Desesperada por um emprego para se manter sozinha, Anabelle aceita o que parece ser sua única opção: trabalhar como babá de trigêmeos — três pestinhas inteligentes, afiados e cheios de truques na manga. Preparada para enfrentar guerras de comida, perguntas espertas e bonecas voadoras, ela não imaginava que o verdadeiro desafio morava no andar de cima. Sebastian Davis, o pai das crianças, é tudo o que Anabelle não precisa: lindo de tirar o fôlego, dono de um temperamento difícil, um olhar que derrete a alma — e uma língua afiada que parece feita só para provocá-la. Entre batalhas infantis, jantares constrangedores e olhares que dizem mais do que deveriam, Anabelle vai perceber que talvez manter o emprego... seja o menor dos seus problemas. Uma comédia romântica cheia de tensão, diálogos afiados, crianças intrometidas e um pai cretino que pode ser bem mais perigoso para o coração do que aparenta.
Ler maisTalvez fosse a chuva incessante, que tamborilava sem piedade nas janelas desde a madrugada, como se o próprio céu estivesse de luto.
Talvez fosse o Napoleão — meu cachorro dramático e chantagista — que, pela primeira vez em meses, não tentou me acordar mordiscando meu pé em troca do café da manhã.
Talvez fosse o maldito despertador que, em um ato de traição, decidiu simplesmente não tocar.
Ou talvez fosse a última gota do meu sagrado café que acabou ontem, e que, no caos da manhã, eu esqueci de repor.
Talvez — e esse é o golpe final — fosse o meu velho fusca amarelo, que resolveu morrer na garagem, emitindo apenas um suspiro deprimente quando tentei dar partida.
Tudo, absolutamente tudo, parecia conspirar contra mim. Sinais claros, gritantes, de que aceitar esse emprego maluco como babá de trigêmeos era a pior ideia que já tive na vida. Mas mesmo assim, lá estava eu.
Espremida no ônibus lotado entre um homem tatuado até o pescoço, com cabelo rosa-choque e fone de ouvido vazando um heavy metal ensurdecedor, e uma senhora que devia pesar pelo menos 150 quilos e que, indignada, fazia um monólogo interminável sobre como detestava o clima úmido e triste desta cidade miserável.
Eu me equilibrava como podia: um copo de café morno numa mão, e a outra agarrada com força à barra de ferro acima da minha cabeça — única coisa entre mim e a queda dramática que, com certeza, levaria mais umas cinco pessoas comigo.
Era isso. O resumo perfeito da minha vida naquele momento: caos, café ruim e decisões questionáveis. E, mesmo assim, lá estava eu. Indo direto para o olho do furacão chamado “trigêmeos”.
Onde, em nome de tudo que é sagrado, eu estava com a cabeça? Cuidar de trigêmeos? TRIGÊMEOS?! Merda… eu mal consigo cuidar de mim mesma sem causar um desastre por dia!
E esse pai? Onde ele estava com a cabeça? Será que ele realmente leu meu currículo? Porque, sinceramente, só pode ter passado o olho e pensado: “Ah, essa aqui parece desesperada o suficiente para aceitar qualquer coisa.” Porque se ele tivesse lido com um mínimo de atenção, não seria idiota a ponto de me contratar pra cuidar de três crianças ao mesmo tempo.
Meu glorioso histórico profissional consiste em dois marcos inesquecíveis. O primeiro: secretária em uma locadora de DVD’s — sim, DVD’s, aqueles discos jurássicos que ninguém mais usa. Fui demitida porque, tentando alcançar A Pequena Sereia, derrubei TODAS as estantes de filmes como se fosse uma cena de ação mal coreografada.
O segundo: atendente no Starbucks. Onde, num momento de total pane cerebral, deixei a máquina de sorvete aberta e transformei o chão da cafeteria numa piscina de morango. Literalmente nadei naquele troço por duas horas até me lembrar que existia uma tomada. UMA. TOMADA. Era só puxar.
Maldita pequena sereia. Maldito sorvete de morango.
E justo quando eu achava que nada podia piorar, o metrô decide sacudir e tocar "Bang" no volume máximo. Por um segundo achei que fosse o sistema de som do vagão. Até perceber que a música irritante vinha da MINHA bolsa. Claro. Porque desgraça pouca é bobagem.
Com uma ginástica que desafiava as leis da física, equilibrei meu copo de café numa mão e agarrei a barra de ferro com a outra. Usei o que restava de coordenação motora pra abrir o zíper da bolsa enquanto revirava tudo como uma criminosa em busca de provas. Finalmente achei o celular. Atendi, enfiando o aparelho entre o ombro e a orelha, enquanto tentava fechar a bolsa sem derrubar minha dignidade no chão junto com as minhas coisas.
