Ela foi criada como um erro. Grávida, humilhada e rejeitada pela própria família, Isadora Monteiro já não tem mais nada a perder — exceto o filho que carrega. Mas quando ela bate à porta de Matteo Bianchi, o homem mais frio (e mais perigoso) da elite mafiosa, o que começa como um acordo de sobrevivência vira uma jogada letal. Um casamento por contrato. Uma proposta ousada. E uma promessa: ninguém sai ileso. Matteo quer vingança. Isadora quer o mundo em chamas. E juntos, eles vão transformar um casamento falso na sentença de todos que os feriram. “Você quer ser minha esposa, mesmo carregando o bastardo do meu primo? Pois então, queime com meu nome no dedo.”
Leer másPOV: ISADORA
O copo de cristal antigo rangia sob o pano de algodão, e Isadora limpava cada curva como se sua vida dependesse disso. Talvez dependesse.
A superfície translúcida refletia seu rosto, mas distorcido — o que ela mais reconhecia nele. Um olho mais largo, a boca fina puxada para o lado errado, o nariz achatado pelo ângulo do vidro. Ela olhou por alguns segundos, hipnotizada. Às vezes, era assim que se sentia: um erro de forma, uma presença deslocada no lugar errado.
Estava descalça. Os pés sujos pelo mármore lustroso da mansão Diniz. Suava sob a camisa branca de manga longa, que era dois números maiores e emprestada da lavanderia. Invisível — como sempre.
— Senhorita Isadora, a senhora quer que eu leve os vinhos agora? — perguntou o novo ajudante, um adolescente com olhos gentis e a camisa amassada.
Ela abriu a boca para agradecer, mas antes que qualquer som saísse, a governanta cruzou o salão com passos firmes.
— Não a chame assim — disse, ríspida. — Ela não é da família. Não confunda.
O garoto piscou, envergonhado, e não disse mais nada.
Isadora apenas assentiu, segurando o pano com mais força.
A mansão estava em silêncio cerimonial. Preparavam-se para um jantar de negócios — empresários importantes da alta sociedade paulistana viriam negociar investimentos com o patriarca, que agora vivia mais trancado no escritório do que na própria casa.
Mas Clarisse, como sempre, fazia questão de que tudo estivesse impecável.
O arranjo de flores no centro da mesa tinha sido trocado três vezes desde o início da tarde.
— Isso aqui está horrível. — A voz cortante de Clarisse invadiu o ambiente. Ela usava um vestido de seda lilás que parecia feito sob medida para seu corpo esguio. O perfume cítrico a precedia em todos os cômodos. — Eu pedi orquídeas brancas, não essa palhaçada de flores mistas. Quem aprovou isso?
Isadora deu um passo à frente.
— Fui eu, senhora. As orquídeas chegaram com as pétalas manchadas, e achei que…
— Achou? — Clarisse ergueu uma sobrancelha, sorrindo com desdém. — Se vai viver aqui de favor, ao menos sirva para algo. Não pagamos você para pensar.
Pagando? Isadora abaixou os olhos. Não disse nada. Nunca dizia.
A música clássica preencheu o ambiente antes mesmo que os saltos de Valentina batessem nos degraus. Era sempre assim — ela chegava com trilha sonora, como se o universo soubesse que precisava de atenção.
Valentina desceu as escadas como se desfilasse num tapete vermelho. O vestido dourado abraçava seu corpo como seda líquida. Os olhos castanhos estavam realçados com sombra dourada, os lábios perfeitos com um batom nude de revista.
— Meu amor! — Clarisse abriu os braços, a voz adoçando como um milagre. — Você está deslumbrante. Como sempre.
Valentina aceitou o elogio como uma rainha entronada. Seu olhar caiu sobre Isadora, que ainda segurava o pano com o copo reluzente.
— Ainda aqui? Pensei que tivessem mandado embora junto com os entulhos.
O coração de Isadora bateu seco no peito. Ela não respondeu.
— Ajude sua irmã a se arrumar — ordenou Clarisse, já se afastando. — E vê se não estraga o vestido com essas mãos de lavadeira.
No quarto de Valentina, o clima era pior.
A irmã se jogou diante do espelho de corpo inteiro e apontou para a bancada de maquiagem.
— Pega o iluminador. O dourado. Não o rosado. Se errar, eu te mato.
Isadora obedeceu.
— Aperta esse laço. Mais forte. Mais. Você é fraca até nisso?
Ela puxou com cuidado.
Valentina virou-se lentamente, os olhos fixos nela como lâminas afiadas.
— Não é cansativo viver onde ninguém quer você?
