Miguel nunca foi um menino comum. Abandonado duas vezes na infância e marcado pela dor, ele carrega em si o peso do mundo dos vivos - e dos mortos. Desde cedo, viu aquilo que ninguém mais via: sombras que sussurram, presenças que espreitam, verdades escondidas entre os véus do invisível. Após uma tentativa de suicídio, Miguel é beijado pela própria Morte, não para ser levado, mas para ser marcado com um propósito. Agora, entre pesadelos e visões, ele vive como um elo entre dois mundos. Sua missão? Libertar almas boas presas ao limbo e enfrentar entidades malignas que aterrorizam os vivos. Sozinho, rejeitado e com um amor impossível por sua mãe adotiva falecida, Miguel caminha pela tênue linha entre o real e o paranormal - lutando contra as trevas externas e as que habitam dentro de si. "Beijado pelas Sombras" é uma história sombria, intensa e carregada de sentimentos - uma jornada espiritual de dor, coragem e redenção.
Ler maisA noite estava inquieta, como se o mundo tivesse prendido a respiração. Miguel observava a cidade do alto de um terraço abandonado, sentindo o peso das perdas e das perguntas sem resposta. Valéria ainda não havia retornado da última patrulha, e Léo estava mergulhado em um silêncio pesado, consumido pelas visões que o atacavam desde a última batalha.Mateo, por outro lado, estava mudado. Ele tinha sobrevivido, sim, mas carregava no olhar algo sombrio — um reflexo do que viu e fez. Miguel não ousava perguntar. Ainda não.Foi então que algo aconteceu.O céu clareou por um instante, como se rasgado por uma força invisível. Um feixe de energia negra subiu do subterrâneo, visível apenas para olhos marcados pela sombra — como os de Miguel.— A fenda abriu de novo — disse uma voz atrás dele. Era Elias. Pálido, cansado... vivo. Mas algo em sua presença estava errado. O tempo que passou entre os mortos o mudara.Miguel virou-se devagar.— Você viu o mesmo que eu?Elias assentiu.— E senti... e
Léo nunca buscou a guerra, mas ela sempre o encontrava.Desde pequeno, crescera nas sombras da violência, em um bairro onde os muros guardavam mais luto do que histórias felizes. Mas Léo tinha algo raro: um coração teimoso, que mesmo diante da escuridão insistia em ver luz. Era o tipo de garoto que protegia os fracos, mesmo apanhando por isso. O tipo de alma que parecia ter nascido para carregar cruzes que não eram suas.Foi em uma dessas noites de cruzes que ele conheceu Miguel.Miguel estava ferido, sujo, fugindo de uma criatura que não era deste mundo. Léo poderia ter fechado a porta. Poderia ter fingido não ver. Mas não fez. O acolheu sem perguntar nada, deu-lhe água e uma faca velha que era do seu avô — uma arma que mais tinha valor emocional do que utilidade prática, mas que representava confiança.A amizade nasceu no silêncio. Cresceu nas batalhas. E se fortaleceu na promessa de que, acontecesse o que acontecesse, Léo estaria ali.Por isso, quando a última guerra chegou, ele nã
Valéria nunca teve silêncio.Desde menina, o mundo ao seu redor era uma sinfonia de sussurros, passos que não pertenciam a ninguém e sorrisos que não alcançavam rosto algum. Cresceu em uma casa velha com a avó, uma benzedeira que dizia que “os dons são bênção e maldição ao mesmo tempo”.Aos seis, viu o espírito da mãe morta sentada no pé da cama, chorando. Aos oito, foi expulsa da escola por gritar no meio da aula com uma entidade que ninguém mais via. Aos doze, perdeu a avó — a única que acreditava nela — e foi enviada para um abrigo. Lá, aprendeu a calar as vozes, fingir normalidade e usar o medo como escudo.Mas o silêncio nunca veio.Valéria cresceu como mulher de poucas palavras, olhar afiado e coração calejado. Enquanto outros fugiam dos mortos, ela os enfrentava. Começou ajudando espíritos a encontrar descanso, em segredo. Mais tarde, passou a caçar os que se alimentavam do medo alheio. Ganhou cicatrizes, respeito e um apelido entre os que conheciam o mundo oculto: a Voz do Sil
Quando Miguel tocou o trono, não sentiu poder, nem glória. Sentiu peso. O peso de mil almas condenadas, de escolhas erradas, de todos os que sucumbiram à escuridão. O trono não era um prêmio. Era um fardo.As sombras do salão se agitaram, tentando envolvê-lo. Mas ao invés de o dominar, elas hesitaram. O coração de Miguel não era feito das trevas que alimentavam o trono - era forjado nas dores que ele enfrentou, nos amores que o moldaram, nas almas que salvou.De olhos fechados, ele enfrentou a essência do Rei das Sombras: uma torrente de memórias corrompidas, gritos de espíritos escravizados, a dor de um menino que foi abandonado no momento em que mais precisou de ajuda. Era como reviver sua própria história, mas distorcida.Então, Miguel falou.- Eu reconheço sua dor. Mas eu não sou você.O salão tremeu. O reflexo do Rei gritou, rachando o espelho negro. A forma sombria que o acompanhava se contorceu e, por fim, se partiu como vidro.Luz. Não uma luz suave, mas intensa, dourada e azu
Ao alcançarem o próximo nível da Torre Negra, os degraus desapareceram atrás deles. Não havia mais como voltar.Diante do grupo, uma sala circular com três grandes portas, cada uma pulsando uma energia distinta. No centro, uma mesa de pedra com quatro taças cheias de um líquido negro que se movia como fumaça viva. Acima dela, uma inscrição antiga tremeluzia em letras de sangue: "Escolha, e a verdade virá. Recuse, e pereça na ilusão."- Isso é uma armadilha - murmurou Valéria. - Mas talvez... também seja um teste.Uma voz ecoou do alto da sala, familiar, sutil, quase doce.- Cada porta leva a um destino diferente. Nenhuma é segura. Mas apenas uma conduz à verdade. A verdade sobre o Rei. Sobre Miguel. Sobre o que realmente está em jogo.Santiago olhou para as portas:1. Porta do Fogo: tremia como se um inferno ruísse atrás dela.2. Porta do Espelho: refletia o grupo, mas suas imagens se moviam por vontade própria.3. Porta das Correntes: coberta de metais enferrujados, pingando sangue.
A paisagem diante deles parecia rasgada do próprio fim do mundo. A Torre Negra, antes oculta entre véus do Vazio, agora surgia plena — uma espiral retorcida de pedra viva, crescendo para um céu que sangrava. Ao redor, sombras sussurravam em línguas esquecidas, e o chão tremia como se a própria realidade rejeitasse aquele lugar.— Chegamos — disse Miguel, sua voz firme apesar do peso no peito.— Isso... é mais do que uma construção — murmurou Elías, tocando o chão, sentindo o pulsar sombrio da terra. — A Torre é viva. E está acordando.Santiago passou a mão no amuleto em seu pescoço, um presente de sua avó. — Então temos que ser rápidos. Antes que ela desperte por completo.Ao se aproximarem, a torre pareceu reconhecer a presença de Miguel. As pedras pulsaram, e uma abertura se formou, revelando uma escadaria espiral que subia infinitamente.Lá dentro, o ar era denso. Sussurros tentavam desviá-los, nomes antigos eram murmurados nas paredes. Eles subiram — cada degrau uma lembrança, cad
Último capítulo