— Lauren tem balé, Thomas tem futebol e Charlie tem aula de artes. Todos às quinze horas, terminam às dezessete. O motorista os leva e busca.
Ótimo. Duas horas do meu dia livre. Tempo suficiente pra jogar Candy Crush, atualizar o I*******m ou, o mais provável, ficar imaginando o pai absurdamente lindo dessas crianças sem camisa — com todo o respeito, claro.
— Terça-feira, os três têm aulas de etiqueta na biblioteca, às quinze e trinta.
Etiqueta. Com oito anos de idade. Eu, com vinte e poucos, ainda como miojo direto da panela e eles estão aprendendo a usar o garfo de sobremesa do jeito certo. Ok.
— Quarta-feira é dia de natação às quinze e teatro às dezesseis e trinta.
Com oito anos de idade e uma agenda mais lotada que a da Beyoncé. Começo a desconfiar que nem são crianças. Devem ser algum tipo de experimento do governo.
— Quinta-feira eles saem com a mãe… então é seu dia de folga.
Com a “vadia da mãe”, foi o que ele quis dizer, mas preferiu manter um resquício de civilidade. E tudo bem, ela pode ser vadia aos olhos dele, mas aos meus… bom, ela é uma deusa que já dividiu uma cama com aquele homem. Isso por si só é currículo o suficiente pra ganhar minha admiração eterna.
— Sexta-feira, eles têm aula de artes marciais. Das dezesseis às dezoito.
Alguém avisa esse homem que eles têm OITO anos? Oito. Quando eu tinha essa idade, meu maior compromisso era não perder o episódio novo de Pokémon.
E, por fim:
— Almoçam ao meio-dia, tiram uma soneca depois e vão pra cama às vinte horas em ponto. Seu trabalho é basicamente manter eles vivos, acompanhar nas atividades e garantir que minha casa continue de pé.
Ah, ótimo. Só manter três mini-humanos hiperativos, cheios de compromissos e possivelmente com tendências ninja, vivos e sob controle. Facinho.
— Tenha uma boa tarde.
Ele se virou na cadeira como se tivesse acabado de me dar instruções sobre regar plantas, e não sobre sobreviver a um campo minado em forma de família rica.
A conversa unilateral terminou ali. Literalmente. Sem aperto de mão, sem “boa sorte”. Só um homem cheiroso, bonito como o pecado e absolutamente indiferente à minha existência, girando a cadeira de volta e me deixando com vontade de perguntar se eu podia ser adotada em vez de contratada.
Definitivamente, eu deveria ter ficado na cama.
Saí do escritório soltando o ar que nem percebi estar prendendo — provavelmente desde o momento em que entrei e fui atingida pela aura de testosterona e autoridade do Sr. Davis. Meus pulmões agradeceram, mas minha sanidade ainda estava em estado de choque.
— Então você é a nossa babá? — uma voz aguda e debochada soou no fim do corredor.
Olhei pra frente e dei de cara com três crianças paradas como se fossem os jurados do The Voice Infernal da Babá. Mesma altura, mesma idade, mas olhares diferentes — e todos letais.
— Não dura três dias — disse o segundo, com um sorriso presunçoso que me deu vontade de ligar pra minha mãe e pedir colo.
— Vai sair correndo antes do final da tarde — emendou o terceiro, cruzando os braços e me encarando como quem observa um inseto prestes a ser esmagado.
Ótimo. Três pequenos demônios com confiança de CEO e coração de pedra. E eu? Uma adulta funcional só no papel, que mal sabia cuidar de uma samambaia sem matá-la.
Eu estava tão, mas TÃO fodida.
Talvez eu estivesse enlouquecendo. Ou talvez tivesse assistido Esqueceram de Mim mais vezes do que o recomendado pela Organização Mundial da Sanidade Mental.
Mas, no segundo em que encarei os três pares de olhos azuis parados diante de mim, uma cena cinematográfica se formou na minha cabeça com a clareza de um pesadelo bem dirigido: bolinhas de gude sendo espalhadas pela escada em câmera lenta, meu corpo escorregando feito um boneco de posto desgovernado, um crack dramático anunciando meu braço quebrado… e, para finalizar com estilo, um balde de tinta azul virando sobre a minha cabeça.
Tudo isso só com eles parados me olhando.
— Oi… — tentei sorrir, forçando uma simpatia que claramente não convencia nem a mim mesma.
— Quem é você? — perguntou a menina, com um tom tão analítico que senti que estava sendo avaliada dos pés à cabeça.
— Meu nome é Anabelle… mas podem me chamar de Ana — me aproximei devagar, como quem tenta não assustar uma alcateia de lobos. Mantive uma distância segura. Segurança é tudo.
— Anabelle igual a do filme? — um dos meninos falou, inclinando a cabeça com um sorriso maquiavélico. — Tem cara de boneca assassina mesmo!
A risada diabólica que ele soltou logo depois ecoou pelo corredor como trilha sonora de um filme de terror infantil.
Ótimo. Só ótimo.
Porque os únicos com cara de assassinos aqui definitivamente não eram eu.
— Olha só — olhei para o relógio no meu pulso, tentando manter a calma. — Já é quase meio-dia, que tal tirarmos a roupa do colégio e tomarmos um banho?
A menina me olhou de cima a baixo e cruzou os braços, fazendo uma expressão que me lembrou de uma mini versão de uma mãe super exigente.
— A gente não tem 3 anos, sabemos o que fazer — respondeu, como se fosse óbvio.
— Claro que sabem! Eu só estou aqui para dar uma ajudinha quando precisarem! — forcei um sorriso, tentando manter a calma.
Os três deram de ombros e saíram andando com uma confiança que, sinceramente, me dava medo. Eu os segui até entrarem em outro corredor. E, no fundo da minha mente, o pânico se instalou: Quantos corredores tem essa casa? Vou me perder aqui com toda a certeza.
O corredor parecia interminável. Quatro portas, todas com plaquinhas de madeira com os nomes dos donos dos quartos. No meio, uma placa que me fazia sentir como se estivesse sendo observada: Babá.
Com 8 anos, essas crianças tinham seus próprios quartos. Com 8 anos, eu ainda dormia com a minha mãe. E isso, de alguma forma, me fez sentir que eu estava completamente perdida no processo de amadurecer.