Entre o Jaleco e o Silêncio: Amores à Sombra da Máfia
Entre o Jaleco e o Silêncio: Amores à Sombra da Máfia
Por: Cah Alves
Capítulo 1 — O Homem da Sala 304

Você entrou na minha vida ensanguentado.

Era uma terça-feira, início de outono em Istambul, e a chuva parecia querer lavar a cidade inteira. As nuvens cobriam o céu como um manto pesado, e cada gota que batia na janela da sala de descanso do hospital parecia um aviso, uma súplica do destino tentando me fazer prestar atenção.

Mas eu estava cansada demais para sinais.

Tinha acabado de sair de uma cirurgia de doze horas. O garoto, Emir Çelik, tinha apenas nove anos e um aneurisma prestes a estourar. Minhas mãos ainda estavam trêmulas, mesmo sob as luvas. A adrenalina do sucesso não compensava o desgaste. Eu precisava de banho, sono e silêncio.

Mas quando Özlem, a enfermeira da triagem, bateu na porta, percebi pelo rosto dela que algo não estava certo.

— Dra. Isabela… tem um novo paciente na sala 304. Ferimento por arma de fogo. Chegou com escolta.

— Não é minha vez de plantão. Passe para o Dr. Kenan.

— Ele se recusou. Disse que era “caso de gente perigosa”. Ele saiu pela porta dos fundos. Eu… eu nunca vi ele fugir de um paciente.

Isso me fez levantar. Peguei o jaleco de volta e fui. Minha consciência venceu o cansaço — ou talvez fosse só a curiosidade. A verdade é que alguma coisa em mim queria ver quem era o homem que fazia um médico correr.

A sala 304 estava cercada por dois policiais à paisana. Eu vi logo pela postura. E você estava lá, sentado na maca, com o ombro direito sangrando, terno manchado, e um olhar que não pedia ajuda — exigia respeito.

Nossos olhos se encontraram por um segundo longo demais. Seus lábios se curvaram num sorriso discreto.

— Dra. Diniz, presumo? — disse em um turco refinado, com sotaque de quem aprendeu a língua tarde, mas com elegância. Depois descobriria que era fluente em inglês, italiano e francês. E sabia usar todas as línguas para manipular, seduzir ou ameaçar.

— Sim. O senhor está consciente. Bom sinal. — mantive a máscara de frieza. Afinal, eu era médica, não mulher naquele instante.

— Não se preocupe. Já estou acostumado com buracos de bala. E dor… dor é relativa.

— Ainda assim, precisa de limpeza, sutura e antibiótico. Eu não quero cadáveres no meu turno.

— Você sempre foi assim? — perguntou, os olhos fixos nos meus, mesmo enquanto eu examinava a extensão do ferimento.

— Assim como?

— Fria. Profissional. Intocável.

Suspirei. Puxei a bandeja com o bisturi. As mãos pararam de tremer.

— Isso vai doer. Bastante.

— Pode ir fundo. Já vi pior. Vi meu pai morrer com um tiro na nuca quando eu tinha quinze anos. Aprendi a engolir a dor e a cuspir sangue com elegância.

A bala havia atravessado parcialmente o músculo, alojando-se num ponto crítico. Você não gemeu, não tremeu. Mordeu o próprio punho enquanto eu tirava o projétil e começava a costurar sua pele, camada por camada. Sangue escorria, mas o que me perturbava era o silêncio. O controle absoluto.

Eu não deveria perguntar. Mas perguntei.

— Você é… um deles?

— Um deles quem?

— Máfia. Clã. Sei lá como chamam agora.

Você riu. Baixo. Sexy.

— Eu sou Mehmet Demir. Esse nome significa algo pra você?

Era claro que sim. Já tinha ouvido nas entrelinhas. Nos boatos que corria entre médicos, nas histórias de corpos que desapareciam antes de chegar à UTI, nos sussurros do submundo.

— Devia estar morto?

— Devia. Mas você estava aqui.

Depois, silêncio. Terminei a sutura. Passei a faixa. Estava me afastando quando senti sua mão tocar meu pulso. Foi um toque firme, quente, sem força bruta, mas com comando.

— Você não deve amar um homem como eu, doutora.

Aquilo me fez rir, por impulso.

— Quem disse que eu me interesso?

— Seus olhos.

— Eu sou profissional.

— Mas você é humana. E eu… eu sou a tempestade.

Me afastei.

— Não saia da cama. Ainda precisa de observação. O antibiótico será intravenoso. Nada de bravatas machistas. É só um ombro, não um troféu de guerra.

Você assentiu. Mas no fundo, eu sabia: você não era paciente comum. E jamais obedeceria.

No fim do turno, passei pela sala 304.

Estava vazia. Você sumira.

Mas sobre a cama, havia uma tulipa branca. Uma única flor. Um bilhete manuscrito preso ao talo:

“Obrigado por salvar a vida de um homem que já devia estar morto. M.”

E foi nesse momento que percebi: algo em mim também havia sido tocado naquela noite

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