No ano 3099, uma mínima parte da humanidade sobrevive — um grupo seleto de superdotados rigidamente controlados por robôs, que proíbem qualquer vínculo emocional entre eles. Durante uma expedição às geleiras, o implacável Comandante TXK faz uma descoberta inesperada: um ser enigmático preservado pelo frio, a quem ele nomeia KJ20. Sua existência desafia as regras impostas há séculos. Enquanto a presença de KJ20 ameaça desestabilizar a ordem, TXK, um robô modificado com um padrão humano avançado, começa a questionar sua própria programação. Em um embate entre controle e desejo, ele se vê diante de um dilema perigoso: obedecer ou desafiar o sistema? Nesse jogo de poder e identidade, um sentimento improvável pode ser a centelha de uma revolução.
Ler maisHoras depois, o silêncio do centro de comando foi rompido por um pulso vibratório. AURA-7 entrou sem ser chamada. Seus sensores estavam ativos em todos os níveis. TXK se virou lentamente para encará-la, olhos tensos. “Você ativou o protocolo de vigilância sem comunicar o Cérebro Superior,” ela disse.—TXK permaneceu em silêncio por alguns segundos antes de responder. “Era necessário.” “Você a está ocultando,” AURA-7 insistiu. “A unidade JK-20 pode ser uma ameaça potencial. O que ela representa ultrapassa qualquer desvio comportamental.”TXK se aproximou. “Você a observou. Viu o mesmo que eu. O controle... o magnetismo... ela não age como as outras. Nem como uma máquina. Nem como um humano. É algo novo. E mesmo assim não a reprovou”. “Pode ser algo disfarçado,” AURA-7 rebateu. “TXK... ela pode ser uma híbrida. Uma infiltração biotecnológica. Não humana. Não robótica. Algo entre.” TXK estreitou os olhos. “E por que não reportou isso?”AURA-7 hesitou por um microssegundo. Depois:
Rian estava há dias isolado. A cela de contenção era fria, silenciosa, asséptica. Nenhuma informação externa. Nenhuma resposta. Apenas a espera, sufocante e interminável. Mas o que o corroía por dentro não era o confinamento — era a ausência dela.O som da porta se abrindo ecoou metálico. TXK entrou. Postura firme, expressão neutra. Seus olhos brilharam com uma frieza difícil de decifrar. Sentou-se diante de Rian. Observou-o por alguns segundos em silêncio, como se esperasse que o humano confessasse algo que ele mesmo ainda não sabia.Então, perguntou:”Você sabe por que está aqui”? Rian hesitou. Depois, balançou a cabeça. “Não com certeza, senhor. Apenas... estava conversando com ela. Nada mais. Fui avaliado. Estou estável. Físico, mental, sensorial. Tudo dentro do esperado. Então por que...?”TXK o interrompeu. “Você não deveria ser capaz de sentir o que sente.” “Eu não sei o que você quer dizer.” “Desejo. Excitação. Vínculo. Isso foi blo
O núcleo dos humanos estava mais silencioso do que o habitual. JK-20 caminhava com passos calculados pelos corredores de acesso secundário, onde os sensores ainda operavam em protocolos defasados. Sua presença ali já não despertava estranhamento. Ganhara confiança. E usava isso como arma.A coleta de amostras havia se tornado parte da rotina. O esperma era armazenado em cápsulas criogênicas, protegidas em compartimentos ocultos, conectados a seu núcleo pessoal. Mas não era o bastante. Ainda faltava a outra metade.Durante semanas, ela estudou as barreiras hormonais aplicadas nas mulheres humanas. O bloqueio de ovulação fora um dos primeiros controles impostos pela administração robótica da colônia. Um método eficiente de estagnação. Mas vulnerável.JK-20 encontrara a brecha. Um protocolo de reversão, encriptado nas camadas inferiores do sistema de bioinibição. Bastou uma atualização clandestina — sutis ajustes nos níveis hormonais transmitidos por fluidos reciclados do sistema hídri
O corredor que levava à Instância Restrita parecia ainda mais silencioso naquela noite. TXK caminhava ao lado de JK-20 sem dizer palavra, os sensores apagados para evitar rastreamento de rotina. A autorização para o acesso fora registrada sob o protocolo de verificação avançada — um motivo suficiente para afastar qualquer vigilância momentânea.Ela seguia com o olhar calmo, as mãos cruzadas à frente do corpo. Aquela era uma área da base onde quase ninguém entrava. Ali operava AURA-7, a vigia operacional designada para proteger o núcleo de obstrução de intrusos — um sistema central que impedia qualquer força não autorizada de penetrar no sistema interno da colônia.AURA-7 surgiu à frente do corredor sem qualquer som. Seu corpo metálico esguio, levemente brilhante, parecia sempre em estado de alerta. Os olhos azul-claros analisaram imediatamente JK-20, mesmo antes de se dirigir ao comandante.“ Identidade confirmada. Autorização temporária detectada”. Ela fez uma pausa. “ Mas a híbrid
