Isadora Riveira acreditava ter tudo sob controle: uma carreira sólida, um relacionamento estável e o sonho prestes a se realizar no apartamento que comprou com tanto esforço. Mas no dia do aniversário do namorado, a surpresa planejada se transforma em pesadelo: ela o flagra com outra — na cama dela. Pior ainda: descobre que, com uma assinatura ingênua, transferiu o imóvel para o nome dele. Fugindo do caos, Isadora atropela um homem em meio à chuva. Bonito, bêbado e misterioso, ele desperta nela uma inesperada faísca — um momento de fuga, uma noite que não deveria significar nada. Até que, na manhã seguinte, ela descobre que o estranho da noite anterior é Sebastian Montenegro, novo herdeiro da empresa onde trabalha... e seu novo chefe. Filho ilegítimo e improvável sucessor, Sebastian carrega suas próprias feridas, recém-chegado de um luto que pouco lhe pertence. Ele não esperava encontrar a mulher que o acolheu na pior noite de sua vida — muito menos tê-la como sua assistente. Agora, presos entre o passado recente e os limites do presente, Isadora e Sebastian precisarão lidar com verdades, segredos e uma atração que insiste em crescer... mesmo quando tudo parece conspirar contra. Entre escândalos, segredos corporativos e uma relação que começou pelo fim, existe algo que talvez nem os dois saibam como controlar: o próprio coração.
Ler maisA chuva engrossava quando desci do carro segurando o bolo com as duas mãos, tentando proteger a caixa do vento e das gotas impiedosas. O guarda-chuva, preso entre o ombro e o queixo, ameaçava voar a cada passo, mas eu me recusava a deixar qualquer coisa estragar a noite. Era aniversário do Henrique, e mesmo com a cidade inteira desmoronando sob um temporal, eu queria que ele se sentisse celebrado.
Tinha saído do trabalho mais cedo do trabalho. Houve um funeral. O herdeiro do presidente da empresa havia falecido. Aproveitei, de um jeito meio egoísta, para celebrar a vida do meu namorado, o que era irônico e trágico ao mesmo tempo. O plano era simples: bolo de chocolate com recheio de brigadeiro, o favorito dele; uma camisa social azul-marinho com uma gravata combinando — tudo bem dobrado na sacola da loja — e algumas bexigas que eu pretendia encher antes que ele chegasse. Nos últimos meses, a vida andava difícil. Henrique perdeu o emprego e dizia que o mercado estava cruel, que ninguém queria contratar alguém “com o perfil dele”. Eu tentava não deixar o desânimo dele me contagiar. Repetia para mim mesma que era só uma fase. Afinal, vivíamos juntos há três anos. E não era esse o propósito do amor? Ser refúgio. Segurar a onda. Ajudar a remar quando o outro cansasse. Ele sempre dizia que, assim que estivéssemos mais estáveis, me pediria em casamento. Então eu continuei acreditando. Investi no nosso apartamento — meu apartamento — com a certeza de que estávamos construindo algo juntos. Assim que cheguei ao prédio, ainda tentando não deixar o bolo despencar do meu colo enquanto apertava o elevador, sorri com a expectativa de surpreendê-lo. A essa hora, ele provavelmente ainda estaria na academia ou no barzinho com os amigos. Tinha tempo de encher as bexigas, acender uma vela e preparar o quarto com as velas perfumadas. A intenção era clara: termos uma noite romântica. Assim que abri a porta do apartamento, senti o cheiro. Não era meu perfume. Tampouco o de Henrique. Era algo doce e enjoativo, uma fragrância que parecia artificial demais, como se estivesse tentando forçar alguma coisa. Fechei a porta devagar. O silêncio da casa, por um segundo, me pareceu cúmplice. Caminhei devagar até o corredor, os sapatos molhados faziam pequenos ruídos contra o piso. Meu coração acelerou, primeiro pela desconfiança, depois pelo som. Um barulho abafado vindo do quarto. Risos? Vozes? Apertei a caixa do bolo contra o peito. A maçaneta girou sob minha mão molhada. E então, abri a porta. Henrique estava nu. Nu, com uma mulher loira montada sobre ele, como se estivessem em plena celebração. A garota me olhou com um susto teatral. Nada nela parecia real: o cabelo excessivamente loiro, o bronzeado artificial, o corpo montado como se tivesse saído de um catálogo — tudo plástico e vulgar. O bolo caiu no chão, como se ele fosse apenas um intruso naquele momento. — Filho da p...! — gritei, sem pensar, sentindo meu sangue ferver de um jeito que nunca havia sentido antes. Henrique tentou cobrir a garota com o lençol, com os olhos arregalados, mas não disse nada. Eu avancei. — Sua vagabunda! — rosnei, indo na direção