Capítulo 2

Os portões de ferro se abriram com um rangido elegante — até o barulho parecia ter pedigree — e eu comecei a caminhar pela estradinha de pedras, ladeada por árvores tão grandes que pareciam saídas de um filme medieval. A mansão surgia à minha frente com toda a imponência de quem tinha sido construída apenas para intimidar visitantes pobres como eu. No centro do jardim, um chafariz esguichava água como se dissesse: bem-vinda à sua humilhação diária.

Subi a pequena varanda de madeira branca e mal levantei a mão para tocar a maçaneta dourada da porta quando ela se abriu sozinha — como se a casa tivesse sensores de vergonha alheia.

— Seja bem-vinda, senhorita Montgomery.

A voz vinha de um senhor que parecia ter saído de um catálogo de mordomos britânicos. Ele vestia um terno impecável e uma gravata borboleta azul-marinho, combinando perfeitamente com o bigode preto que parecia ter sido pintado com canetinha. O detalhe curioso? Seus cabelos eram completamente grisalhos, o que fazia o bigode parecer um acessório de carnaval colado em um rosto pálido e muito sério.

— Olá — sorri da forma mais educada possível, embora meu sutiã rosa ainda estivesse secando sob o casaco.

— O senhor Davis irá vê-la agora. Siga-me, por gentileza.

Ah, que ótimo, pensei enquanto o seguia. Depois da secretária dele me entrevistar por duas horas, me mandar quatro e-mails, uma planilha de horários e ainda me ligar exigindo que eu explicasse por que não tinha curso de primeiros socorros... agora ele quer me ver pessoalmente? Nossa, até que foi rápido. Só levou uma eternidade.

Atravessei uma sala que parecia uma mistura de museu com salão de baile — só faltava a Cinderela —, tropecei três vezes na escada que parecia não ter fim, e percorri um corredor interminável cheio de quadros de lutadores de boxe em posições tão intensas que eu quase entrei em guarda só de olhar.

Claro, o Sr. Davis era um lutador famoso. E, pelo tamanho da casa e quantidade de troféus brilhando em cada canto, claramente um que ganhava mais do que apenas hematomas. Nada me impressionava mais naquele ponto — exceto talvez o fato de eu ainda estar ali, viva, e prestes a cuidar de três versões mirins de alguém que provavelmente sabia aplicar um mata-leão desde os dois anos de idade.

Logo chegamos ao que, com 99% de certeza, era o escritório do Sr. Davis — e o 1% restante provavelmente estava em negação. O ambiente exalava um cheiro forte de uísque envelhecido misturado com o aroma amadeirado e denso de tabaco. Era como entrar em um filme noir, daqueles em que os personagens fumam charuto com a mesma naturalidade com que respiram.

As paredes estavam lotadas. Quadros e mais quadros de lutadores musculosos em poses vitoriosas, luvas autografadas em molduras douradas, cinturões reluzentes pendurados como troféus de guerra e prateleiras abarrotadas de prêmios que pareciam pesar mais do que eu com mochila nas costas.

No centro da sala, uma mesa gigantesca — e igualmente bagunçada — estava coberta de papéis, pastas, revistas esportivas e uma caneca com a frase "O Campeão Aqui Sou Eu". Sério. Nem precisei olhar duas vezes pra saber que ego não era um problema naquela casa.

Atrás da mesa, uma poltrona de couro preto, girada de costas. Tão clichê que só faltava a musiquinha de suspense ao fundo. Assim que o mordomo fechou a porta com um clique silencioso, a cadeira começou a girar lentamente. Eu juro, por um segundo achei que o Marlon Brando ia aparecer ali dizendo que faria uma oferta que eu não poderia recusar.

Mas não.

Quem apareceu foi o pai dos trigêmeos. O homem que confiaria três pequenas criaturas humanas à minha total (in)capacidade.

— Srta. Montgomery, sente-se — ele disse com a voz grave e calma, como quem está acostumado a dar ordens e vê-las serem obedecidas no ato.

E então eu vi.

Olhos cinzentos. Não qualquer cinza — aquele tom metálico e intenso, igual ao céu minutos antes de uma tempestade cair com tudo. Penetrantes. Aquele tipo de olhar que parece te atravessar e descobrir seus pecados de infância. Cabelos loiros escuros, ligeiramente bagunçados, caindo com um descuido milimetricamente calculado sobre a testa, como se ele tivesse saído de um ensaio fotográfico e não da sala de reuniões. A mandíbula marcada, com uma leve sombra de barba por fazer. Lábios finos, comprimidos um contra o outro em uma linha séria — e, claro, sexy. Porque o universo não tem dó de gente desgraçada com autoestima instável.

O homem era lindo. Lindo num nível que deveria ser proibido por lei, especialmente se você está suada, com café manchado na blusa, e usando um sutiã rosa visível por baixo do casaco.

Maldição.

Os trigêmeos provavelmente iam me matar. Mas não antes de o pai deles acabar com o resto da minha dignidade com apenas um olhar.

Me sentei na única cadeira disponível à frente da sua mesa — uma poltrona dura, nada acolhedora, que só reforçava a sensação de que eu estava prestes a ser julgada pelos meus crimes. Instantaneamente, me senti com doze anos de novo, quando a coordenadora me chamava na diretoria por pintar bigodes nos cartazes de campanha da escola.

Ele me observava com aquele olhar frio e analítico, como se estivesse tentando decidir se me jogava pela janela ou só me ignorava até eu desaparecer por vontade própria.

— De fato, eu fiquei meio confuso ao ver seu histórico de trabalho. — Sua voz era grave, pausada, cada palavra saía com um certo peso, como se estivesse narrando uma partida de xadrez entre dois gênios. — Como você pode ter superado as outras trinta mulheres na entrevista?

A pergunta era retórica. Eu sabia. E mesmo assim doeu um pouquinho.

— Mas, de algum jeito, a louca da minha ex-mulher te achou boa o suficiente pra cuidar dos meus filhos.

Ah, o romance moderno. Tão doce quanto um tijolo na cabeça.

Tentei manter uma expressão neutra, mas era impossível ignorar que, mesmo com a camisa social de manga longa cobrindo boa parte do corpo, dava pra ver perfeitamente o contorno dos músculos dos braços dele. Definidos. Muito definidos. E eu ali, me sentindo a pior das profissionais por estar descaradamente secando meu futuro chefe.

Mas vamos ser sinceros? O homem parecia ter saído direto de uma campanha da Calvin Klein versão “lutador de boxe executivo”.

Ele continuou:

— Enfim… meus filhos são três pequenos demônios disfarçados de crianças. Difíceis, teimosos, imprevisíveis. Eu duvido muito que você dure uma semana aqui. Então, vou te passar apenas o básico que você precisa saber…

Maravilha. Que injeção de confiança! A autoestima até quis fazer as malas e ir embora. Mas quer saber? Eu ouviria essa mesma frase em looping infinito se fosse dita por aquela voz rouca e carregada de arrogância. Literalmente, que me xingue mais, chefe bonitão.

Tentei manter a compostura, mas por dentro eu estava dividida entre a vontade de correr dali e o impulso de perguntar se ele já tinha alguém pra cuidar de mim também.

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