Dentro da sala, Sebastian estava de costas, as mãos apoiadas na mesa e a respiração visivelmente alterada. Seu corpo, rígido, parecia conter algo prestes a explodir — e parte disso já havia explodido.
Livros espalhados no chão, uma moldura quebrada encostada à parede, um peso de papel em metal tombado perto da lixeira. Nada exatamente grave, mas o suficiente para deixar claro: alguém perdeu o controle ali dentro. E não foi um alguém qualquer. Foi ele.
Ele estava tão composto mais cedo... tão frio, quase impenetrável. E agora — aquilo. O que o pai teria dito para deixá-lo assim?
“Será que foi uma cobrança? Uma ameaça? Uma lembrança amarga do irmão morto?”
Minha mente buscava respostas enquanto meus pés congelavam na porta.
— Filho da p... — ele murmurou, quase para si mesmo, chutando um objeto no chão com frustração. — Aquele desgraçado...
As palavras saíam entre os dentes, baixas, mas com uma fúria crua, cortante.
Nunca o tinha vi ele assim. Nem por um segundo sequer. O homem da noite anterior — sensual, bêbado e melancólico — parecia distante. E o Sebastian da reunião, cheio de autocontrole e diplomacia, parecia ainda mais longe. Esse à minha frente era um terceiro homem. Um que ninguém no prédio jamais imaginaria existir.
— Senhor...? O senhor está bem? — perguntei, baixinho, tentando parecer mais humana do que funcional.
Ele virou lentamente. Seu olhar estava aceso, mas não era raiva dirigida a mim. Era... uma tempestade por dentro.
Ele respirou fundo, depois passou a mão pelos cabelos, bagunçando o penteado alinhado com um gesto irritado.
— Não estou bem, Isadora. Nem um pouco.
A honestidade na voz dele me atingiu mais do que qualquer grito.
— Eu... só te chamei porque achei que ainda conseguiria revisar a agenda com você, mas... — fez um gesto vago, apontando para o caos ao redor. — Não estou com cabeça pra isso agora. Me desculpa.
Assenti, devagar.
Ele desviou o olhar, parecia exausto. Como se, além do peso do nome Montenegro, também carregasse os escombros de alguma mágoa antiga — dessas que não passam com o tempo, só adormecem.
Dei dois passos para trás, com cuidado, e fechei a porta atrás de mim com um clique suave.
Fiquei parada por um segundo no corredor silencioso, tentando entender o que acabara de acontecer. O prédio seguia funcionando ao redor, impassível. Mas, dentro daquela sala, algo tinha se quebrado.
Eu me sentei à minha mesa, ainda meio zonza. Como é que eu vim parar aqui?
Assistente executiva de um homem que conheci nua. De um herdeiro bastardo, que dormiu no lugar do irmão, e agora enfrenta o próprio pai a portas fechadas. Como se já não bastasse ter perdido minha casa, meu relacionamento, e minha paz... agora eu também fazia parte da história de uma família instável e tão cheia que pareciam escorrer pelas paredes da empresa.
Fechei os olhos por um instante. Respirei fundo. Não sabia onde tudo isso ia dar, mas aquilo estava só começando.
O tempo passou devagar. O silêncio no corredor era denso, cortado apenas por ruídos esparsos do escritório: impressoras, toques de telefone, passos apressados. Mas da sala dele... nada. Nenhum som, nenhum chamado, nenhuma movimentação.
Pensei em bater. Em oferecer ajuda, mas não sabia o que dizer. E, talvez, ele só precisasse de um pouco de solidão — o tipo de solidão que não exige palavras nem presença.
Quando finalmente ouvi meu nome ser chamado, a voz veio firme, contida. Como se tudo estivesse, novamente, sob controle. Peguei a agenda e caminhei até a porta. Bati duas vezes, ouvi o “pode entrar” e empurrei com cuidado.
Sebastian estava de pé, atrás da mesa, com os olhos no monitor. Os objetos que antes estavam no chão agora estavam, quase todos, de volta ao lugar. O quadro quebrado havia sumido, provavelmente escondido ou descartado. As estantes estavam organizadas, a mesa sem vestígios do colapso anterior.
Ele queria parecer normal. Queria me mostrar que estava no controle de novo. E, de algum modo, eu entendi isso e respeitei.
— Trouxe a agenda — falei, entrando.
Ele se virou, com um sorriso quase casual.
Sentei na cadeira à frente dele, abrindo meu caderno de anotações. Tentei parecer tranquila, centrada, útil.
— Deseja alguma coisa? Um café? Água?
Ele balançou a cabeça.
E então começamos. Com a mesma formalidade de antes, ele revisou compromissos futuros, reuniões com acionistas, contatos de consultoria jurídica, estratégias para o próximo trimestre. Falava pausadamente, com clareza. Eu fazia anotações rápidas, rabiscando entre margens, marcando com setas e símbolos meus próprios códigos internos.
Por um instante, parecia que nada havia acontecido entre nós. Nem a noite passada, nem a explosão emocional. Apenas trabalho.
Quando ele terminou de revisar a última pauta, se recostou na cadeira e me olhou de um jeito mais leve.
— Que horas você costuma sair?
Levantei os olhos devagar.
— Vou ser sincera... não tenho um horário certo. Acabo fazendo muitas horas extras. Estou acostumada.
Ele arqueou uma sobrancelha.
— Bom... comigo, você só fará hora extra se eu realmente precisar de você aqui. Caso contrário, quero que vá para casa. Ou... para onde quiser ir.
Sorri, discreta.
Ele fez que sim com a cabeça, depois disse:
— Era só isso, por agora.
Assenti, começando a guardar minhas anotações.
— Tem certeza de que não quer nada? — arrisquei mais uma vez.
Ele hesitou. Olhou para a janela, depois voltou o olhar para mim.
— É o meu primeiro dia. E, sinceramente... vou com calma. Ainda estou sentindo o chão. Nunca assumi essa posição antes, confesso que preciso aprender algumas. Sei que serei comparado ao meu irmão o tempo todo.
Havia uma honestidade ali que me pegou de surpresa.
Cruzei as pernas devagar, sem tirar os olhos dele.
— As comparações são inevitáveis. Está tudo muito recente. Mas... — dei de ombros — você já causou uma boa impressão.
Os olhos dele me fitaram com mais atenção.
— É mesmo?
— Sim. — confirmei, com a serenidade de quem observa sem filtrar demais. — As pessoas estão curiosas. Você chegou com postura amistosa, atencioso... Isso já é mais do que esperavam.
Ele sorriu, breve, quase tímido — se é que um homem como Sebastian pode ser descrito assim.
— Obrigado.
Me levantei, ajustando o blazer.
— Isadora? — chamou, antes que eu alcançasse a porta.
Me virei. O olhos azuis-acinzentados dele pousaram nos meus, acendendo uma chama interna, que eu pensei ter apagado na noite passada.
— Pode me chamar de Sebastian, quando estivermos só nós dois.
Sorri de leve.
— Certo, Sebastian.
Saí da sala com passos calmos, mas por dentro... algo se agitava de novo. Latente. E inevitável.