Oi, estranho!

Acordei no meio da madrugada com o quarto mergulhado em penumbra e o som constante da chuva ainda tocando as janelas. Por um instante, não me lembrava onde estava, até virar a cabeça.

  Ele dormia ao meu lado, de lado, com o braço sob a cabeça e o rosto parcialmente coberto pelo lençol branco. A respiração era profunda, serena. E mesmo dormindo, havia algo nele... uma presença sólida, impossível de ignorar.

  Não sabíamos o nome um do outro.  Ele sequer perguntou o meu, e eu não perguntei o dele.

E talvez tenha sido melhor assim.

  Não havia promessas ali. Não havia continuidade. Só dois corpos que, por algumas horas, encontraram consolo um no outro.

  Sentei-me na beira da cama, respirei fundo, e comecei a recolher minhas roupas espalhadas pelo chão. A blusa ainda estava úmida da chuva. A calcinha enroscada no pé da poltrona. A calça amarrotada no tapete. Nada era elegante, mas tudo fazia sentido naquela noite que escapava entre os dedos.

  Vesti-me em silêncio, tentando não fazer barulho. Antes de sair, olhei para ele uma última vez. Parte de mim queria memorizar aquele rosto, como se fosse alguma coisa que eu pudesse levar comigo. Mas a maior parte de mim só queria ir embora.

  Toquei a campainha do apartamento de Olívia com as mãos trêmulas, o cabelo grudado na testa e os olhos ainda ardendo. Já passava das duas da manhã.

  Ela abriu com a cara mais amassada que eu já vi na vida.

  — Isa...? — piscou, confusa. — O que aconteceu? Você tá... você tá encharcada.

  Tentei sorrir.

  — Eu nem saberia por onde começar. Mas... preciso de um lugar pra ficar hoje.

  Olívia abriu espaço sem dizer mais nada e me puxou pra dentro. A luz baixa da sala me pareceu mais acolhedora do que qualquer palavra naquele momento.

  — Henrique aprontou alguma coisa, não aprontou? — ela perguntou, já indo buscar uma toalha. — Porque eu vou te dizer...

  — Você tava certa sobre ele — interrompi, sentando no sofá. — Mas agora... só preciso dormir. Eu preciso estar no trabalho em algumas horas.

Ela me lançou um olhar comprido, como se soubesse que eu estava só arranhando a superfície.

  —   Tá. Mas... antes de você dormir preciso perguntar: você vai conhecer o novo CEO?

  — Não sei. Tá rolando muito burburinho nos corredores. Parece que ninguém esperava que o presidente tivesse mais de um filho.

  — Um deles pode ser adotado — disse Olívia, meio rindo, especulando. — Ou é segredo de novela.

  — Pode ser — murmurei.

  Ela voltou com um moletom limpo e uma calça larga, além de uma toalha grande.

  — Aqui. Você pegou chuva, vai acabar ficando doente. E amanhã, você tem roupa pra trabalhar?

  — Vou passar no... apartamento, e me trocar antes de ir. Com sorte, ele não estará lá.

  Olívia assentiu e desapareceu no quarto. Fiquei ali, no sofá, olhando para o nada.

  O sono não veio.  Em vez disso, vieram as lembranças.

A imagem de Henrique. O cheiro daquela mulher. A sensação de ter sido traída, manipulada, descartada. Tudo ainda tão fresco, latejando dentro de mim. Mas, depois vieram outras lembranças.

  A pele quente. Os olhos cinzentos. A maneira como ele me segurou. A naturalidade com que me ouviu.

E, contra todas as expectativas, a primeira transa com um estranho na minha vida foi... boa.

  Na verdade, foi melhor do que boa. Foi libertadora.      Talvez eu devesse repetir a dose. Ou talvez não. Talvez só tenha sido o jeito que a vida encontrou de me lembrar que eu ainda era capaz de sentir alguma coisa.

  Quando percebi, o céu começava a clarear.

Levantei com o corpo moído e a alma em carne viva.

Fui ao banheiro, lavei o rosto, vesti a roupa da noite passada e deixei um bilhete para Olívia sobre a mesa:    “Obrigada. Volto mais tarde.”

  O apartamento estava vazio. Um alívio.

Peguei uma muda de roupa e fui direto pro banho.

Deixei a água quente cair nas costas, tentando lavar junto tudo o que ainda pesava. Mas tem dores que nem água escorre.

  Ao sair, me vesti com calma. Calça social preta, blusa clara, blazer. Cabelo preso, batom discreto.

Meu uniforme de invisibilidade emocional.

Torci para que Henrique não voltasse antes de eu sair.

___________________________________________

O escritório estava em clima de expectativa. Uma reunião de emergência havia sido convocada. O novo CEO e Herdeiro, aquele de quem todos falavam em sussurros, se apresentaria oficialmente.

  Sentei-me na mesa de reunião com outros colegas. Todos cochichavam.

  — Você viu a matéria?

  — Dizem que é bonito. E jovem.

  — Ninguém nem sabia que o presidente tinha outro filho...

  Tudo o que se sabia sobre o novo CEO é que ele viria dos Estados Unidos para ocupar o cargo do falecido herdeiro, Agusto Montenegro, que era meu chefe há mais de quatro anos.

  A morte de Augusto pegou a todos de surpresa. Disseram que foi um acidente trágico de carro.

  Eu poderia ter ido ao funeral. E pensar no passei por não ter ido, me rendeu no maior arrependimento da minha vida.

  Na verdade, eu não fui porque não quis. Não só por ser o aniversário do pilantra que me traiu. Mas, porque Augusto não era um chefe muito simpático. Eu diria que era um demônio em forma de gente, e só o aguentei porque o salário alto compensava toda a raiva que eu acumulava, com as horas extras de trabalho, e aos finais de semana sem folga, que eram desgastantes.

  Quando pensava nisso, começava a justificar a traição de Henrique. Eu passei a ficar mais ausente por causa do trabalho. Eu mal parava em casa.

  Enquanto estávamos em volta da mesa de reunião, uns olhavam para os outros, e os cochichos não paravam. Eram muitas as teorias malucas, e acreditava que a pior era a de que novo CEO era filho secreto do presidente.

  Eu não conseguia acreditar nisso, porque Augusto nunca falou sobre ele. Eu cuidava da sua agenda, sabia tudo sobre sua rotina, e em nenhum momento ele mencionou que tinha um irmão.

  Ouvimos passos vindo do corredor e todos nós ficamos em silêncio.

  Alguns minutos depois, a porta se abriu. E foi como se o tempo desacelerasse, em câmera lenta.

  Ele entrou, e meu estômago deu um leve giro.

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