O som da chuva era um tambor surdo sobre o teto do carro. Cada batida parecia cravar ainda mais a ansiedade na pele de Isadora, enquanto o mundo além das janelas se dissolvia em borrões cinzentos. O motor zumbia de maneira constante, preenchendo o silêncio espesso entre ela e Matteo.Ela mantinha as mãos unidas no colo, os dedos entrelaçados com força para evitar que tremessem. Cada respiração era medida. Cada batida do coração, uma contagem regressiva para algo que ela não conseguia controlar.Matteo dirigia como se nada pudesse tocá-lo. Nenhuma hesitação, nenhum sinal de tensão. Era como um navio cortando mares revoltos sem alterar o curso.Por trás da máscara de calma, Isadora sabia: ele era tão perigoso quanto o que a esperava do outro lado.Pelo retrovisor, os olhos cinza-escuros dele a fitaram por um breve instante. Havia algo ali — uma percepção afiada, uma expectativa muda.Quando ele falou, a voz foi firme, cortando o ar pesado do carro.— Não abaixe a cabeça. Nem para ela.O
A chuva havia parado quando o carro retornou à mansão dos Diniz, mas o mundo parecia ainda mais cinzento do que antes.Isadora desceu com passos contidos, o vestido colado ao corpo pela umidade do ar. Os portões se fecharam atrás dela com um estalo pesado — um som que mais parecia uma sentença. Dentro da casa, a luz dourada dos lustres lançava sombras traiçoeiras sobre as paredes. E logo na entrada, como se tivesse esperado a oportunidade perfeita para atacar, Clarisse apareceu.— Onde você estava? — a voz dela soou doce como veneno. — Fugiu pra rodar bolsinha na rua?Os olhos de Isadora cruzaram os dela. Não tremeram. Não vacilaram.— Fui apenas… respirar.Clarisse apertou a boca numa linha fina, mas não respondeu. Apenas se virou, o robe de seda esvoaçando, como se Isadora fosse indigno até para um insulto completo.O som de saltos apressados ecoou no corredor. Valentina surgiu com a energia de quem se achava a dona do mundo. Até ver Isadora.Ela parou no meio do caminho, o sorriso
O corredor estava mergulhado em sombras. A mansão parecia respirar devagar, como se o próprio ar tivesse ficado mais pesado desde o anúncio do noivado.Isadora caminhava em passos lentos, tentando alcançar o quarto, o corpo ainda tenso do jantar. Cada centímetro da pele parecia carregado de olhares, de sussurros venenosos que não precisavam ser ditos para serem sentidos.Foi então que uma mão forte agarrou seu braço. O choque fez seu coração tropeçar. Enzo.O rosto dele, vermelho de ódio, apareceu a centímetros do dela. O hálito quente misturado com álcool bateu em seu rosto.— Você acha que se metendo com o Matteo vai apagar o que é? — ele rosnou, tão baixo que mais parecia um animal prestes a atacar. — Você sempre vai ser uma aberração, Isadora. Sempre. Vai se arrepender de ter jogado sujo desse jeito.— Jogado sujo? E o que você fez comigo?— O que fiz a uma com você, Isadora? Apenas te mostrei algo que você nunca teria. Uma imunda como você.Ela tentou se soltar, mas o aperto só a
O portão se fechou atrás dela com um estalo metálico. Isadora desceu do carro com uma mala pequena numa mão e o coração apertado na outra. A mansão dos Bianchi se erguia diante dela, majestosa e fria, envolta por colunas de mármore e jardins perfeitamente moldados. Cada centímetro daquela construção parecia gritá-la de volta: você não pertence aqui.Matteo já a aguardava na entrada.Vestido com um terno cinza-escuro, sem gravata, ele parecia parte da própria mansão — sólido, impenetrável, inabalável. Não havia calor no olhar que pousou sobre ela. Nem raiva. Nem compaixão. Apenas avaliação.— Bem-vinda — disse ele, com a cortesia gelada de quem apresenta uma cela de luxo a um prisioneiro.Isadora subiu os degraus, o salto ecoando contra o mármore, e passou pela grande porta dupla. O interior da casa era ainda mais impressionante: pisos polidos refletindo a luz dos lustres importados, paredes forradas com obras de arte discretas e corredores longos como labirintos silenciosos.Era lindo
