Mundo ficciónIniciar sesiónNa fazenda Horizonte, em Campos Gerais, do Paraná, Cecília tem espírito indomável. Criada entre os peões, ela monta em boi com destreza, enfrenta desafios com coragem e carrega o orgulho de ser uma mulher que quebra tabus. Quando Álvaro, o herdeiro engomadinho da fazenda, retorna de uma vida confortável na cidade para assumir os negócios da família, o choque entre seus mundos é inevitável. Determinada a proteger o que considera seu lar, Cecília não tem medo de confrontar o novo patrão. Já Álvaro, habituado ao poder e ao controle, se vê desafiado pela mulher de gênio forte e presença marcante. Entre brigas intensas e olhares que queimam como fogo, nasce uma paixão que nenhum dos dois pode negar. Em meio aos segredos que cercam a fazenda, Cecília e Álvaro descobrirão que o amor pode surgir dos lugares mais improváveis – e que, às vezes, é preciso se perder no ódio para se encontrar na paixão.
Leer másNão existe vida melhor do que essa. Pode até haver, mas não presta, não. A vida no campo pode ser cansativa, mas faz um bem danado: a paz que nos envolve, o cheiro do mato, o banho gelado de cachoeira... Ah, isso é bom demais da conta!
— Cecília! Cecília! — ouço a voz do Bento ao longe. E, como sempre, não perco a chance de pregar uma peça nele. Fico boiando na água, imóvel, fingindo estar morta. Logo escuto os passos dele quebrando os galhos secos na beira da cachoeira. — Cecília? Para com essa bobagem, sei que tá tentando me assustar — diz ele, mas não me mexo. — Num tem graça, Cecília... Cecília?! Ô praga! — resmunga, antes de se atirar na água, mais que apavorado. Aproveito a chance, nado rápido até a margem e me escondo atrás das pedras. Me seguro para não cair na risada ao ver o pobre coitado me procurando, apavorado. — Cecília? — ele insiste, a voz aflita. — Por que me perturba no além, Bento? — falo com voz assustadora, mostrando só a cabeça. Ele me encara com cara de poucos amigos, e não aguento: caio na gargalhada. — Você é bem besta, viu? O dia que se meter em perigo de verdade, não vou acreditar — resmunga, irritado. — Vai chorar, sô? — provoquei, e ele saiu da água bufando. — Me molhei todo, sua tansa! — reclama, torcendo a camisa. — Imagino o sacrifício, já que cê não gosta de banho — retruco, apertando minha roupa pra tirar o excesso de água. Ele me passa um rabo de olho. — A patroa quer que você ajude a Maria. Senhor Álvaro chega hoje pra leitura do testamento do seu Joaquim — que Deus o tenha — fala, erguendo as mãos pro céu. Na mesma hora, fico danada de raiva só de imaginar esse abestado do tal Álvaro. — Aquele infeliz de nada! Devia ter vergonha na cara! Tô trabalhando nessa fazenda há quase dez anos e ele nunca pisou o pé aqui. E agora, vem um mês depois que o pai morre? Quem me dera tivesse um pai igual ao senhor Joaquim! Não ia sair de perto dele por nada, nem um tiquinho de minuto. Fico chateada, pensando em como alguém pode ficar tanto tempo assim distante da família, sem se importar se estão bem ou não. — Já falei pra não falar assim! Senhor Álvaro é gente boa. Cê não sabe o que aconteceu, então segura essa sua língua solta e controla esse gênio ruim seu, porque, goste ou não, ele é seu patrão — Bento me repreende, e dou a língua pra ele. — Só disse a verdade! Senhorita Catarina é diferente, todo final de mês tá aqui. Ele devia aprender a ser bom filho igual à irmã. Quer saber de uma? Você é um puxa-saco, Bento! Defendendo seu patrãozinho só porque ele brincava com você na infância — retruco, encarando-o e erguendo o queixo de um jeito desafiador. — Sua atrevida, vai