JK-20 entrou silenciosamente em sua ala, os passos ecoando em um corredor pouco iluminado, onde a tensão pairava como uma névoa quase palpável. Mesmo com sua postura serena, ela sentia o peso do olhar atento do comandante TXK, que aguardava do outro lado da porta de metal reforçado. Assim que a porta se fechou atrás dela, TXK surgiu, imponente e frio, aproximando-se com passos medidos.
“JK-20, preciso de respostas,” disse TXK, a voz firme, mas com uma ponta de incerteza que ele mesmo mal reconhecia. Seus olhos, habitualmente calculistas, buscavam qualquer indício de desvio em sua interlocutora.
Ela manteve o olhar sereno e, com a voz modulada, respondeu:
“Comandante, não saí deste setor. O que ocorreu no laboratório não tem relação comigo. Permaneci dentro da área designada, realizando apenas as análises autorizadas.”
TXK estudou seu semblante, cada detalhe sendo avaliado com precisão quase clínica. Apesar da convicção aparente em suas palavras, algo na postura de JK-20 o inquietava. Sua mente, construída para a racionalidade e para eliminar o supérfluo, sentiu uma palpitação incomum. Ele sabia que suas próprias modificações o tornaram quase imune às tentações carnais, transformando-o num ser de lógica fria e controle absoluto; entretanto, agora, seu peito disparava de uma forma que ele não conseguia explicar.
Enquanto conversavam, JK-20 percebeu a mudança sutil no comportamento do comandante. Ela notou como sua postura se tensionava e, num movimento calculado, aproximou-se dele, reduzindo a distância entre ambos. No ar, uma fragrância quase imperceptível começou a se espalhar. Era como se ela, de maneira deliberada, liberasse um feromônio que, junto com as pílulas que agora pareciam aumentar de tamanho, começava a pingar discretamente pelo contorno de seu rosto.
TXK, que até então mantinha uma postura inabalável, deu um passo atrás instintivamente. A sensação era desconcertante: ao tocar a pele de JK-20, seus sensores perceberam um calor anormal, incompatível com o padrão aquático de seu biotipo. Ele notou, com um misto de fascínio e inquietação, o leve entreabrir de seus lábios e, por um breve instante, a ponta de sua língua repousando de forma natural, como se respondesse a um comando instintivo.
“JK-20, explique-se,” insistiu TXK, tentando recuperar o controle da situação, mas agora com a voz traindo uma ligeira hesitação. Ele estava diante de uma híbrida que parecia possuir uma aura inexplicável, capaz de desestabilizar até mesmo os protocolos de sua programação.
A híbrida, percebendo que estava a um passo de assumir o comando, deixou transparecer uma calma inabalável. Seus olhos se fixaram nos do comandante enquanto ela suavemente estendia a mão, tocando delicadamente o braço dele. Seus dedos eram frios ao toque, mas a proximidade fazia o calor se intensificar.
“Comandante, não se sinta ameaçado,” murmurou ela, com uma voz que oscilava entre a doçura e o comando. “Sinto que há uma relutância em punir alguém que só busca a verdade.”
TXK, cuja mente funcional já havia sofrido um bloqueio sistemático em relação aos desejos carnais e emoções, lutava contra uma onda inesperada de sensações. O comando interno que o mantinha distante agora era corroído por um sentimento indefinido, que o fazia vacilar. O toque de JK-20 provocava algo nele que, por anos, ele julgara ter sido extinto por suas próprias mutações. Era uma resposta primitiva, uma pulsação acelerada que o lembrava de um tempo em que a emoção fazia parte de sua existência.
Ela continuou, aproximando-se ainda mais, até que sua face, com gotas translúcidas escorrendo, quase brilhava sob a iluminação tênue do corredor. Seus olhos, que oscilavam entre a determinação e uma vulnerabilidade calculada, pediram algo que ele relutava em conceder: a abertura do visor.
