Mundo ficciónIniciar sesiónAli, no abraço da minha mãe, desabei... Tantas coisas que eu queria dizer, mas um nó se formou na garganta, e tudo o que consegui foi chorar. Logo Maria apareceu. Ficou um pouco afastada, respeitando aquele momento entre nós. Saí do abraço da minha mãe e a chamei; ela veio logo, toda emotiva.
— Meu menino... Você tá um homão! — comentou, com a voz embargada pela emoção. — Ah, Maria... que saudade desse seu abraço. — apertei-a contra o peito. — Você fez muita falta, filho... Não sabe o quanto chorei quando fazia o seu prato favorito. — disse, secando as lágrimas com o avental. — Mas agora estou aqui — e morrendo de vontade de comer aquela galinhada que só você sabe fazer. — comentei, e ela sorriu, orgulhosa. — Hoje não tem galinhada, não, mas a comida tá divina. Deixa eu ir aprontar a mesa pra vocês comerem. — disse, me dando mais um abraço antes de sair. Maria se afastou, nos deixando sozinhos. Minha mãe me olhou com aquele ar tristonho. — Tá difícil continuar sem ele, né? — perguntei. Os lábios dela estremeceram antes que pudesse responder; apenas acenou, com os olhos marejados. Segurei sua mão e a puxei para os meus braços. Ver a dor nos olhos dela me quebrava por dentro... e fazia o peso da culpa triplicar sobre minhas costas. — Me perdoa, mãe... Me perdoa por não estar aqui pra ser teu abrigo quando o pai se foi. Eu imploro o teu perdão. — falei, caindo de joelhos, abraçando suas pernas. Senti suas mãos tentando me erguer. — Não faz isso, meu filho, por favor... Eu não tenho nada contra você. Entendo que não podia estar aqui. Você não sabia, não tinha como saber. Não se culpe, meu amor. — disse, com a voz embargada. As palavras dela me confortaram, mas não bastavam pra tirar a culpa. Levantei-me, enxugando as lágrimas. — Vamos entrar, filho. — Deixa eu só pegar minha mala. — fiz menção de ir até o carro, mas ela me deteve. — Não. Deixa aí, o Vitor leva pra você. — apontou para um homem mais à frente, limpando a caminhonete da fazenda. Assim que olhei com atenção, o reconheci: era o cara que estava com a maluca do estacionamento. — Vitor! Faça um favor! — minha mãe gritou. Ele olhou na nossa direção, um tanto desconfiado, e veio se aproximando. O espanto no olhar era evidente — devia estar lembrando muito bem do incidente mais cedo. — Esse é meu filho, Álvaro. — apresentou minha mãe. Ele limpou a mão na calça antes de me cumprimentar. — É um prazer conhecê-lo, patrão. — disse, quase num sussurro. — Tem muito tempo que trabalha aqui? — perguntei. — Acho que cheguei assim que o senhor foi embora. — respondeu, visivelmente desconcertado. Eu precisei conter o riso. O pobre coitado devia estar morrendo de medo. — Mãe, pode ir indo na frente. São muitas malas, não vou deixar o Vitor pegar tudo sozinho. Ela concordou com um aceno e seguiu. Abri o porta-malas e fiz sinal para o rapaz se aproximar. Com a cabeça baixa, evitando me encarar, ele veio devagar. Peguei uma mala e entreguei a ele. Quando se virou para sair, o chamei: — Amigo, espera. Ele parou e me olhou. — Pois não, patrão? — Pode ficar tranquilo... Aquilo que aconteceu mais cedo já ficou no passado. Espero que sejamos bons amigos. — falei. Ele me olhou aliviado, deu um meio sorriso e acenou com a cabeça. — Obrigado, patrão. — respondeu, e saiu. Peguei a outra mala e a maleta com meus documentos e notebook. Enquanto caminhava em direção à casa, cada canto da fazenda me trazia uma lembrança do meu pai. Tudo ali era uma lembrança viva dele. Subi a pequena escada que levava à varanda da casa. Vitor me acompanhou até o meu quarto e deixou a mala no canto, como pedi. — Obrigado! — agradeci. Ele tirou o chapéu, se despediu com um leve aceno e saiu apressado. Sozinho no meu antigo quarto, senti a emoção chegar novamente. Estava tudo igual. Era como voltar no tempo. Abri a gaveta da cômoda de madeira e encontrei muita coisa que deixei para trás — inclusive um cordão de ouro com pingente de ferradura, que ganhei do meu pai. Não contive as lágrimas. — Está tudo como deixou. A Lucinda só faz a limpeza, mas sempre peço para deixar tudo como está — disse minha mãe, com a voz embargada, vinda da porta. Senti seus passos se aproximarem e logo sua mão acariciou minhas costas. Sequei as lágrimas e mostrei o cordão a ela. — Ele me deu de presente no meu aniversário de quinze