Isadora parou. A pergunta soou mais baixa, quase sussurrada, como se houvesse curiosidade genuína nela. Mas não havia.
— Eu… já me acostumei. — respondeu, tentando parecer neutra.
— Que triste — disse Valentina, com um sorrisinho satisfeito. — Eu não suportaria.
A cozinha estava quente e barulhenta. Isadora foi buscar os pratos quando ouviu as risadas abafadas de duas empregadas no canto.
— Você viu a cara que ela fez quando a dona Clarisse chamou de lavadeira? — disse uma, enxugando as mãos no avental.
— Dizem que ela é filha de uma prostituta. Uma daquelas de beira de estrada, sabe?
— Se fosse minha filha, já teria sumido faz tempo. Mas né… fingem que é da família só pra parecer bonitos na mídia.
O riso ecoou no azulejo.
Isadora fingiu não ouvir, mas as mãos tremiam tanto que quase deixou cair o prato.
A sala de jantar já estava cheia. Clarisse sorria e cumprimentava os convidados como se fosse a dama de Versailles. Valentina posava ao lado do pai, com um vestido novo, sorriso treinado e taça de vinho nas mãos.
Isadora passou com uma bandeja de canapés.
— Nova garçonete? — perguntou um dos empresários, franzindo o cenho ao vê-la.
Clarisse não hesitou:
— Não exatamente. É só uma… agregada.
Valentina riu, e Isadora sentiu o rosto arder. O orgulho latejava como um corte recém-aberto.
Já não conseguia respirar direito.
Afastou-se, recolhendo taças vazias, e parou atrás da divisória de vidro que separava a sala de jantar do hall. Foi ali que escutou.
Clarisse, com a taça na mão, falava com a sogra, Dona Celina — uma mulher com olhos de pedra e voz de funeral.
— Ela ainda está aqui por pena. Mas nem isso ela sabe agradecer.
— Devia estar é no orfanato — disse a velha, seca. — Bastarda ou não, ainda come melhor que muita gente.
Isadora não reagiu. Nem uma vírgula. Mas por dentro, algo se rompeu.
Deixou a bandeja sobre a bancada e subiu as escadas devagar, como se cada degrau a afundasse em lama.
No banheiro, trancou a porta, ligou a torneira, e encostou a testa no espelho. O vidro estava embaçado pela umidade. Ela inspirou fundo, a garganta presa.
— Eu vou sair daqui — sussurrou, para si mesma. — Nem que seja sangrando.
E pela primeira vez, não foi só um pensamento.
Foi uma promessa.
Matteo não queria soltá-la. Depois de tudo que enfrentaram, tê-la ali, viva, era como vencer uma guerra invisível. Mas Isadora, mesmo fraca, parecia inquieta.— E o bebê? — perguntou ela, a voz baixa, os olhos presos nos de Matteo. — Ele… como ele está?Matteo a segurou pela mão, com cuidado. Havia tanta coisa em seus olhos: medo, amor, cansaço.— Está estável. Firme como um Bianchi. Não se preocupa com ele agora. Você precisa descansar.— Eu quero ver ele. É meu filho…— Eu sei. E você vai. Mas o Dr. Álvaro disse que você precisa repousar antes de se levantar. Só um pouco mais. Por ele. Por você.Ela fechou os olhos, frustrada, mas sabia que ele tinha razão. Matteo roçou os lábios em sua testa.Pouco depois, o Dr. Álvaro entrou no quarto. Checou os sinais de Isadora, fez perguntas breves, anotou as respostas e, por fim, voltou-se para Matteo.— Posso falar com você lá fora?Matteo assentiu. Largou a mão de Isadora com delicadeza e saiu com o médico. No corredor, o cenário ainda era de
— Quando posso ver Isadora? — Matteo perguntou, a voz ainda rouca, mas mais firme que antes.O Dr. Álvaro ajeitou o jaleco, mantendo o olhar profissional, mas compreensivo.— Ela está sob observação intensiva. Ainda não pode receber visitas. Mas… se quiser, pode ver o bebê.Matteo apenas assentiu. O nó na garganta era grande demais para permitir palavras.Álvaro os conduziu por um corredor estreito e iluminado demais. Cada passo ecoava como se o mundo inteiro estivesse em suspenso. Rocco e Alessandra seguiam em silêncio, respeitando aquele momento. A tensão que antes dominava os três agora se misturava com algo mais sutil: esperança.O som agudo de um choro preencheu o corredor antes mesmo de chegarem à ala da UTI neonatal.Uma enfermeira de expressão gentil os recebeu. Trocou olhares rápidos com Álvaro, e então os guiou até uma grande parede envidraçada, onde se viam vários leitos com incubadoras.— Leito 04 — apontou, em voz baixa, indicando com o dedo através do vidro.Matteo se ap
