O dia seguinte nasceu mais frio na Capadócia. Mas ao abrir os olhos, seu corpo aquecia o meu como um cobertor de guerra. Você dormia de lado, respirando lento, os cílios longos quase tocando o travesseiro. Havia uma serenidade tão estranha em você naquele momento que por pouco não me enganei… quase acreditei que você era apenas um homem.
Mas a lembrança da sua arma na mesinha de cabeceira, das palavras ditas no calor da madrugada, e da dor nos meus músculos ainda sensíveis de tanto prazer e brutalidade, me lembravam: você era o Diabo com rosto de anjo. Levantei devagar, enrolei-me no lençol e fui até a varanda. O céu estava carregado de nuvens cinzentas. Era como se o mundo soubesse que aquilo não duraria — que o tempo nos observava, impiedoso, pronto para cobrar cada segundo que ousamos viver juntos. — Vai fugir? Sua voz me pegou desprevenida. Virei devagar, e você estava parado na porta de vidro, nu, com o cabelo bagunçado, olhos fixos em mim como se pudesse ver o que eu pensava. — Estava só respirando um pouco. O ar daqui é diferente. — E ainda assim, seu peito está apertado. Você se aproximou e me abraçou pelas costas, a mão quente sobre minha barriga nua, os lábios encostando em minha nuca. Eu me derreti. De novo. Mesmo sabendo que você era uma bomba prestes a explodir. — Hoje à noite — você sussurrou —, vamos a um jantar. — Com quem? — Com o homem que pode selar meu futuro. Ou destruir o que ainda resta de mim. — Isso é seguro? — Não. Mas necessário. Me virei para encará-lo. — E por que eu? — Porque quero que ele veja quem me enfraquece. — Você quer usar isso como uma ameaça velada? — Não. Quero que ele entenda que, se encostar em você, vai sangrar até os pulmões. Sua frase deveria me assustar. Mas, perversamente, me deu um estranho sentimento de proteção. Como se sua escuridão me blindasse de outros monstros. O resto do dia foi estranho. Você passou horas ao telefone, andando de um lado para o outro, falando em turco com seus homens. Discutia, ordenava, ameaçava. E eu ali, naquele cenário de beleza absurda, preparando-me para entrar num mundo que não era o meu. O vestido que você deixou em cima da cama era preto. Justo. Decote profundo. Longo até os pés. Sexy e elegante, como se tivesse sido desenhado sob medida para mim. E talvez tivesse sido. O salto alto, o colar de prata. Tudo perfeito. — Como sabia meu tamanho? — perguntei, ao sair do banheiro já pronta. — Eu sei mais sobre você do que gostaria de admitir — você respondeu, me olhando como se quisesse me despir com os olhos ali mesmo. No carro, o silêncio era denso. Você usava um terno escuro impecável. Cabelos penteados para trás. O cheiro do seu perfume — tabaco e âmbar — preenchia o ambiente. E entre nós, havia uma tensão que não era sexual. Era mais profunda. Um tipo de medo que dançava entre a sedução e o perigo real. Chegamos a uma mansão escavada na pedra. Luxo turco antigo misturado com arte moderna. O anfitrião era chamado de Barış Yildirim, mas a maioria o conhecia como “O Silenciador”. Um nome que deixava claro: aqueles que o contrariavam… simplesmente desapareciam. A sala de jantar era banhada em luz âmbar. Cadeiras de couro, uma mesa de mármore negra, e ao centro, ele. Barış. Um homem de cabelos grisalhos, sorriso fino, olhos que não piscavam. Ele nos observou entrar como um leão observa uma gazela. — Mehmet. Que surpresa vê-lo… acompanhado. Você sorriu. — Achei que estava na hora de mostrar quem eu sou fora dos negócios. Barış levantou-se, estendeu a mão para mim. Seus dedos eram frios. — Isabela, não é? Ouvi dizer que salvou a vida do nosso turco favorito. — Foi apenas meu trabalho — respondi, mantendo o olhar firme. — Tudo é trabalho… até deixar de ser. O jantar começou. Três pratos. Silêncios longos. Conversas disfarçadas de cortesias. Mas eu sabia — aquilo era um duelo. Você e ele se testavam com palavras, olhares, intenções ocultas. Até que veio a bomba. — Dizem que Mehmet está negociando um novo território na fronteira com a Geórgia — Barış disse, limpando os lábios com o guardanapo. Você permaneceu imóvel. — Dizem muitas coisas. Algumas são verdade. — E outras… podem custar muito. Principalmente quando se tem pontos fracos. Como uma bela médica brasileira. O ar congelou. Antes que eu reagisse, você segurou minha mão por baixo da mesa. Seus dedos apertaram os meus com força. E seus olhos, quando se ergueram, estavam gélidos. — Se algo acontecer com ela, Barış… o que me tornei será culpa sua. Um silêncio caiu como navalha. Por alguns segundos, achei que tiros iriam estourar naquele salão. Mas Barış apenas riu. Suavemente. — Você está mesmo apaixonado, Mehmet? Você olhou pra mim. E ali, diante do inimigo, disse: — Totalmente. E o silêncio seguinte foi ainda mais perigoso. Na volta para a casa, você estava tenso. As mãos no volante, maxilar travado. — Você o ameaçou — falei baixo. — Eu o avisei. — E agora? — Agora, prepare-se. Porque se ele te encostar um dedo… eu não volto pra casa de mãos limpas. E então entendi: o amor de um mafioso não é poesia. É guerra.