dela. — O que você faz na minha cama? A garota se encolheu atrás dele, como se estivesse no direito de se proteger, como se fosse a vítima. — Para, Isa! — ele disse, erguendo as mãos. — Para com isso! — Isso? Você chama isso de “isso”? — gritei. — Você tá transando com outra mulher na nossa cama! — Calma. Vamos conversar. — Ele começou a levantar, procurando uma cueca que não achava. — Não é bem assim... — Saia do meu apartamento. Os dois. Agora. Henrique hesitou. Olhou para a mulher, depois para mim, como se não entendesse o que eu estava pedindo. — Eu... eu não vou sair. — Como é? — Minha voz ficou aguda, trêmula. — Você... você está me dizendo que não vai sair do meu apartamento? É isso? Ele me encarou com uma calma perturbadora. — Isa, esse apartamento é meu. Você passou ele pro meu nome. Você assinou os papéis, lembra? Fiquei muda por um segundo. — Você tá delirando? Eu nunca faria isso. Ele deu um passo à frente, pegou uma camiseta no chão. — Aqueles papéis que você assinou... eu disse que eram pra abrir aquela startup. Você não leu. Só assinou. Minha cabeça começou a girar. Eu assinei. Uma pilha enorme. Ele disse que era uma formalidade, que precisava de crédito, que queria empreender. E eu, como uma idiota apaixonada, quis acreditar, apoiar. Quis ajudar o homem com quem eu pretendia casar. — Você me enganou... — minha voz saiu quase num sussurro. — Você me enganou, Henrique. — Foi só uma transferência. A gente ia casar de qualquer forma... — CALA A BOCA! — gritei. A raiva tomou conta, mais forte do que qualquer dor. — Eu vou contratar o melhor advogado que existir nesse país e vou tirar você daqui, nem que eu tenha que vender minha alma! Ele me olhou com o mesmo olhar de sempre — frio, calculista, como se estivesse sempre um passo à frente. Não esperei mais. Peguei minha bolsa, minha dignidade em pedaços, e saí batendo a porta, pisando nos restos do bolo que se esparramaram pelo chão como se fizessem parte do estrago. Chovia ainda mais forte quando cheguei à rua. E eu chorei junto. Não sabia para onde ir, só sabia que precisava sair dali. Que precisava respirar longe daquilo tudo. Eu não tinha mais casa. Não tinha mais amor. E não sabia se ainda tinha a mim mesma. A chuva sussurrava no para-brisa, insistente, sem sinal de trégua. Liguei os limpadores, mas parecia inútil: meus olhos viam tudo embaçado, não pela água, mas pelas lágrimas que não paravam de cair. Eu dirigia sem rumo, sem destino. Só queria fugir. Do cheiro daquele quarto. Da imagem da traição. Da dor que latejava no fundo do peito como uma faca cravada e girando. Minha respiração vinha aos trancos. Eu soluçava, afogada na própria raiva. Gritei dentro do carro, sozinha, como uma tentativa tola de desabafar com o vazio. Só que o vazio não responde. O vazio apenas ecoa o que você perdeu. Quando saí da avenida principal, tudo pareceu ainda mais confuso. Luzes piscavam, o asfalto refletia o vermelho dos faróis e o amarelo dos semáforos como uma pintura borrada. E então, aconteceu. Um vulto. Um corpo. Um impacto que me fez frear com tudo.Isadora Ainda sinto a corda queimando meus pulsos. Meus dedos estão dormentes, mas tento mexê-los o tempo todo para não perder a sensibilidade. Perdi a conta de quantas vezes cochilei e acordei de novo, a mente enevoada pela escuridão, pelo cansaço e pelo medo que não dá trégua. Não sei se já se passaram horas, um dia, dois… aqui dentro, sem nenhuma referência, o tempo se dilui e tudo o que resta é a incerteza. Kaisen acordou há algum tempo. Quando abriu os olhos, fiquei aliviada, mesmo que não disséssemos nada por longos minutos. Eu o vi engolir seco, avaliando a situação como bom segurança que é, mas também como homem que entende que estamos numa enrascada. Ele tenta puxar as cordas dos pulsos contra a madeira, busca brechas, calcula cada movimento. Mas até agora não conseguimos nada. De vez em quando, alguém desce aquelas escadas curtas com passos pesados. Máscara no rosto, voz abafada, nunca dizem uma palavra. Trazem uma garrafa d’água e algum pão velho, jogam no chão com