logo, que a dona Carmem tá te esperando — diz, fazendo sinal com a mão, me apressando. Faço uma careta pra ele e vou em direção ao cavalo, que tá amarrado a uma árvore. — Vamos, meu menino, deixa esse puxa-saco sozinho — digo, provocando o Bento assim que monto no cavalo. Bato os pés de leve, e ele começa a galopar. Bento e eu nos tratamos assim, mas, no fundo, somos bons amigos. O Menino começa a correr pelo campo, e amo essa sensação do vento dançando nos meus cabelos. O barulho dos seus trotes é como uma bela música. — Oh, Menino — digo, puxando a rédea quando chegamos à porteira. Faço um carinho em sua crina, depois retiro a sela. — Vai, Menino, agora preciso me apressar — bato de leve em sua traseira, e ele sai na direção do pasto. Entro na pequena casa e vou direto para o banheiro tomar banho. Visto um vestido modelo ciganinha, com fundo branco e pequenas flores amarelas. Correndo, vou pra casa-sede. Entro na cozinha e vejo Maria apressada indo de um lado pro outro, ocupada como sempre. O cheiro maravilhoso de bolo de milho recém-assado invade o ambiente, fazendo meu estômago roncar. Me lembro que ainda não tomei café. — Bom dia, Maria! — cumprimento, abrindo um sorriso. — Bom dia, menina! Onde tava? — ela pergunta, limpando as mãos no avental manchado de farinha. — Tomando banho de cachoeira. Mas vim assim que o Bento me contou que precisavam de ajuda — explico, me aproximando do balcão. — A patroa quer falar com você antes. Tá te esperando no escritório — diz, enquanto coloca o bolo pra esfriar sobre a mesa. — Certo, vou lá. Depois volto pra te ajudar. A propósito, onde tá a Socorro? — pergunto, notando a ausência da ajudante habitual. — Acho que é sobre isso que a patroa quer conversar com você — responde. — Então deixa eu ir, porque agora fiquei curiosa. — Dou um beijo e aperto suas bochechas rechonchudas, arrancando uma risada fácil dela, e vou ao encontro de dona Carmen. Atravesso a casa grande com passos cautelosos. Não costumo passar por aqui, e o ambiente sempre me impressiona. O piso de madeira reluz como espelho, e as portas, com relevos de flores esculpidos à mão, são uma verdadeira obra de arte. É impossível não admirar cada detalhe desse lugar. Paro em frente ao escritório e bato suavemente na porta. — Pode entrar — responde sua voz firme. Respiro fundo antes de abrir a porta. Lá está a senhora Carmen, sentada atrás de uma grande escrivaninha de madeira, com a postura impecável que sempre me intimida. Seus olhos penetrantes me acompanham enquanto dou um passo hesitante pra dentro. — Bom dia, senhora! — cumprimento, tentando manter a voz firme, mas ela sai quase como um sussurro. — Bom dia. Por favor, acomode-se — ordena, apontando pra cadeira à minha frente. Sento-me com cuidado, ajeitando o vestido instintivamente. Meus dedos apertam o tecido enquanto tento parecer confiante, mas os olhos dela não desviam, o que só aumenta minha vontade de sair correndo. — Bem, menina, o motivo de você estar aqui é que a Socorro precisou ser afastada por questões de saúde. A Maria já tá velha e não dá conta da cozinha sozinha. Lembro que, no aniversário do meu... — ela faz uma pausa, e vejo um brilho de tristeza nos olhos dela. Meu coração aperta. Perder o senhor Joaquim, seu companheiro de quarenta anos, deve ser uma dor danada. — No aniversário do meu casamento, você substituiu a Socorro quando ela passou mal, e todos elogiaram sua comida. Quero que assuma a cozinha por enquanto — pelo menos até sabermos se a Socorro poderá voltar a trabalhar — conclui, recompondo-se. Por dentro, estou explodindo de