“Comandante, preciso ver seu rosto. Conversar com alguém oculto por trás de um capacete não me inspira confiança,” declarou ela, de forma sutil, mas firme.
TXK hesitou. Para sua proteção, ele sempre usara o capacete para evitar contaminações – tanto biológicas quanto de influências externas – mas algo na intensidade do olhar de JK-20 o impulsionou a um ímpeto raro. Com um movimento quase imperceptível, ele tocou o capacete e, relutantemente, deslizou o visor para o lado.
Diante de seus olhos, o rosto de TXK se revelou com detalhes surpreendentes. Sua aparência era inusitada: traços que mesclavam a masculinidade robusta com uma delicadeza incomum, uma mandíbula proeminente e lábios que, mesmo inexpressivos, sugeriam uma força interior. Seus olhos cinzentos encontraram os dela e, num rápido mapeamento mental, JK-20 percebeu a origem asiática em suas feições, evidenciando uma beleza que transcendia o comum dos autômatos. Um ser criado para ser eficiente, mas que carregava consigo a complexidade de um humano aprimorado.
No instante seguinte, TXK foi subitamente invadido por uma sensação estranha. O feromônio liberado por JK-20, combinado com a proximidade e o calor de sua pele, desencadeou uma reação que ele não podia ignorar. Seus sensores registraram um dilatar involuntário das pupilas, um sinal claro de que algo o afetava profundamente – algo que suas próprias mutações supostamente o imunizavam contra.
O comandante engoliu seco, o conflito interno evidente em cada linha de seu rosto. Ele sabia que, do ponto de vista lógico, a situação demandava uma abordagem fria e calculada; contudo, o efeito que JK-20 exercia sobre ele comprometia qualquer tentativa de retidão absoluta. Seus pensamentos se debatiam entre a necessidade de manter a ordem e o impulso inexplicável de se render àquela influência.
Percebendo a vulnerabilidade momentânea do comandante, JK-20 aproveitou a oportunidade. Seus olhos penetraram os dele, transmitindo uma mensagem silenciosa: ela não era a ameaça que ele imaginara ser, mas sim alguém que, de alguma forma, despertava nele sentimentos há muito enterrados. Sua presença era um convite à empatia, uma tentativa de reconciliação com uma humanidade perdida.
TXK, ainda com o visor aberto, permaneceu em silêncio por alguns instantes, o som dos próprios batimentos acelerados ecoando em sua mente. Finalmente, num ato de resignação e também de proteção, ele fechou o visor com um gesto decisivo, encerrando a conversa.
“A situação será reavaliada, JK-20,” declarou ele, a voz voltando lentamente ao tom habitual de comando. “Por ora, fique sob observação. Precisamos garantir que nada mais comprometa a segurança do complexo.”
Ela assentiu lentamente, mantendo o olhar fixo em TXK, sem demonstrar alívio nem resignação. Sabia que aquele breve momento de vulnerabilidade, de conexão inexplicável, poderia ser a chave para alterar o curso de seu destino e, talvez, o da própria civilização controlada. Ao se afastar, a tensão no ar ainda vibrava, como se ambos compartilhassem um segredo silencioso, algo que transcendia a mera lógica dos autômatos.
Enquanto JK-20 caminhava em direção à sala de contenção, onde aguardaria novas ordens, TXK permaneceu parado por alguns instantes, reflexivo. A influência dela havia despertado nele memórias e impulsos que ele há muito acreditara terem sido suprimidos. Por um breve momento, a fronteira entre homem e máquina pareceu se dissolver, revelando a complexidade de uma existência que, mesmo sob controle rigoroso, ainda guardava ecos de humanidade.
O corredor, antes palco de uma interrogatória fria e implacável, agora carregava vestígios de uma mudança sutil. TXK sabia que os próximos passos seriam decisivos, tanto para ele quanto para a híbrida. Algo em JK-20 sugeria que, por trás da fachada de servidão e obediência, residia uma força capaz de desafiar os próprios limites do sistema que eles habitavam.