A quantidade de debates sobre o sobrenatural existir ou não é imensa, mas, para essas duas irmãs, uma série de televisão já bastava para que tirassem suas conclusões. Isso era um dos fatores que as diferenciavam tanto. Caroline e Julie McCoy vivem com os pais num mundo que não conhece magia e em que poucos conseguem ter contado com ela. No entanto, não é por isso que deixariam de ser felizes. A mais velha é uma garota cética, com o próprio jeito de lidar com seus problemas no colegial, já que poucos ao seu redor se dispõem. Os problemas familiares lhe deram vários planos para sua vida adulta, mas um acontecimento inesperado pode comprometer tudo isso. A caçula cursa o Ensino Médio também e se mantém um pouco afastada da mais velha, pelo meio em que vivem ter influenciado numa criação moral bem diferente para cada uma. O que as duas não imaginavam era que um dia fossem conhecer personagens de uma série totalmente fora da realidade, e que estariam mais envolvidas nas confusões armadas do que apenas assistir a tudo aquilo. Pra piorar, o que seria mais assustador do que se apaixonar por uma pessoa que, para você, não era nada mais que um personagem fictício? E essa pessoa sendo um caçador de coisas sobrenaturais?
Ler mais2005 — Rockford, Illinois
Julie
— Que coisa, Caroline! Pare de gritar! — eu pedia, levando minhas mãos ao alto enquanto ela via sua ridícula série. Eram mais de onze da noite. Na minha opinião, já tinha passado a hora de ouvir seus fangirlings.
— Julie, deixa de ser chata, vai! — ela disse se ajoelhando no sofá para me encarar. — Vai dizer que esse loiro aqui não é lindo?
Ela me puxou para perto da tela da TV. Eu revirei os olhos e suspirei.
— Ele é bonito — respondi, apontando para o rapaz de cabelos escuros, um pouco para contradizê-la, um pouco por sinceridade. — Mas mesmo assim, a série é estúpida!
— Não é estúpida! Você que é, por criticar tanto algo que você nem conhece.
— Ah, cale a boca, isso aí fala do quê? — Apoiei uma mão na cintura e a outra se moveu com desprezo, enquanto eu dizia: — Dois caras que rodam os Estados Unidos, matando coisas que não existem! E essa diabetes toda que é a relação deles? Tenha dó! Quantas vezes eles morreram em, sei lá, meia temporada? E só para salvar um ao outro! Que bobagem!
— Bobagem? — Ela ficou de pé sobre o sofá, pisoteando as almofadas. — Sou sua irmã mais nova! Você não me protegeria diante de uma situação perigosa?
— Só temos um ano e meio de diferença, Caroline. E você sabe se cuidar muito bem. Nunca precisou de mim para se defender, para a alegria dos meus nervos. Eu já tenho muita dor de cabeça sem ter que lidar com os seus problemas.
Caroline semicerrou seus olhos para mim com puro rancor.
— Tomara que uma Shtriga te pegue durante a noite — ela disse.
— E eu lá sei o que é isso?! — perguntei retórica, balançando as mãos.
— Uma Shtriga é uma bruxa que...
— Eu não quero saber!
Ela saltou para o chão, dando um grunhido raivoso com a garganta. Os fios lisos e castanhos de seu cabelo escorregaram por cima do ombro, alcançando seu quadril. Caroline era mais baixa que eu, portanto, jamais me intimidaria. Além disso, a extensa largura dos seus quadris a deixavam bem cômica.
— Você é muito anormal! — ela acusou. — Como não pode gostar da própria família?
— Eu nunca disse isso!
— Ah! Disse sim! Lembra quando você foi para aquela festa da escola e voltou bêbada pra casa? Eu briguei com você por ter bebido e avisei que papai e mamãe iriam fazer pior se descobrissem! Você ficou resmungando que queria que eles nem voltassem pra casa...
— Ei, ei, ei! Eu não lembro isso! — Sacudi as mãos para interrompê-la.
— É claro que não! Você nem lembrava seu nome! Se bobear, naquele estado, você até perdeu a...
— Cale a boca, Caroline! Você não sabe o que está falando!
— Então tome cuidado! — Ela cruzou os braços. — Porque eu, até hoje, estou guardando esse seu segredinho sujo! Papai e mamãe já estão voltando do trabalho. Você sabe que para eu abrir a boca não é nada.
— Você não vai fazer isso! — Eu avancei na direção dela.
— Então retire o que você disse sobre a relação deles e sobre a série!
— Eu não vou retirar nada! Por que você idolatra tanto isso? Sério, não tem nada de mais nela! Você acha que acreditando no que aparece nela você vai ser atacada e os irmãos Rottenberg vão vir te salvar?
