Aniversário

Eu estava quase passando pela porta da sala quando senti aquela voz atrás de mim, grave, seca, meio irritada, que sempre me tirava do eixo.

— Fugindo de mim, Isabel?

Eu congelei. Virei devagar, as bochechas ardendo. Ele estava ali, com aquele sorriso sacana, do tipo que irrita mesmo sem querer.

— Eu… não é isso, eu só… — Eu tentei explicar, mas as palavras falharam. Eu não sabia nem o que falar.

— Tá, tá. — Ele deu um passo mais perto, aquela impaciência de quem quer logo acabar com a enrolação. — Mas sério, você vai continuar se escondendo assim? — Rafael segurou a mochila com apenas uma mão me encarando. — Todo mundo já está falando sobre você, sabia? Aquela história na secretaria… virou o assunto do colégio inteiro.

Eu baixei a cabeça, sentindo o rosto queimar. Era verdade, eu já via as pessoas olhando torto, cochichando atrás das minhas costas. Eu queria desaparecer.

— Eu não quero mais problema, Rafael… — murmurei, as mãos trêmulas.

Ele franziu a testa, mais por impaciência do que por preocupação.

— Então para de se esconder. — E num gesto inesperado, passou a mão devagar no meu rosto, tirando um fio de cabelo loiro que caía nos meus olhos. Aquele toque não era gentil, era calculado, como se ele estivesse dizendo: “Eu decido o que é bom pra você”. — Vai ser bom ter um momento sozinho com você, só pra você se divertir um pouco. As coisas estão meio tensas por aqui. — Ele enfiou uma mão no bolso e me olhou. — sábado vai ser tranquilo.

Eu engoli seco, hesitando. — Mas… meus pais… eu tô de castigo… Não posso sair, não vou arrumar mais confusão.

Ele sorriu de um jeito que misturava paciência falsa e provocação.

— Seus pais são rígidos, eu sei. Mas a festa é na casa de um amigo, a família dele é da igreja também. Eles vão entender. E a Clara foi convidada, eu pedi para a irmã dele dar um empurrãozinho. — ele inclinou a cabeça pra me olhar de cima a baixo, quase desafiando —. Se você levar a Clara, ninguém vai reclamar.

Minha mente girava em mil direções. Eu queria ir, precisava ir, provar pra mim mesma que eu podia ser normal, que não era aquela menina estranha que todos evitavam. Mas o medo do castigo, da repreensão da minha família, e a vergonha esmagadora me seguravam.

— Eu não sei, Rafael… — comecei, insegura.

Ele deu uma risadinha e puxou meu rosto com mais firmeza, me fazendo olhar nos olhos dele.

— Vai lá. Você merece isso, Isabel. E eu também quero te ver sorrindo de verdade.

Fui incapaz de resistir. O toque, o tom dele, o jeito como ele me olhava… tudo me fez ceder.

— Tá bom. Eu vou… mas só se a Clara for. Vou tentar convencê-la.

Ele soltou uma risada baixa, satisfeita.

— Ótimo. Até sábado, então.

Enquanto ele se afastava, eu senti o peso daquela decisão cair em cima de mim. Não era só a festa. Era tudo o que ela representava: a chance de ser quem eu queria ou de continuar presa naquilo que eu realmente era.

**

— Vocês podem ir — disse meu pai, com a voz seca, como quem estava fazendo um grande sacrifício. — Mas só porque a Clara não pode ir sozinha. E porque a festa é na casa de uma família decente. Gente que segue a palavra. Eu conheço a mãe da menina. Vai na igreja todo domingo.

Meu corpo inteiro ficou tenso. Tentei não demonstrar. Era exatamente essa desculpa que eu tinha planejado.

— Quero vocês em casa às sete da noite. Sete. Nem um minuto depois. Entenderam?

Clara e eu assentimos ao mesmo tempo. Em silêncio. Eu quase podia sentir a batida do meu coração ecoar nos meus ouvidos.

— Ao se arrumarem, nada de maquiagem. Nada de roupas provocantes. Nada de se afastarem uma da outra. E Isabel… — ele fixou os olhos em mim. O nome soou como uma acusação. — Você ainda está de castigo. Só estou permitindo isso porque sua irmã precisa de alguém com ela. E se eu souber de qualquer coisa errada, você nem imagina o que vai acontecer.

— Sim, senhor — murmurei, mantendo a cabeça baixa.

Minha mãe estava sentada, como sempre, em silêncio. Os dedos trêmulos no colo eram o único sinal de inquietação. Ela nunca interferia. Nunca se opunha.

Minutos depois, já estávamos arrumadas e na rua. O calor do início da tarde fazia o asfalto tremer ao longe. Pedalávamos lado a lado, nossas bicicletas rangendo discretamente, como se também estivessem com medo de chamar atenção.

— Por que você insistiu tanto pra eu ir nessa festa? — Clara perguntou, franzindo o nariz contra o sol. — Eu nem queria ir. Nem conheço a Gabi direito. Só vi ela duas vezes e nem nos falamos.

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