Matteo encarou o Dr. Álvaro como se pudesse espremer dele um destino diferente.— O que quer dizer com “o bebê quer nascer”? — Sua voz era baixa, mas carregada de ameaça contida.— Significa que o corpo dela entrou em trabalho de parto. Forçado. E rápido demais — explicou Álvaro, com a calma de quem já lidou com piores. — Precisamos fazer uma cesariana de emergência. Agora. Mas há riscos. Para ela e para o bebê.Matteo prendeu a respiração.— Quais riscos? Fala claro.Álvaro ergueu os olhos do tablet que carregava.— Se houver hemorragia interna, ela pode não resistir. E o bebê está pequeno demais. O batimento está fraco. Vamos fazer tudo que pudermos. Mas… você precisa autorizar.Matteo pegou o tablet que o médico estendia. Seus olhos correram pelas linhas ali exibidas, mas pararam em uma parte que o fez empalidecer ainda mais: “risco de óbito materno e fetal”.O mundo pareceu congelar ali. O som dos passos, das vozes, tudo virou eco. Por um segundo, Matteo olhou para as próprias mão
O vento noturno cortava as laterais do prédio como navalha. Matteo, com Isadora nos braços, seguia atrás de Alessandra, que mancava visivelmente, mas não parava. A cada passo, ela soltava um gemido abafado, mas os olhos estavam fixos na próxima saída: uma garagem de apoio nos fundos, reservada para fornecedores.O pátio estava parcialmente iluminado por refletores de emergência. Matteo vasculhava o espaço com olhar tenso. Não podiam esperar. Ela não aguentaria.Foi quando a porta lateral se abriu com um tranco. Rocco surgiu, o rosto e a camisa manchados de sangue, a arma ainda na mão. Os olhos selvagens se suavizaram ao ver Alessandra e Matteo vivos. Atrás dele, com passos mais lentos, veio Magdalena Vilentini. Matteo a encarou, a desconfiança acendendo de imediato. Mas não disse nada.— Ajuda aqui — ordenou Matteo.Rocco se aproximou, e foi só quando chegou mais perto que Matteo notou a mancha crescente no ombro dele.— Droga, Rocco, você foi atingido?— Depois a gente vê isso — murm
Rocco girou o corpo com um gemido rouco, a mão pressionando o ombro atingido, sangue escorrendo entre os dedos. A bala não atravessara completamente, mas o impacto era o suficiente para desestabilizar qualquer um. Ele cambaleou por um segundo, mas não parou. O instinto era mais forte que a dor.As escadas estavam à sua esquerda, mas o caminho para a ala de serviço era mais promissor. Ele precisava alcançar Matteo, Isadora e Alessandra. Precisava garantir que tinham conseguido sair.Foi então que vozes alteradas ecoaram de uma das salas laterais. Rocco parou, encostando-se na parede. Escutou. Uma voz masculina, exaltada:— Dá a ordem logo, porra! Fala ou eu…O som de algo sendo arremessado. Um estalo de tapa. Um gemido feminino abafado. Rocco se moveu com cautela, espiando pela fresta da porta entreaberta. Dentro, Magdalena Valentini estava encostada na parede, o rosto sangrando, sendo pressionada por um homem armado que forçava um celular contra sua boca.— Dê a ordem!Ela resistia, m
— Todo mundo no chão! — alguém gritou, mas já era tarde.Um estampido seco rasgou o ar. Não foi um erro técnico. Não foi apenas o reflexo. O primeiro corpo caiu no centro do salão, colapsando com um baque úmido. Sangue jorrou da garganta perfurada de um garçom — ou seria um atirador disfarçado?O caos não pediu licença. Estourou como um estouro de manada faminta.Mesas se viraram. Vidros se despedaçaram. Mulheres gritavam em pânico. Homens corriam sem direção, outros se jogavam ao chão protegendo os próprios rostos.O som da fumaça misturava-se ao estalo dos tiros. O leilão de prestígio virava trincheira em segundos. Alianças que antes brindavam agora implodiam sob a pressão da sobrevivência.Rocco foi o primeiro a agir.— Alessandra! — rosnou, agarrando a cintura dela e empurrando ambos para trás de uma coluna de mármore.No exato instante em que se jogavam, um tiro estalou sobre suas cabeças, atravessando o espaço que Alessandra ocupava segundos antes. Rocco a cobriu com o corpo, o
Último capítulo