Contrato de Vingança: A Bastarda e o Herdeiro da Máfia
Contrato de Vingança: A Bastarda e o Herdeiro da Máfia
Por: Pann Ludovica
1: Onde Não Se Pertence

Capítulo 1: Onde Não Se Pertence

O copo de cristal antigo rangia sob o pano de algodão, e Isadora o limpava com uma precisão quase desesperada. Cada curva polida era um lembrete: se não fosse perfeita nos detalhes, seria invisível no todo. Talvez já fosse.

 A transparência do vidro refletia seu rosto, mas o distorcia como um espelho quebrado — um olho maior, a boca desalinhada, o nariz desfigurado pela curvatura. Às vezes, era assim que ela se sentia: um erro de perspectiva. Uma peça fora do lugar.

Descalça, os pés sujos sobre o mármore da mansão Diniz, ela suava dentro da camisa branca, larga demais, emprestada da lavanderia. Cada passo era um lembrete de que estava ali de favor. E, ainda assim, queria sumir menos do que queria pertencer.

— Senhorita Isadora, a senhora quer que eu leve os vinhos agora? — perguntou o novo ajudante, um garoto de olhos gentis e camisa amarrotada.

Ela mal abriu a boca para responder quando a voz da governanta cortou o ar como um chicote:

— Não a chame assim — disse, seca. — Ela não é da família. Não confunda.

O garoto corou. Isadora apenas assentiu, com os dedos firmes no pano. O silêncio que seguiu doía mais que qualquer palavra.

A mansão estava um teatro. Um jantar de negócios estava prestes a começar — empresários influentes da alta sociedade paulistana seriam recebidos com taças de cristal e sorrisos ensaiados. Clarisse, como sempre, fazia questão de que tudo estivesse perfeito até a crueldade.

— Que porcaria é essa? — a voz da matriarca soou no salão. Vestida em seda lilás, ela exalava poder e perfume cítrico. — Eu pedi orquídeas brancas. Isso aqui parece arranjo de funeral de periferia!

Isadora deu um passo à frente.

— As orquídeas chegaram manchadas, senhora. Então eu…

— Você pensou? — Clarisse cortou com um sorriso gelado. — Vai querer cargo de florista agora? Se vive aqui de favor, aprenda ao menos a calar a boca. Pensar é um luxo que você não pode se dar.

A humilhação caiu como vinagre aberto na pele. Mas Isadora baixou a cabeça. Era o que esperavam dela. Era o que ela fazia bem.

A música clássica preencheu o ambiente como um anúncio não verbal: Valentina estava chegando.

Ela desceu as escadas como uma deusa em desfile. Vestido dourado, maquiagem impecável, cabelos soltos em ondas que pareciam coreografadas.

— Meu amor — Clarisse sorriu com doçura artificial — você está divina.

Valentina aceitou o elogio como um tributo esperado. Seu olhar deslizou até Isadora e parou.

— Ainda aí? Pensei que já tivessem te mandado junto com o lixo.

Isadora não reagiu.

— Ajude sua irmã com o vestido — ordenou Clarisse, já virando as costas. — E limpa essas mãos primeiro. Não quero sujeira de criada no cetim.

No quarto de Valentina, o ar era mais espesso que o perfume.

— O dourado, não o rosado. Se errar, eu te afogo no iluminador — disse a irmã, estendendo a mão sem olhar para trás.

Isadora entregou o item certo. Amarrava o laço do vestido quando Valentina virou, os olhos cravados nela.

— Não cansa viver num lugar onde você é um erro ambulante?

A pergunta era suave, quase curiosa. Mas havia veneno no tom.

— Já me acostumei — respondeu, neutra.

— Que patético — disse Valentina, sorrindo. — Eu me mataria.

Na cozinha, o calor competia com o barulho. Isadora carregava pratos quando ouviu risadas abafadas.

— Você viu a cara dela quando a dona Clarisse chamou de lavadeira?

— Dizem que é filha de prostituta. Daquelas de estrada, sabe? Se fosse minha filha, já teria sumido do mapa.

Isadora fingiu não ouvir. Mas as mãos tremiam.

Na sala de jantar, Clarisse flutuava entre os convidados, distribuindo sorrisos como brindes. Valentina brilhava sob os holofotes imaginários, taça de vinho na mão, ao lado do pai.

Isadora passava com os canapés quando um empresário perguntou:

— Nova garçonete?

— Não exatamente — disse Clarisse, com um sorriso doce e cruel. — É só uma... agregada.

Valentina riu.

O sangue subiu ao rosto de Isadora. Doeu mais do que deveria. Mais do que ela admitiria.

Ela recuou, passou para o hall, e parou atrás da divisória de vidro. E ali, ouviu o que não deveria.

Clarisse, rindo com a sogra:

— Ainda está aqui por pena. Mas é ingrata até nisso.

— Devia estar num orfanato — respondeu Dona Celina. — Come como rica, vive como parasita.

Algo quebrou dentro de Isadora. Silenciosamente.

Ela largou a bandeja. Subiu as escadas como quem atravessa um campo minado.

No banheiro, trancou a porta, ligou a torneira e se encarou no espelho.

Não era só cansaço. Era ruptura.

— Eu vou sair daqui — sussurrou. — Nem que seja sangrando.

E pela primeira vez, não soou como lamento.

Soou como sentença.

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