— Por que você não foi de carro?! — gritou a voz da Jessica no telefone, tão alta que me fez dar um pulo e quase derrubar o copo de café.
— Não grita, inferno! — resmunguei, ajeitando a bolsa no ombro e pegando o celular com mais cuidado. — O carro não quis ligar, então... metrô mesmo.
Eu já sabia que ela iria me xingar até perder a voz por aparecer no primeiro dia de trabalho cheirando a gente espremida em transporte público. Mas o universo decidiu que esse ainda não era o meu fundo do poço.
No exato momento em que pensei isso, o metrô fez uma curva tão brusca que o café voou inteiro na minha blusa, me desequilibrei e esbarrei com força na senhora ao meu lado — a mesma que reclamava do clima desde a estação anterior. Ela cambaleou, tropeçou e caiu com tudo em cima de um adolescente magrelo, que, pelo som que saiu dele, perdeu a alma junto com o ar dos pulmões.
— Merda! Merda! Merda! — xinguei alto, tentando limpar a blusa com a mão suja de café, o que obviamente não ajudou em absolutamente nada.
Enfiei o celular no bolso, esquecendo completamente que Jessica ainda estava na linha, e abracei a barra de ferro como se ela fosse meu último fio de sanidade. Tirei o casaco, tentando usá-lo para limpar a blusa, mas só consegui piorar a situação: a mancha espalhou ainda mais e o sutiã rosa florescente que eu ingenuamente tinha escolhido naquela manhã resolveu dar um olá para o mundo.
Num surto de dignidade, vesti o casaco de novo e fechei o zíper com tanta força que quase o quebrei.
— Eu devia ter ficado na cama! — murmurei, entre os dentes, para ninguém em especial. Ou talvez para o universo, pra ver se ele se tocava e me dava uma folga.
Percebi que o metrô já estava parado na estação onde eu deveria descer — e claro, bem na hora em que meus neurônios decidiram tirar um cochilo. Me lancei para fora do vagão como se minha vida dependesse disso, finalmente sentindo o ar fresco invadir meus pulmões, substituindo o perfume nada discreto de suvaqueira alheia e desespero coletivo.
Corri. Duas quadras inteiras com o café seco grudado na blusa, o zíper do casaco arranhando meu pescoço e o cabelo desgrenhado parecendo que eu tinha acabado de sair de um furacão. Já estava atrasada, e com certeza parecendo uma fugitiva da moda e da pontualidade.
Então, eu parei. Bem em frente à casa.
Quer dizer... casa era bondade da minha parte. Aquilo era uma mansão. Tipo aquelas que a gente vê em novela das nove e tem certeza de que nem em cinco encarnações conseguiria pagar o IPTU. Tinha uma fachada branca com colunas, um portão imenso, e juro que até os arbustos pareciam ter sido podados por um artista renascentista.
Me aproximei do interfone ao lado do portão e, num ato de desespero, tentei ajeitar o cabelo com os dedos. Um esforço completamente inútil. A essa altura, meu reflexo parecia mais uma mistura de poodle molhado com estátua do Louvre mal restaurada.
Toquei o botão e esperei. Alguns segundos depois, uma voz masculina e séria saiu do alto-falante:
— Em que posso ajudá-la?
Me aproximei do aparelho, quase enfiando o nariz nele, sem saber se ele conseguia me ouvir de verdade ou se era só pra me assustar.
— Sou a nova babá! Hoje é meu primeiro dia pra cuidar dos trigêmeos. Meu nome é Anabelle — falei um pouco mais alto, com aquele tom de "por favor, me deixa entrar antes que eu desmaie na calçada".
Houve uma pequena pausa do outro lado, e então a voz retornou:
— Sim, Srta. Montgomery. Pode entrar.
O portão fez um clique elegante — até o barulho era rico — e eu engoli em seco. Era oficial: não havia mais volta.
Babá de trigêmeos. O que poderia dar errado?
