ali passavam. Ela os encarava como se fossem muito importantes. Era como se ela fizesse parte daquilo. Como se, mesmo com o tempo passando, ela sempre estivesse ali, em sintonia com a vida daquele lugar. Porém, para quem já está acostumado a fingir, fazer parecer que está tudo bem é tão fácil quanto respirar. E era aí que morava uma parte importante do verdadeiro "eu" da minha mãe.
Todo dia, eu tinha hora certa para ir embora. Em parte porque saía escondida e tinha que voltar antes que dessem minha falta, e em outra, porque, depois de um determinado momento, mamãe sempre me dizia que tinha um compromisso e que eu deveria sair antes que chegassem para buscá-la. No entanto, em um desses dias quaisquer, como uma boa criança curiosa, decidi fingir minha saída e fiquei escondida atrás de um arbusto para, finalmente, descobrir para onde minha mãe sempre ia depois das 16h. Hoje, com 17 anos, posso dizer com propriedade que foi a pior decisão que tomei na vida. Pois vi coisas que não deveriam ser vistas por alguém da minha idade. Minha curiosidade infantil me levou a um caminho sem volta. Me colocou onde estou atualmente e me fez encontrar o outro lado de minha mãe, que agora entendo por que ela não queria que eu visse.
— Allegra! — Dante grita por mim em meio às chamas crepitantes.— Dante, vamos! Temos que ir antes que o fogo se espalhe mais e fiquemos presos aqui! — levanto-me rapidamente e corro em sua direção.— Meu Deus! O que foi isso que aconteceu? Como vamos fugir? A essa altura, as freiras já devem saber do fogo! — ele leva as mãos à cabeça.— Eu peguei o molho de chaves da madre superiora naquela hora em que me lancei em seus braços. Ela não percebeu. Alguma dessas chaves deve abrir a porta da cripta.— E o que vamos fazer com ela? — pergunta Dante, enquanto aponta para o corpo desacordado de Madeleine.Penso por um instante e decido:— Nós vamos levá-la — digo, encarando-o.— O quê? E se ela acordar no meio do caminho?— Mas não podemos deixá-la aqui. Vamos levá-la e deixá-la do lado de fora do convento. Vamos rápido, nosso tempo está se esgotando!Rapidamente, vamos até Madeleine, e Dante a coloca nas costas. O fogo se alastra ligeiro e será a nossa distração para que possamos fugir. Cor
—O que é isso que está acontecendo aqui??? — grita a madre superiora. —Allegra! E esse rapazinho! Meu Deus, que pecado! Que profanação do solo sagrado do convento! — ela não para de berrar.Rapidamente, me cubro com a camisola e Dante sai de cima de mim.—Madre, eu... — gaguejo, sem saber o que falar.—Calada! Você não tem noção do que fez! Que vergonha! De todas as suas rebeldias aqui, essa foi a pior de todas!—Eu te disse que ela estava planejando algo! — fala Madeleine, enquanto sai de trás da madre superiora. Seus olhos estão fixos em mim.—Madeleine, por quê? Sua vaca, ordinária! — avanço em direção a ela, mas Dante me segura.—Madre, eu posso explicar. — diz Dante, no alto de toda sua vergonha. Ele teve coragem de falar por nós.—Você, seu seminaristazinho inescrupuloso! Não ouse dizer nenhum pio! O seu padre com certeza saberá do que houve aqui esta noite! — esbraveja a madre, em direção a Dante.—E você, senhorita Allegra, depois de hoje será mandada para um convento onde nun