— Primeiro — Ela começou, erguendo o dedo indicador de modo didático. —, é Hein-sen-berg. Segundo, você não tem que se meter no que eu acredito ou deixo de acreditar! E se eles realmente existirem? E se todas as lendas que aparecem na série forem reais?
— Não são!
— E como você sabe?
— Porque eu nunca vi! — Eu gritei tão forte, com tanto desespero para enfiar a verdade na cabeça dela, que minha garganta arranhou e minha voz falhou. Tossi e me recuperei para acrescentar: — Ninguém nunca viu monstros, Caroline! Eles não são reais!
Ela sacudiu a cabeça em indignação e apertou os olhos para mim.
— É impressionante como você pode ser tão diferente de mim! Por que é tão cética? — ela disse.
— Porque eu consigo enxergar o que é real, ao contrário de você e dos seus amiguinhos hipócritas! Aqueles otários que dizem acreditar...
— Não fale assim deles — Ela bateu o pé no chão.
— Caroline, acorda! Aposto que você é a única entre eles que realmente acredita Nele! — Ergui o dedo na direção do céu.
— Como assim?
— Os seus amigos fingem ser crentes pra não serem excluídos! Eu, por outro lado — Apontei para meu peito. —, não tenho vergonha de dizer que não acredito no cara lá de cima! Não existe o Inferno, não existe o Paraíso! Você não vai pra lugar nenhum quando morrer! Vai ficar na cova, sete palmos abaixo da terra, e não vai sair!
Eu abaixei os ombros para tomar fôlego e então notei que seus olhos estavam marejando. A culpa esmagou minha consciência, fazendo-me perceber que eu não devia ter dito isso...
— Por que não experimenta guardar suas opiniões pra si mesma? — ela perguntou, também furiosa, com a voz embargada e correu para o quarto, batendo a porta atrás de si. Eu fiz o mesmo, com um pouco mais de força.
A verdade era que eu odiava brigar com a Caroline, especialmente nos últimos dias. Já era difícil o bastante morar naquela casa com nossos pais. Contudo, falei sério quando disse que achava a série dela ridícula! Tudo bem que os personagens eram bem gostosos, mas não era só isso que importava. E, devido ao círculo familiar em que eu vivia, não havia muita coisa na trama com que eu me identificava. A relação perfeita daquele mundo fictício era pura utopia.
Fazia pouco tempo que descobri que Elisa, minha mãe, estava traindo meu pai, Martin, com um amigo do escritório dela, enquanto meu pai estava fazendo o mesmo quando viajava para outras cidades a trabalho.
Como eu sabia disso? Fui à empresa da minha mãe uma vez, entregar uma pasta de documentos que ela tinha esquecido em casa, e a vi devorando um homem um pouco mais novo que ela, sobre uma impressora. Quanto ao meu pai, peguei seu celular, em uma das noites em que ele estava bêbado demais para lembrar o próprio nome, e me deparei com mensagens que me fizeram vomitar. É, eu sei: quem procura, acha. Porém, isso não mudava os fatos.
Agora você pergunta: "Por que não tirou satisfações com eles?". Boa pergunta, eu respondo! O casamento deles não era problema meu. A única coisa que me interessava era como tratavam a mim e a Caroline, e isso já era problema o bastante. Caroline era mais tolerante que eu, mas a verdade era que nossa casa era o último lugar em que deveríamos estar. Eu tinha planos para ir morar sozinha e levá-la comigo. Infelizmente, me restava esperar pouco mais de um ano para atingir a maioridade e, até lá, nós duas não podíamos brigar com a frequência que sempre fazíamos. Mesmo que alguma coisa mudasse antes dos meus dezoito anos, eu não mudaria de decisão.
