Castidade de sangue

Castidade de sangue PT

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Última actualización: 2025-09-05
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Resumen
Índice

Filha de um pai fanático, cresci entre orações e castigos, entre a santidade da minha irmã e os desejos que eu nunca consegui silenciar. Durante anos, a fé distorcida que reinava dentro da minha casa foi meu maior cárcere. Eu acreditava que nada poderia ser pior do que viver sob o peso da culpa, dos sermões e da vigilância constante… até o dia em que fui sequestrada. De repente, meu mundo de penitência e silêncio se transformou em um abismo de medo, dor e tentação. Agora, entre mãos que me prendem e olhos que me devoram, não existe mais certo ou errado. Existe apenas sobrevivência. E, no meio da escuridão, descobri algo ainda mais perigoso: a tentação de ceder. De me perder. De me entregar. Principalmente depois dele… Luka.

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Capítulo 1

Primeiro pecado

Talvez meu primeiro pecado tenha sido nascer.É um pensamento exagerado. Até mesmo doentio. Mas quando se cresce numa casa onde até o jeito de andar pode ser uma ofensa a Deus, você começa a se perguntar se a sua própria existência não é uma afronta.

Às vezes, eu me pergunto se Deus me queria mesmo aqui. Ou se ele só me aturou.

A primeira vez que pensei isso, eu tinha doze anos. Mas foi anos depois aos dezessete que esse pensamento ganhou gosto de verdade, com gosto de beijo amargo e sal de lágrima.

— E aí, vai querer ou não? — A voz dele soou impaciente, como se eu estivesse atrasando o cronograma dele. Rafael, o garoto mais babaca do colégio, bonito demais para o seu próprio bem, estava encostado na estrutura de ferro da arquibancada como se fosse o dono do lugar.

Meu coração pulou no peito, mas não por ele. Por mim. Pelo pavor. Pelo desejo de não ser uma aberração.

Respirei fundo, tentando parecer segura. Como as meninas da minha sala, que falavam de “ficar” com a mesma naturalidade com que pediam um lápis. Meninas que cochichavam sobre mim nos corredores:

“Ela nunca beijou ninguém, sabia?”

“Deve ser virgem até hoje, credo.”

“Com aquele pai? Capaz de rezar dez ave-marias se alguém encostar nela.”

Talvez beijar o Rafael fosse minha chance de ser um pouco mais normal. Mesmo que fosse só por alguns minutos. Mesmo que ele fosse um idiota.

— Quero. — disse, e minha voz falhou no meio da palavra. Engasguei na garganta. Arregalei os olhos, tentando disfarçar, mas ele soltou um riso curto, sarcástico.

— Então vem logo.

Aproximei-me devagar, com o estômago embrulhado. O cheiro de madeira úmida e suor adolescente me envolveu. O coração parecia um tambor dentro do peito, tão alto que eu mal ouvia meus pensamentos. Estávamos embaixo da arquibancada vazia, durante o intervalo da tarde, escondidos de tudo ou pelo menos era o que eu esperava. Ele não hesitou. Não perguntou se eu estava pronta. Só puxou meu rosto com uma mão meio áspera e encaixou a boca na minha.

Foi horrível. Primeiro, a gente bateu os dentes. Literalmente. Um estalo seco que me fez arregalar os olhos.

— Porra — ele murmurou, impaciente, se afastando meio centímetro. — Abre a boca direito.

Senti o rosto esquentar até as orelhas. Assenti com a cabeça, muda. Dessa vez ele foi com mais força. A língua dele entrou como um invasor na minha boca. Eu não sabia o que fazer com a minha. Era como se todo o meu rosto estivesse no lugar errado. Tentei imitá-lo, mas era estranho. Eu me sentia uma fraude. Como se estivesse usando um corpo que não era meu.

As mãos dele apertaram minha cintura. Desceram um pouco. Uma delas passou pela minha barriga e parou ali, na cintura do uniforme. Um arrepio me percorreu a espinha, mas não foi daqueles bons. Foi de nervoso. Vergonha. Fiquei ali, imóvel, tentando parecer envolvida.

Mas a verdade era que eu só queria que acabasse logo.

“Finge que gosta. Finge que é normal. Finge que é como as outras.”

Talvez tenha sido aí que percebi que a pior solidão é a que você sente mesmo com outra pessoa colada em você.

Rafael se afastou, enfim. Lambi os lábios instintivamente, tentando entender se era isso que todo mundo dizia ser tão bom.

— Tá vendo? Nem doeu. — ele disse, dando um sorriso torto e se ajeitando como se tivesse vencido uma aposta.

Eu ia responder alguma coisa, talvez um “é” sem graça, quando escutei o som. Saltos apressados contra o chão. Um eco seco. E a voz.

— Isabel?!

Foi como um raio. Me virei num susto, o coração despencando. A professora Sandra estava parada ali, os olhos arregalados, o rosto contorcido entre indignação e prazer. Ela adorava pegar os outros fazendo merda.

— Pra diretoria. Agora. — fala bruscamente em um sussurro áspero.

Rafael bufou. Deu de ombros. Eu abaixei a cabeça e fui. Era sempre assim. Eu cometia o pecado, e o mundo fazia questão de me lembrar disso. Com testemunhas.

A sala da diretora era fria. Silenciosa demais.

As paredes bege, o crucifixo acima da porta, o cheiro de café morno e papel… Tudo contribuía para a sensação de julgamento iminente. Eu estava sentada ao lado de Rafael, com as pernas juntas, as mãos cruzadas no colo e o olhar grudado nos próprios sapatos. Ele estava relaxado. Encostado na cadeira como se estivesse esperando um ônibus. De vez em quando mexia no celular, ignorando completamente o que aquilo significava pra mim. E pra minha família.

A diretora Sandra não disse muito. Só olhou para nós com aquele semblante de quem já viu isso acontecer mais de cinquenta vezes naquele semestre.

— Vou chamar os responsáveis. Precisamos conversar todos juntos. — ela disse, tirando os óculos e esfregando a testa. — É uma escola confessional, senhores. Vocês sabem o que isso significa.

Rafael soltou um suspiro entediado. Eu queria evaporar. Quis até argumentar e implorar para não chamar meus pais, mas sabia que não havia salvação para a minha causa.

Trinta minutos depois, eles chegaram. Os pais de Rafael entraram primeiro. Uma mulher bem arrumada, maquiagem sutil, cabelo em coque baixo. Um homem de camisa social azul-clara, o blazer pendurado no antebraço. Eles pareciam mais constrangidos por estarem ali do que bravos com o filho.

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