A mansão dos Bianchi era um organismo vivo — respirava pelas paredes, murmurava pelos corredores. E agora, parecia observá-la, cada canto ecoando o que ela queria desesperadamente esconder.Isadora caminhava com cuidado, tentando agir normalmente. Cada passo era medido, cada gesto calculado para não chamar atenção. Mas o corpo a traía — os enjoos vinham em ondas discretas, a cabeça latejava, as mãos suavam. Ela passava reto pelos empregados, fingindo ser invisível, mas sabia: estavam de olho.Uma mulher parada no final do corredor — a governanta — observava com a neutralidade fria de quem julga sem precisar falar.Preciso avisar Matteo antes que seja tarde.Isadora acelerou o passo. Subiu as escadas até o andar superior, onde ficava o escritório dele. Bateu na porta, duas vezes.Nada. Tentou de novo.Foi então que um empregado surgiu, com a expressão vazia de sempre.— Senhor Bianchi não está na casa.O vazio na resposta fez seu estômago afundar. O aviso veio pouco depois.— A senhora
O cheiro da mansão parecia diferente naquela manhã — não era só o aroma discreto das flores caras ou do chão recém-encerado. Era algo mais denso. Como se as paredes respirassem com raiva contida.Isadora desceu os degraus com passos medidos. Cada batida de salto no mármore parecia ecoar mais alto do que deveria. Ela sabia que estavam esperando por ela.Benedetta a aguardava sentada no centro da sala de reuniões, cercada pelos vultos silenciosos dos empregados e do cheiro sufocante de poder envelhecido.A velha não perdeu tempo.— Eu não sou idiota, garota. Isadora engoliu em seco, e não ousou interromper a senhora com olhar de águia.— Mas aceitarei essa gravidez — declarou, como se falasse de um tumor que ainda poderia ser removido.Isadora manteve a cabeça erguida, mesmo sentindo o coração vacilar.— Você se portará como uma Bianchi — continuou Benedetta, cada palavra gotejando veneno. — Cada passo, cada olhar, cada respiração será vigiada. Um único deslize... e você e essa criança
O café da manhã parecia uma armadilha silenciosa. Isadora atravessou o salão de jantar sentindo olhares atravessarem sua pele como pequenos cortes invisíveis. Cochichos abafados flutuavam no ar, misturados ao tilintar distante da prataria. As cabeças se inclinavam sobre celulares, e o peso dos julgamentos a seguia a cada passo, como lâminas prestes a abrir novas feridas.Sentada à mesa, com Dona Benedetta à frente, o silêncio era cortante. A matriarca nem precisou falar — apenas fez um gesto com a mão, e o empregado se aproximou, estendendo o celular para Isadora com uma reverência cruel.O vídeo começou a rodar sem aviso.Imagens da festa: Isadora isolada, trechos cuidadosamente editados para mostrar seu desconforto como vulgaridade. Risos distorcidos. Comentários nojentos correndo embaixo da tela como feridas abertas. "A bastarda dando o golpe." "Subiu na vida pelo ventre."O estômago dela se revirou violentamente. O gosto amargo da vergonha subiu pela garganta, queimando a boca sec
O silêncio da manhã foi cortado pela ordem seca de Matteo. Ele convocou Isadora ao escritório, o rosto impassível, os olhos mais frios que a lâmina de uma faca. Sem rodeios, largou um envelope diante dela.— Você precisa se portar como minha esposa. E isso exige mais do que boca fechada — disse, sem levantar a voz, mas cada palavra carregava o peso de uma sentença.Isadora abriu o envelope com dedos tensos. Dentro, um cronograma milimetricamente organizado: aulas de postura, dicção, comportamento. Dias e horários inflexíveis.— Pontualidade é respeito. Atraso é vergonha — ele finalizou, recostando-se na cadeira com uma calma assustadora.Ela tentou protestar, o peito inflamado pela humilhação, mas Matteo apenas a cortou com um olhar.— Você aceitou o contrato. Agora vai honrá-lo.Sem espaço para argumentos, Isadora deixou o escritório, cada passo ecoando como um lembrete do preço que pagava.***A primeira aula com Alessandra foi uma execução pública disfarçada de treinamento. A advog