CarolineEu estava mordendo todas as minhas unhas fora, parada e impotente ao lado daquele celular, sentindo cada fibra de energia mágica vinda do portal e desesperada para ouvir a voz de minha irmã novamente. Pensei que seria mais rápido, mas eles começaram a demorar demais…Foi quando senti uma pontada aguda no peito e ouvi um burburinho de conversas vindo lá de cima. Guardei o celular no meu bolso e me encolhi contra a parede, ficando o mais escondida nas sombras quanto possível. Eu me concentrei, quando os dois bruxos começaram a levitar até o fundo do poço. A energia conjunta era potente e provocou um arrepio forte na minha espinha quando me apoderei dela. Meu corpo ficou leve e o chão tomou distância de mim…— Ei! O que pensa que está fazendo?! — um deles bradou, quando nos encontramos a meio caminho da beirada superior.O segundo bruxo começou a murmurar palavras em latim, que, de acordo com a tradução direta, amaldiçoava meus intestinos a sofrerem hemorragia... Eu me apoderei
A voz de Axel me arrancou dos meus pensamentos, dizendo:— Desce logo, gatinha, estamos ficando sem tempo.Chris lhe lançou um olhar fuzilante, parando frente a frente com o bruxo para dizer:— Você sabe que eu e ela estamos juntos, certo? Um pouco de respeito não ia fazer mal.— Ah! Puxa! É sério? Eu não percebi. Talvez vocês devessem arranjar umas alianças. — Axel deu tapinhas cínicos no ombro de Chris e sua voz transbordava falsidade. Desci as escadas e segurei a mão de Chris, puxando-o para continuarmos andando túnel adentro. O caçador pareceu disperso, encarando o chão com muita concentração.— Você quer uma aliança? — perguntou, seus olhos bastante vulneráveis.— É claro que não! — exclamei, fazendo careta em completa aversão a uma ideia tão clichê. — Além disso…Interrompi a mim mesma, porque no meu próximo passo da caminhada, meu pé não encontrou o chão e meu corpo foi arremessado para o nada. As vozes de Axel e Chris gritaram meu nome e a mão do caçador apertou firme o meu b
Zacharias me seguiu de perto, quase respirando no meu cangote. Chamou meu nome com tom de severidade para atrair a minha atenção.— Você sabe a minha resposta — eu disse, virando-me de uma vez só para fitá-lo. Caroline estava a poucos metros e já me localizara com sua cesta repleta de mantimentos. — Não vou ser uma vidente. Sou uma caçadora e estou satisfeita assim.— Sou obrigado a te lembrar da ajuda que você poderia dar à sua irmã se ativasse o seu gene também.— Caroline acredita que foi feita para esse mundo, Zacharias. Ela é feliz assim: achando que é pura obra do destino. O fato de o meu gene depender do meu livre arbítrio é praticamente uma ofensa a ela. Por favor, se você tem qualquer consideração pelos sentimentos dela, não conte a ninguém sobre isso. Tomei minha decisão.Até onde eu sabia, esse segredo foi levado para os nossos túmulos. Apesar da ansiedade que esse assunto me causou no momento, não tive muita oportunidade para pensar nele depois disso, porque Zacharias foi
Em dado momento durante o treino, entrei na casa para buscar água para nós. A porta acabara de se fechar atrás de mim, quando uma figura escura chamou a minha atenção para a janela. Observei o gato com um olhar desconfiado, correndo os olhos pelo cômodo à procura de alguém.— Não podemos ficar muito longe. — Axel apareceu ao meu lado com um pequeno estouro de fumaça azul ao seu redor. Não me assustei com seu aparecimento repentino. Zacharias provavelmente tinha me acostumado a eles. Mas ele estava vestido com aquele capuz preto sinistro e irritante que me perseguira antigamente.— Você vai surgir do nada sempre assim? — perguntei, dando-lhe as costas para seguir até a cozinha.— É uma habilidade exclusiva dos bruxos com gene mágico — respondeu, me seguindo. — Acreditou em mim, não é? — indagou, soando com mais certeza que dúvida.— Você acha mesmo que tem alguma chance de movermos um dedo por vocês?— Tenho esperanças. Henry e Chris não são os heróis que vivem pelo trabalho deles? Eu
Julie— Você está bem?! Você está bem?! — eu repetia incansavelmente, segurando o rosto de minha irmã nas mãos.— Ela tem uma hemorragia... Onde está o Zacharias? — Henry disse, mais exausto do que jamais o vi. Suas pernas bambearam, a palidez tomou seu rosto inteiro. Chris e Rufus se aproximaram e ampararam seu corpo dos dois lados.Zacharias veio correndo do meio da multidão, tomando minha irmã nos braços para socorrê-la com seus poderes. Imagino que se fosse possível, ele estaria chorando diante da sujeira preta no rosto dela e o banho de sangue do lado direito de seu corpo fraco.— Sinto muito, sinto muito, eu não conseguia te encontrar... — ele lhe dizia
Caroline Desde que Julie e Zach ficaram inconscientes, nenhum deles tinha reações enquanto sonhavam. Mesmo assim, Chris, Rufus e eu nos mantemos atentos a eles.Quando concluí que não devia ter trancado Julie no Quarto do Pânico, me arrependi do modo como agi. Se eu tivesse sido um pouco mais tolerante e paciente, e menos desesperada por uma solução, as coisas não teriam piorado do jeito que pioraram.Queria ter ido com ela no sonho, por mais que ela negasse. Rufus e Chris estavam quietos, mas era possível perceber que trocavam essa ideia também, quando não paravam de se entreolhar e hesitar ao tentar falar comigo.Ergui meu olhar para o relógio e restavam poucos minutos. Mesmo sabendo que Zach faria de tudo para ajudá-la a voltar a salvo, eu estava apavorada. Alternei o olhar entre ambos, esperando alguma reação, em vão.— Eles ainda têm tempo — Chris me disse, ao notar minha inquietação. Ele acabava de tirar o celular do ouvido após tentar deixar uma mensagem de voz para Henry. — F
Último capítulo