Desde que deixou a torre, Miguel sentia o mundo diferente. Como se o fino véu que separava os vivos dos mortos tivesse se rasgado mais do que o necessário.
As consequências começaram discretas. Um gato que falava o nome de seu dono morto três vezes antes de desaparecer. Um rádio velho que ligava sozinho à meia-noite, transmitindo vozes de crianças pedindo ajuda. Relógios que giravam ao contrário. Pessoas comuns sonhando com os mesmos rostos — rostos que Miguel reconhecia como almas que ele havia libertado.
Mas logo os sinais ficaram mais graves.
Na escola abandonada do bairro vizinho, crianças começaram a ver uma professora sem rosto. Ela pedia silêncio com uma régua ensanguentada. Em um hospital desativado, máquinas voltavam a funcionar sem energia — como se tratassem doentes que ninguém via. Pessoas adoeciam, falavam com parentes já falecidos e, em alguns casos, sumiam sem deixar rastro.
Miguel investigava cada um desses casos, tentando conter o avanço da ruptura. Mas era como estan