alegria. Cozinhar é minha paixão, e sempre sonhei em abrir um restaurante. Essa oportunidade é tudo que eu poderia querer! — Pode contar comigo, senhora Carmen — digo, abrindo um sorriso que talvez tenha sido um pouco exagerado. — Já conhece as regras da casa, então não precisarei repeti-las, certo? — pergunta, com tom de advertência. — Sim, senhora. Obrigada pela oportunidade. Prometo dar o meu melhor. — Assim espero. Aqui está uma lista de ingredientes. Vá até a cidade e compre tudo. Quero que prepare esta receita — é o prato favorito do meu filho. — Ela me entrega uma folha cuidadosamente dobrada. — Certo, vou agora mesmo — digo, levantando-me com entusiasmo. — O Vitor vai levá-la. Agora pode ir. — Encerra, voltando sua atenção pros papéis sobre a mesa. Ao sair do escritório, não consigo conter um pequeno grito de comemoração. Caminho pela varanda, lendo a lista de ingredientes. — Cogumelos? Azeite? Esse tal do Álvaro só pode ser fresco mesmo! Deve ser um desses que só come comida chique e nunca mais ouviu falar de uma boa galinhada! Reviro os olhos e sigo na direção do carro, onde Vitor está encostado, descascando uma laranja.Cantarolava enquanto passava toda aquela roupa. Os vestidos de dona Carmen coloquei nos cabides, e os forros de cama dobrei direitinho antes de guardar no armário. No meio daquela montanha de tecido, havia duas camisas masculinas — claro que eram do borra-botas. Quando terminei de organizar tudo, olhei para as camisas e, relutante, decidi levá-las para o quarto do “patrãozinho”. Minha vontade era queimar essas camisas, isso sim.Bati na porta para ver se ele estava lá e, pelo silêncio, concluí que não. Abri devagar, mapeando o ambiente, certificando-me de que o sujeito realmente não estava. Entrei. Era só largar as camisas em cima da cama e ir embora.Mas, em vez disso, fui bisbilhotar o que não era da minha conta. Parecia que ele tinha medo de ficar fedorento, de tantos perfumes que tinha em cima da cômoda. Cada frasco mais bonito que o outro. Nunca tinha visto frascos tão elegantes; pareciam até enfeites. Uma voz dentro de mim insistia para eu sair dali, mas eu, teimosa que só, ign
O borra-botas ainda estava se recuperando ao seu lado, com o olhar preocupado. Dona Carmen não estava entendendo nada, e eu já tentava pensar em uma boa desculpa para o picadinho estar tão absurdamente picante.— Tudo bem, meu filho? Já consegue falar?Ele acenou, colocou o copo vazio sobre a mesa e me lançou um olhar nada amigável.Então pigarreou.— Só engasguei, mãe... Agora me sinto melhor — sua voz saiu rouca.Deveria me preocupar com o fato de ele não ter me entregado para a mãe? Melhor eu ficar vigilante pelos próximos dias. Meu pai sempre dizia: “Maldito o homem que confia no homem.”— Vai precisar de mim, senhora Carmen?Ela voltou a atenção para mim.— Não, pode se retirar.Quando fiz menção de sair, o infeliz ergueu a mão na minha direção, pedindo que eu esperasse. Depois pegou a pequena travessa onde estava o picadinho.— Pode levar o picadinho. Está muito salgado. Não foi a Maria que fez, né? — A pergunta, acompanhada do olhar enfurecido, deixava claro que ele não ia deix