Ellie— Mas então... — girei na cadeira, deixando o movimento me embalar, até parar com o corpo voltado para Dominic. Ele estava sentado na mesa do Diabo, bebendo seu refrigerante despreocupado. — É loucura minha, ou a Angel está caidinha por você?A cena foi melhor do que eu poderia esperar. Ele se engasgou na hora, tossindo como se tivesse acabado de aspirar veneno, os olhos arregalados, quase em pânico.— O quê? Caidinha por mim? — a voz saiu embargada, ele bateu o punho no peito tentando recuperar o ar. — Não! — deu uma risada nervosa. — Não viaja.— Aham… — prolonguei o som, deixando meu sorriso crescer enquanto girava de novo na cadeira, só para
CharlieO cheiro de ferrugem e óleo queimado impregnava o ferro-velho, e cada passo que eu dava fazia ecoar o barulho de sucata sendo esmagada debaixo do meu All Star. O Diabo, por outro lado, parecia desfilar como se estivesse em uma passarela, inspecionando carro por carro com um interesse quase... artístico.— Charlie, querido, seja menos emburrado — ele se encostou na carcaça de um sedã dos anos oitenta, cruzando os braços como se estivesse prestes a posar para uma pintura.— Diabo, querido, você está rodando esse lugar há duas horas e não decide qual porcaria de carro vai querer. — Cruzei os braços, tentando ignorar o latejar de dor na minha têmpora.Eu já estava cansado, irritado e com a paciência no limite. Meu trabalho no ginásio do pai não era exatamente o que eu sonhava quando decidi ser fisioterapeuta. Passava o dia cuidando de músculos estourados e egos ainda mais doloridos. Alguns daqueles lutadores tinham o talento único de me lembrar Thomas quando tinha sete anos: teimo
EllieSaí pela porta principal da mansão, sentindo o ar fresco da manhã tocar meu rosto, mas não cheguei a descer o primeiro degrau.Anabelle estava ali, sentada na varanda, as mãos apoiadas no colo, o olhar perdido em algum ponto distante do jardim. Nos últimos dias, eu havia notado algo diferente nela — um peso, talvez, ou um silêncio que parecia mais espesso que o normal.Eu não a conhecia de verdade. Entre todas as pessoas daquela casa, ela era a que eu menos tinha contato. E ainda assim, cada vez que me aproximava, havia um desconforto que crescia no fundo do estômago. Anabelle era, para todos ali, a minha mãe. Mas eu sabia a verdade. Biologicamente, eu era filha de Moora — ou Milla, como os Davis a conheciam. Sebastian— Não é porque você é minha filha que eu vou pegar leve. — avisei, firme, encarando Ellie.— Eu notei. — Angel resmungou, mais para si do que para nós, se afastando do tatame com a garrafinha d’água em mãos.— Dê o seu melhor, Sebastian. — Ellie disse com um sorriso que parecia desafiador e calmo ao mesmo tempo.Naquele instante, alguma coisa dentro de mim travou.Foi como encarar um espelho torto — não daqueles que mostram o rosto, mas daqueles que escancaram a alma. Não havia dúvida: ali estava uma parte de mim. Algo que sempre soube que existia, mas nunca tive coragem de nomear.Ela não tinha meu rosto.Mas tinha meu fogo.Minha raiva contida.Minha impulsividade.Era como ver a versão mais crua e afiada de mim mesmo. Uma versão feminina. Mais voraz. E tão parecida comigo que doía.E o mais cruel de tudo? Ela nem sabia.Ela me olhava como se estivesse pronta para arrancar um pedaço de mim. Não piscava. Não sorria. Não dava sequer um passo em falso.Dei o primeiro passo, fCapítulo 78
SebastianEu estava começando a odiar até mesmo a sombra do Diabo.Desde que o plano havia ganhado forma, ele e Charlie andavam juntos demais. O motivo oficial era encontrar um carro não rastreável para a fuga. Mas eu conhecia o Diabo. E ver aquele olhar protetor voltado para Charlie me causava algo que eu não queria nomear.Raiva?Ciúmes?Medo?Talvez um pouco de tudo.Mas por outro lado… Ellie.Ela tinha vindo jantar na minha casa. Não para discutir o plano, não para debater armamentos ou rotas de invasão. Só… veio. Sentou à mesa, riu com Lauren, escutou minha playlist ridícula de jazz antigo e comeu o frango assado que fiz sem qualquer talento culinário.E por algumas horas, eu acreditei que havia esperança.Então, claro, tudo desabava de novo quando eu voltava ao mundo real.Anabelle mal olhava na minha cara.Dormíamos na mesma casa, respirávamos o mesmo ar, e mesmo assim ela parecia quilômetros longe. Quando falava comigo, usava o tom neutro de quem fala com um estranho. Sem meu
AnabelleEu precisava de um pouco de ar. Mesmo que, naquele lugar, o ar fosse denso, quente e impregnado de fumaça e pecado.Saí de fininho do escritório do Diabo, deixando para trás vozes sobre mapas, rotas e distrações. O cheiro de cigarro barato misturado com bebida forte e couro velho se agarrava às narinas como um aviso constante de onde estávamos. O chão, de cimento cru, estalava sob meus saltos, e as luzes vermelhas fracas que iluminavam o corredor faziam sombras dançarem pelas paredes como demônios zombando da nossa loucura.O Inferninho.Era esse o nome. Cínico e óbvio, como tudo que envolvia aquele homem de ternos extravagantes.No centro d
Último capítulo