Isadora Acordar não foi um processo simples. Era como se minha mente estivesse nadando contra uma maré pesada, toda tentativa de abrir os olhos sendo vencida por um peso invisível. Quando finalmente consegui, a claridade era quase nula, apenas um fiapo de luz escorrendo de algum ponto que eu não identificava. O teto baixo e sufocante denunciava que eu não estava em nenhum lugar familiar. Levei alguns segundos até perceber a pressão em meus pulsos. As mãos estavam presas, amarradas com força, a corda mordendo minha pele cada vez que eu tentava mover os dedos. Minhas pernas também, presas de um jeito que eu mal conseguia arrastar os joelhos no chão. Um pânico frio começou a me percorrer antes mesmo que eu entendesse o que tinha acontecido. Virei o rosto com esforço, tentando procurar qualquer pista. Foi então que o vi: Kaisen, caído a poucos metros de mim. As mãos e os tornozelos dele também estavam amarrados, e o corpo parecia pesado, inerte. Ele ainda não tinha despertado. Meu
Sebastian O carro freia diante da cafeteria, e meu peito aperta de um jeito que me faz sentir falta de ar. Bart e os seguranças descem comigo, todos atentos, mas é como se o barulho da rua desaparecesse. Só consigo pensar que Isadora esteve aqui. Que ela estava perto, ao alcance, e agora não está mais. O gerente tenta nos despachar com respostas evasivas, alegando regras de privacidade, que só com mandado judicial… Eu quase perco a cabeça, mas me seguro. Não posso arriscar nada. Pego o telefone, faço uma ligação rápida para um policial amigo de Eduardo, alguém em quem conseguir alguma coisa ali, e em menos de meia hora ele chega. A presença dele muda tudo. O gerente, contrariado, nos leva até a salinha abafada onde as câmeras de segurança transmitem as imagens em preto e branco. — Aí — aponto para a tela, meu coração disparando. — Aí está ela. Isadora aparece sentada em uma das mesas, com um café à frente, os cabelos soltos caindo sobre os ombros. O detalhe que me faz qua
Isadora Saí de casa com o coração em ebulição, como se os meus passos fossem alimentado pelo combustível da raiva. A manhã mal tinha começado e já estava com a paciência em frangalhos. Dispensei Bart assim que o vi se aproximar, porque sei que cada movimento meu é relatado a Sebastian, e hoje eu simplesmente não tinha estômago para isso. Deixei apenas Kaisen ao meu lado, o segurança que fala pouco e faz exatamente o que se espera dele: garantir que eu não fique vulnerável. Quando chego à empresa, ainda sem ter tomado café da manhã, mal coloco os pés na entrada e uma mulher se aproxima. Alta, elegante, segura de si. Seu português é limpo, mas percebo o sotaque inglês que escapa em algumas palavras, como se ela tivesse treinado muito até soar quase natural. Os olhos claros me encaram com uma mistura de ansiedade e firmeza. — Isadora Riveira Montenegro? — pergunta, num tom que me soa quase íntimo. Confirmo, desconfiada, e antes que eu tenha tempo de perguntar quem ela é, ela m
Sebastian No lounge do aeroporto, tento me concentrar nos anúncios do painel, mas as letras parecem se embaralhar. As conversas em inglês ao meu redor são só um ruído abafado. A única coisa que ocupa minha mente agora é Isadora Acabo de ligar para Bart, depois de reforçar pela terceira vez que não desgrude nem por um segundo dela e de Enrico. Ele me garantiu que está tudo sob controle, que os seguranças seguem atentos, mas ainda assim não consigo afastar a sensação de que algo pode escapar por entre os dedos. Agradeço e encerro a ligação, mesmo sabendo que essa inquietação não vai me abandonar. Danilo, sentado à minha frente, mexe no celular com calma. Levanta os olhos para mim, atento. — E agora, o que fazemos? Solto um suspiro cansado, passando a mão pelo rosto. — Nós conseguimos as informações principais. Não faz sentido eu ficar aqui mais tempo. Preciso voltar para o Brasil. Ele me analisa por um instante, a expressão pragmática de sempre. — Então volte. Eu fi
Sebastian Londres sempre me provoca a mesma sensação de estar no centro de algo maior que eu. O frio cortante, as ruas cinzentas, o movimento apressado das pessoas que parecem não olhar para o lado… tudo me traz uma memória confusa, como se eu já tivesse vivido mais de uma vida nesse lugar. A lembrança de um pub antigo, de uma noite fria e solitária, quando alguém me confundiu com outra pessoa, volta à minha mente como uma fotografia amarelada. Naquele dia, ignorei. Hoje, sinto que talvez tenha sido o primeiro sinal de que havia muito mais por trás dessa semelhança incômoda com Louis Beaumont. Estou no quarto do hotel, sentado na poltrona perto da janela, o celular na mão. A tela iluminada me desafia. Escrevo e apago a mesma mensagem para Isadora umas três vezes, sem coragem de enviar nada. No fundo, sei que ela está magoada, e não consigo decidir se minha presença constante só piora as coisas ou se minha ausência a enfurece ainda mais. Bart me contou que Eduardo esteve na nossa
Último capítulo