Eu estava correndo feito louca, tentando fugir daquela imagem que me apavorava dentro da cabeça. Acelerava para ver se ela ficava para trás, perdida nos meus rastros. Mas não. A cena daquele maldito, pervertido, filho de… Não posso xingar dona Carmem. Mas ele me paga. Não vou deixar barato.Depois daquela correria danada, agradeci quando avistei a porteira. Meu coração estava tão acelerado que parecia incapaz de voltar ao ritmo normal. A única coisa que eu queria agora era me esconder em casa por longos dias. Mas não dava — ainda precisava ir ajudar a Maria.Passei pela porteira e, precisando desesperadamente de ar, parei e me escorei nela.— Ai, Deus… parece que vou infartar.Peste… a sua hora vai chegar — isso era mais que uma promessa. Eu queria vingança. Cerrei os punhos sentindo a raiva crescer de novo, enquanto aquela imagem maldita parecia ter sido costurada nos meus miolos.Com o coração um pouco mais calmo, segui direto para minha casinha. Escolhi minha roupa, peguei a toalha
Acordei com o canto de Jericó. Olhei no relógio: eram quatro da manhã. O dia hoje seria bastante atarefado; tinha as baias, o galinheiro e o chiqueiro para lavar. Levantei-me e fiz minha higiene matinal. Ainda era cedo para o café — na verdade, costumo fazer meu desjejum um pouco mais tarde.Após calçar as galochas, peguei o cesto e fui primeiro ao galinheiro.— Bom dia, Jericó! — Ele, metido como sempre, estufou o peito e bateu as asas, cantando alto. — Sei que você é o dono desse pedaço, mas agora se afasta, que vou pegar alguns ovos das suas mulheres. — Espantei-o, e ele fez um barulho como se estivesse resmungando, correndo para o outro lado do galinheiro.Fui ao primeiro ninho, onde havia três ovos.— É, Marinalva, ocê tá caindo na produção. Se continuar desse jeito, o Vitor vai fofocar pra dona Carmen, e aí ocê vai virar galinhada. Então trate de melhorar isso aí. Ocê percebeu que a Filó sumiu? Adivinha? Virou galinhada.Ela caquerejou, parecendo entender o meu alerta — aqui é a
Cecília...As horas haviam passado, mas a raiva em mim era tanta que parecia que eu tinha acabado de brigar com aqueles dois. Meu rosto queimava... que inferno! Eu queria matar o Vitor e aquele almofadinha. Mas, enquanto não podia matá-los, tentava aliviar minha raiva limpando a casa.— Psiu! Psiu!Respirei fundo, sem acreditar.Mas ele é muito corajoso para vir aqui depois do que me fez. Olhei na direção da janela e lá estava o infeliz do Vitor, com uma cesta de frutas e os olhos suplicantes. Cruzei os braços e virei o rosto. Não queria falar com ele.— Ceci... me perdoa, vai?Passei um rabo de olho para ele e, ignorando, fui até a cama — que ficava ali mesmo na sala — peguei a caixa embaixo dela onde estavam o novelo e as agulhas, e comecei a crochetar.— Larga de bobagem, Ceci, vamos fazer as pazes... Bento tá perguntando se ocê quer ir conosco lá no bar do seu Zé, mas acho que ocê não vai querer ir, né? Tá aí com essa cara amarrada — miserável, sabia como me amolecer.Coloquei a l
Ali, no abraço da minha mãe, desabei... Tantas coisas que eu queria dizer, mas um nó se formou na garganta, e tudo o que consegui foi chorar. Logo Maria apareceu. Ficou um pouco afastada, respeitando aquele momento entre nós. Saí do abraço da minha mãe e a chamei; ela veio logo, toda emotiva.— Meu menino... Você tá um homão! — comentou, com a voz embargada pela emoção.— Ah, Maria... que saudade desse seu abraço. — apertei-a contra o peito.— Você fez muita falta, filho... Não sabe o quanto chorei quando fazia o seu prato favorito. — disse, secando as lágrimas com o avental.— Mas agora estou aqui — e morrendo de vontade de comer aquela galinhada que só você sabe fazer. — comentei, e ela sorriu, orgulhosa.— Hoje não tem galinhada, não, mas a comida tá divina. Deixa eu ir aprontar a mesa pra vocês comerem. — disse, me dando mais um abraço antes de sair.Maria se afastou, nos deixando sozinhos. Minha mãe me olhou com aquele ar tristonho.— Tá difícil continuar sem ele, né? — perguntei





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