A semana passa totalmente arrastada. Quando chega o domingo, me esgueiro sorrateiramente do pátio em direção à biblioteca. Dante deve ter deixado algum bilhete para mim. Abro as portas da mesma e vejo que há poucas freiras no ambiente. Ótimo! Finjo estar procurando algo, quando, de repente, tomo um susto:— Bú!— Ah, meu Deus! Madeleine! O que está fazendo aqui? — ela me pegou totalmente desprevenida.— Por quê? Está escondendo alguma coisa nesses livros? — pergunta, me encarando.— Claro que não! Sabe que eu gosto de ler, só perguntei porque você surgiu do nada e me assustou.— Tem certeza? Notei que tem passado muito tempo aqui na biblioteca... sozinha. Está procurando por algo?Enxerida! Por que questiona tanto as coisas que faço? Suspeito...— Sim, estou procurando um livro, e que, por acaso, já achei — respondo, me virando para ir embora.Eu achava que ser amiga de Madeleine pudesse me ajudar em algo, mas vejo agora que era furada.— Vamos almoçar, Allegra? Hoje tem pasta! — diz
— O que você está fazendo? — questiona Madeleine.— Procurando um livro.— Qual?— Ainda não achei — respondo rapidamente, tentando parecer casual.Estamos na biblioteca. Eu vasculho as prateleiras atrás de A Divina Comédia, de Dante Alighieri. É dentro dele que vou esconder minha próxima mensagem para o garoto cujo nome ainda não sei — o que é ridiculamente frustrante.— Você está estranha. Ainda se sente mal? — Madeleine pergunta, esticando-se nas pontas dos pés para espiar a prateleira acima de nós.— Não, estou bem. Perfeitamente bem — digo, com um sorriso ensaiado.— Entendo — ela comenta, mas continua me observando com atenção demais para o meu gosto.Vou encontrá-lo no domingo. Tudo está correndo conforme o planejado: dizer que sou maltratada, despertar a piedade dele, fazê-lo querer me ajudar... e, com um pouco de charme bem aplicado, garantir que ele se apaixone o suficiente para não fazer perguntas quando eu começar a agir de forma, digamos, questionável.— Allegra, olha ess
Os dias da semana vão passando, e logo o domingo bate à porta novamente. Dessa vez, quando os seminaristas chegarem, preciso dar um jeito de me encontrar com o jovenzinho de cabelos negros. Infelizmente, minha escala de limpeza do pátio caiu no sábado. Isso quer dizer que não terei pretexto para ir observá-los do lado de fora do salão. Levanto-me, espreguiçando-me lentamente. Sinto todos os músculos e ossos do meu corpo trabalhando devagar. Hoje é o dia! Organizo minha cama, coloco meu hábito e continuo minhas tarefas rotineiras: orações, estudos e blá, blá, blá. As primeiras horas da manhã passam rápido. Logo eles chegarão. Hoje estou na limpeza do salão principal e, por sorte, eles precisarão passar por aqui para irem em direção à capela.Estou encerando os bancos e mesas quando eles chegam. Levanto meu olhar e logo o vejo. Ele está bem atrás do padre, que é um senhor de idade. Seguindo-o, estão mais dois jovens. Encurto meus passos e vou chegando mais para a ponta dos bancos que, e
Durante meu tempo no convento, não consegui fazer muitas amizades. Em parte, porque estou obcecada demais com o meu objetivo de voltar para casa, e, em outra, porque não consigo me conectar com as moças deste lugar. Mas, para não dizer que sou completamente sozinha, conheci uma menina com quem consigo trocar palavras como “oi”, “o dia está bonito” e “boa noite”. O nome dela é Madeleine, e ela parece ter a mesma idade que eu, por volta dos 17 anos. Às vezes, percebo que ela me olha de rabo de olho, como se quisesse falar algo comigo, mas tivesse vergonha. Não posso culpá-la, estou sempre fechada para tudo e todos que não me tenham alguma serventia. Algumas vezes, me pego pensando que possuo uma personalidade ruim, um pouco distorcida, talvez. No entanto, como eu poderia desejar ser normal possuindo a vida que possuo? Ou tendo um passado como o meu?Termino minha tarefa e vou em direção ao salão principal, pois é hora dos estudos. Assim que começo a andar, Madeleine se põe a caminhar ao
Último capítulo