— Eu odeio aquela garota nojenta! Eu nem toquei nela! — Lauren cruzou os braços e bufou com uma cara de desgosto, os olhos lançando um olhar cheio de raiva na direção da professora que a havia repreendido.
— Por que não me conta o que aconteceu? — Perguntei, tentando manter a calma, mesmo vendo a frustração estampada no rosto da menina.
— Aquela metida não aceita que eu rodopio melhor que ela. Ela veio querendo roubar meu lugar, então eu empurrei ela pra ela sair, e ela se jogou no chão gritando que eu chutei ela! — Lauren falou, a voz cheia de indignação, os ombros tensos como se quisesse explodir.
— Lauren, você tentou dizer isso para a professora? — Perguntei, tentando entender como a situação toda havia se desenrolado, o que fazia com que a menina estivesse tão irritada.
— Tentei, mas a babona da Alicia é a queridinha da professora! Agora meu pai vai me matar! — Ela soltou as palavras de forma dramática, os olhos marejados, mas ela estava tentando parecer forte, sem querer demonstrar fraqueza.
Observei sua expressão e senti uma leve dor no peito ao ver aquele olhar cheio de frustração. Lauren era cheia de energia e atitude, mas por trás de tudo isso, ela ainda era uma garotinha machucada.
— Que tal assim, eu falo com o seu pai e explico o que aconteceu? Tudo bem? — Propus, tentando acalmá-la, e me agachei um pouco para ficar na altura dos seus olhos, que estavam brilhando com a ameaça de lágrimas.
— Por que você faria isso? Nenhuma babá que já tivemos realmente acreditou em nenhum de nós... — Lauren se levantou e, com as mãos na cintura, me encarou com uma postura decidida, como uma mocinha adulta, desafiadora.
Sorri internamente com a atitude dela e respondi:
— Eu tenho um segredo para você. — Me levantei, colocando as mãos na cintura também, imitando sua postura com um sorriso no rosto. — Eu não sou qualquer babá.
Dei uma piscadela divertida e comecei a caminhar na direção da porta. No canto do olho, percebi que Lauren hesitou por um momento, mas logo começou a me seguir, ainda desconfiada, como se estivesse tentando entender minhas intenções.
Ok, pelo menos ela está começando a confiar em mim. Eu sabia que precisava ganhar o coração daqueles três, e esse primeiro passo era essencial.
Preciso urgentemente fazer amizade com essas crianças.
Eu e Lauren ficamos ali, em silêncio, até que Charlie e Thomas terminassem suas aulas. A espera foi tranquila, mas o tempo parecia se arrastar, o que só fez aumentar minha curiosidade sobre o comportamento das crianças. Quando finalmente os dois saíram da sala, seguimos para a mansão sem pressa, cada um em seus próprios pensamentos.
Chegando em casa, o movimento foi quase automático. Cada um se dirigiu aos seus quartos, sem trocar palavras, como se fosse uma rotina já estabelecida. Eles sabiam o que fazer e como fazer. Tomaram banho, se trocaram rapidamente e logo estavam prontos, indo em direção à sala de jantar.
O café da tarde já estava posto na mesa, com pães, bolos e sucos variados. Todos se sentaram sem dizer muito, mas logo começaram a conversar sobre as atividades que tinham feito durante as aulas. Lauren comentou sobre sua aula de balé, Charlie sobre futebol, e Thomas reclamou da salada que teve que comer. Eu apenas observei, sentada, sem participar da conversa.
Era como se, naquela mesa, todos seguissem um script invisível, uma coreografia bem ensaiada. O mais estranho de tudo era a mudança no comportamento das crianças quando seu pai não estava por perto. Lá, sem ele, eles pareciam mais à vontade, mais soltos. Conversavam entre si de uma forma quase natural, como se não precisassem se preocupar com os olhos vigilantes de alguém.
Era uma sensação desconcertante, porque, por mais que tentasse não pensar nisso, eu não podia deixar de perceber que havia algo de estranho. Algo que não se encaixava no quadro. As crianças pareciam mais… leves, quase como se estivessem se livrando de um peso. Como se, quando o Sr. Davis não estava presente, as correntes invisíveis que os prendiam se soltavam.