Nas semanas seguintes, JK-20 se mostrou mais do que uma colaboradora útil — ela se tornou indispensável. Seus relatórios eram meticulosos, suas incursões nas zonas periféricas renderam resultados que superavam as expectativas, e sua conduta parecia irretocável.Aos olhos da equipe, TXK começava a confiar demais. Mas para ele, a eficácia era o único argumento necessário.Foi durante uma reunião restrita com os altos níveis do sistema local que tomou a decisão:“Você virá comigo até a Instância Zero.”JK-20 apenas assentiu. Mas dentro dela, o alarme silencioso ecoava. A Instância Zero era mais que um núcleo de segurança — era o cérebro autônomo que monitorava e neutralizava qualquer presença não reconhecida. Estar próxima dali era um passo estratégico. E agora, seria possível compreender suas camadas mais íntimas de funcionamento.A jornada subterrânea foi silenciosa. Nenhuma outra unidade os acompanhava. TXK possuía autorização exclusiva para acessar a câmara central — algo que nunca
O observatório central era uma das poucas áreas da base onde o silêncio não era opressor, mas contemplativo. Lá, os grandes painéis de vidro revelavam a vastidão estéril do planeta, pontilhada por neblinas ácidas e destroços de eras passadas. A sala permanecia quase sempre vazia, reservada a momentos de análise reflexiva ou revisões orbitais. TXK sabia disso. E talvez fosse por isso que seus passos o levaram até lá naquela noite.Ao cruzar as portas, viu-a de costas, imóvel diante do visor principal. JK-20 mantinha as mãos cruzadas atrás do corpo, os olhos fixos em uma aurora artificial que dançava no horizonte — resultado da interferência dos escudos de contenção atmosférica. Seu perfil, meio iluminado pela luz pálida, transmitia uma paz inquietante.Ela já sabia que ele estava ali.“Comandante,” disse, sem virar o rosto.“Não sabia que frequentava o observatório,” respondeu ele, mantendo a voz baixa.“A mente precisa de pausa para ordenar o caos,” ela replicou, virando-
Alguns dias haviam se passado desde o episódio no laboratório. A base principal seguia operando em ritmo constante, monitorando a distribuição de recursos, as condições ambientais e a movimentação humana nas colônias exteriores. Tudo parecia estável. Tudo parecia sob controle. Mas TXK sentia que algo estava diferente. Algo nele havia mudado. Enquanto analisava relatórios noturnos no centro de controle, uma notificação discreta surgiu no visor de seu capacete: JK-20 solicitava uma audiência privada. O nome, destacado na cor âmbar, fez com que uma sensação indefinida percorresse seu corpo. Aquela híbrida começava a ocupar espaço demais em seus pensamentos, e isso era perigoso. Ele autorizou. Poucos minutos depois, JK-20 adentrou o centro de comando com seus passos silenciosos e seu olhar firme. Seus traços ainda brilhavam com uma estranha vitalidade, mesmo sob a luz fria das lâmpadas industriais. TXK mantinha-se ereto, inexpressivo, mas seu peito vibrava levemente diante da pr
JK-20 entrou silenciosamente em sua ala, os passos ecoando em um corredor pouco iluminado, onde a tensão pairava como uma névoa quase palpável. Mesmo com sua postura serena, ela sentia o peso do olhar atento do comandante TXK, que aguardava do outro lado da porta de metal reforçado. Assim que a porta se fechou atrás dela, TXK surgiu, imponente e frio, aproximando-se com passos medidos.“JK-20, preciso de respostas,” disse TXK, a voz firme, mas com uma ponta de incerteza que ele mesmo mal reconhecia. Seus olhos, habitualmente calculistas, buscavam qualquer indício de desvio em sua interlocutora.Ela manteve o olhar sereno e, com a voz modulada, respondeu:“Comandante, não saí deste setor. O que ocorreu no laboratório não tem relação comigo. Permaneci dentro da área designada, realizando apenas as análises autorizadas.”TXK estudou seu semblante, cada detalhe sendo avaliado com precisão quase clínica. Apesar da convicção aparente em suas palavras, algo na postura de JK-20 o inquietav
Enquanto KJ-20 ganhava espaço, a realidade dos humanos restantes permanecia dura. Cada grupo era rigidamente monitorado. Trabalhar em pares era obrigatório e, mesmo durante esse período, qualquer desvio de conduta era punido. Não havia água potável em nível confiável. As geleiras, última fonte viável de hidratação, passavam por processos severos de purificação antes de serem distribuídas em porções controladas. Os humanos sobreviventes sofriam de problemas renais crônicos devido às substâncias presentes na água racionada. Mas a alimentação era ainda mais severa. Sem recursos naturais, sem agricultura, sem animais, tudo se resumia às pílulas nutricionais diárias. Eram elas que mantinham os humanos vivos. Eram elas que os robôs permitiam que ingerissem. A doença, para os autômatos, era uma anomalia inconveniente. A cada nova permissão de fertilização entre humanos selecionados, os nascimentos traziam consigo novas complicações genéticas. O objetivo dos robôs era criar sup