anos, lembra? Ela acenou com um sorriso e os olhos marejados. — Claro que lembro. Ela me ajudou a colocar o cordão. Depois, fomos almoçar. A mesa estava, como de costume, bem farta. Fiquei surpreso quando Maria me serviu um dos meus pratos prediletos: medalhão ao molho madeira e cogumelos. Essa foi a primeira comida “chique” que comi, no meu primeiro jantar de negócios. Aspirei o cheiro maravilhoso que subia até minhas narinas. — O cheiro está irresistível. Ninguém cozinha como você, Maria — comentei, cortando um pedaço da carne. Quando levei à boca, me surpreendi. Estava maravilhoso. Fechei os olhos ao sentir aquele sabor mais que perfeito. — Não fui eu que fiz, menino — disse ela. Abri os olhos e apontei para minha mãe. — Foi a senhora? — perguntei, surpreso. Minha mãe sorriu e negou com a cabeça. — Não, eu não tenho esse talento. Foi uma das nossas empregadas que trabalha na lavoura. Ela parece fazer mágica na cozinha — comentou, bebericando seu suco. — Ela tem mãos de fada. Nunca comi nada igual — e olha que já viajei quase o mundo todo — falei, sem conseguir parar de comer. O almoço seguiu com uma boa conversa entre nós. Minha mãe me contou que minha irmã viria no final de semana e ficaria até segunda-feira, quando o advogado abriria o testamento do meu pai. Estávamos terminando o almoço quando os gritos romperam a tranquilidade da casa. Uma briga, talvez? — Mas o que é isso? — reclamou minha mãe, fazendo uma expressão de poucos amigos. Ela já se levantava para verificar, mas eu a impedi. — Pode deixar que eu vejo. Não se preocupe — adiantei-me. Levantei e segui aquela voz feminina... Aquela voz não me era estranha. Assim que passei da varanda, avistei uma moça correndo. Fiquei observando de longe e então reconheci. Sorri com a coincidência de encontrar aquela maluca ali na fazenda. Aproximei-me devagar. Ela xingava o Vitor, que a provocava de cima do pé de manga. Quando ele me viu, até mudou de cor, fez sinal e avisou que eu estava ali, mas a doida descontrolada pareceu não se importar — e ainda me ofendeu. Aquilo me subiu o sangue, me dando até má digestão. Agarrei o braço dela, impedindo-a de acertar o rapaz com uma pedra. — Quem é borra-botas? Ela congelou e tentou escapar das minhas mãos, mas não permiti. Bruscamente, a virei para encarar seu atrevimento. Respirando acelerada, ela ergueu o olhar e me encarou como um animal encurralado. — Que foi? O gato comeu sua língua? — provoquei. Então seu olhar escureceu e ela me empurrou. — Você é o borra-botas — rosnou, rangendo os dentes como um cachorro valente. Sorri, incrédulo com sua petulância. — Você sabe com quem está falando, menina? — Não sei e nem quero saber — respondeu, cuspindo no chão. Deu-me as costas, abaixou-se mais à frente, pegou uma vassoura e saiu pisando alto. — Monta na vassoura, bruxinha! — gritei, e ela, sem olhar para trás, me mostrou o dedo. Dava pra acreditar num atrevimento daqueles? Vitor parecia congelado em cima do pé de manga. — Controla essa sua namorada — cerrei os punhos, tentando conter a raiva. Ele pulou da árvore e, sem recuperar o fôlego, explicou: — Essa doida não é minha namorada, patrão. Somos só amigos. E peço perdão em nome dela — ela tem sérios problemas de cabeça. Olhei sério para ele. — O que ela faz aqui? Ele pigarreou antes de responder: — Ela é pau pra toda obra, patrão. É doida assim, mas é uma mulher forte e batalhadora. Então... se for mandar ela embora, pense bem. Seu pai gostava muito dela — a tinha como uma filha. A resposta me pegou de surpresa. Dessa vez, ia deixar passar, em consideração ao meu pai. — Tudo bem, Vitor. Vamos esquecer o que aconteceu aqui — bati de leve em seu ombro e saí. Minha mãe estava na varanda e, quando me viu, abriu as mãos, querendo saber o que havia acontecido. — Está tudo bem, filho? — Sim, mãe. Está tudo bem. Era só o Vitor e uma moça daqui. Acho que estavam brigando, mas já resolvi. Minha mãe fez uma expressão de reprovação. — Só pode ser a Cecília. Essa moça tem um gênio do cão. Se não fosse pelo seu pai, eu já a teria demitido. Mas ele me fez prometer que, se um dia ele faltasse primeiro, eu cuidaria dela. Ele prometeu isso ao pai dela, que foi um bom funcionário — comentou, soltando um suspiro pesado. Ainda bem que vou ficar só quinze dias... Pelo jeito, não se pode mandar essa demônia embora.