Eu tentei afastar essa sensação, me dizendo que estava exagerando. Talvez fosse apenas a diferença entre estar com o pai e estar sem ele. Mas, mesmo assim, não conseguia deixar de pensar que as crianças tinham algum tipo de medo do próprio pai. Uma percepção que eu ainda não sabia se era real ou apenas fruto da minha imaginação.
Mas quem sabe? Talvez fosse besteira, só um pensamento passageiro.
Ouvi um barulho vindo da cozinha — algo como uma panela caindo ou uma porta batendo — e virei o rosto, instintivamente curiosa. Mas o que me distraiu por apenas alguns segundos foi o suficiente para que, ao me virar de volta para a sala de jantar, os três pequenos Houdinis tivessem simplesmente desaparecido.
Nada. Nenhum sinal de Lauren, Thomas ou Charlie.
— Lauren? Thomas? Charlie? — chamei, me levantando num pulo e caminhando até o corredor.
Silêncio.
Comecei a andar pela casa, que mais parecia um labirinto de novela rica. Cada porta que eu abria me levava a outro cômodo enorme e vazio. Subi escadas, desci escadas, virei corredores e nada.
— Vocês estão brincando comigo, né? — falei para o ar, esperando alguma risada escondida embaixo de um sofá ou atrás de uma cortina. Nada.
A mansão parecia ter se tornado um cenário de filme de terror onde as crianças somem misteriosamente, e eu era a babá novata no papel principal da vítima desesperada.
Parei bem no meio da sala de estar, coloquei as mãos nos quadris e respirei fundo. O relógio na parede marcava um horário nada animador: faltavam poucos minutos para o Sr. Davis chegar. E se ele chegasse e as crianças tivessem evaporado no ar sob minha responsabilidade? Adeus emprego. Adeus dignidade. Olá carta de recomendação do fracasso.
Fechei os olhos por um segundo e deixei sair um longo suspiro.
— Ok, crianças… — falei em um sussurro, me virando em círculos — Vamos brincar!
— Meu Deus do céu, minha vida acabou! — gritei dramaticamente, jogando os braços pro alto como uma atriz de novela mexicana. — Vou perder a droga do meu emprego!
Andei de um lado para o outro pela sala de estar como uma galinha desesperada, os olhos percorrendo cada canto, cada móvel, cada sombra. O relógio da parede parecia zombar de mim a cada segundo que passava.
— Se o pai desses três chegar e me vir sem eles... eu tô acabada! — exclamei, me jogando no chão como se aquilo fosse resolver alguma coisa.
Sentei ali mesmo, no tapete enorme e macio, tentando escutar qualquer risadinha ou passo apressado. Estava com os olhos fixos na escada quando uma sombra se moveu. Estreitei o olhar e vi um pedacinho de camiseta branca e um tênis azul mal escondido atrás do corrimão.
Sorri de canto, levantando com um pulo digno de quem acabou de vencer uma guerra.
Corri para a sala de jantar, batendo os pés com toda a empolgação de uma detetive que desvendou um mistério, e gritei em alto e bom som:
— Um, dois, três... Charlie atrás da escada!
Voltei triunfante para a sala, com os braços cruzados e um sorriso vitorioso no rosto. Charlie saiu lentamente de trás da escada, com os olhinhos arregalados, tentando conter o riso.
— Você... você entrou na brincadeira? — perguntou, incrédulo, como se aquilo fosse a coisa mais absurda que já tinha presenciado.
Joguei os cabelos para o lado de forma exageradamente dramática, como uma diva de filme antigo.
— É claro que entrei. Agora senta essa bunda no sofá que eu ainda tenho dois fugitivos pra capturar.
Charlie se jogou no sofá com um risinho contido, enquanto eu partia em busca dos outros dois com a empolgação de quem tinha acabado de descobrir seu superpoder secreto: saber brincar.