Mundo de ficçãoIniciar sessãoHelena achava que conhecia o amor. Achava que o casamento com Cássio — o carismático designer e fundador de um império — seria o retrato perfeito da vida que sempre sonhou. Mas por trás das paredes de vidro e dos sorrisos calculados, havia rachaduras invisíveis. E quando a traição veio à tona, tudo desabou. Entre os estilhaços da própria vida, Helena se vê obrigada a recomeçar. Longe dos holofotes e das aparências, ela descobre a solidão, o medo — e, pouco a pouco, a força que sempre existiu dentro dela. O reencontro com Santiago, um artista intenso e enigmático que nunca a esqueceu, reacende algo esquecido: o desejo de viver por si mesma, não pelos outros. Mas Cássio não é o tipo de homem que aceita perder. Enquanto tenta salvar sua imagem pública e o império que construiu, ele se vê cada vez mais prisioneiro das próprias mentiras — e da obsessão de Silvia, sua funcionária ambiciosa, que está disposta a tudo para tê-lo, mesmo que precise destruir o que resta ao redor. Entre espelhos e máscaras, verdades e versões, Quadros de um Divórcio é um retrato visceral sobre o fim — e tudo o que nasce depois dele. Um romance sobre mulheres que aprendem a se ver além dos reflexos, homens que confundem poder com amor, e as arestas cortantes de um mundo onde cada escolha pode ser um golpe… ou uma libertação. Quando o verniz das aparências começa a rachar, quem sobrevive: o que você era — ou quem você finalmente escolhe ser?
Ler maisO relógio antigo da sala marcava nove e meia da noite. O ponteiro fazia um som seco, repetitivo, que parecia ecoar pela casa inteira.
Helena Duarte estava sentada diante da mesa de jantar, com uma xícara de chá ainda quente entre as mãos. Observava o vapor subir e desaparecer no ar, como se fosse um reflexo perfeito do que sentia dentro de si: aquele amor inquestionável que um dia sentira agora se dissipava e dava lugar a uma fria decepção.
A casa, espaçosa e moderna, era fruto de anos de decisões conjuntas, mas refletia mais os gostos de Cássio do que os dela. Helena havia escolhido os móveis, as cores das paredes, os quadros, mas sempre buscando agradar a ele — os tons neutros, o design minimalista, cada peça cuidadosamente alinhada ao estilo que ele apreciava. Tudo tinha seu toque, sim, mas não sua essência.
Era um espaço impecável e elegante que impressionava os outros…, mas frio, distante, que jamais conseguira fazê-la se sentir verdadeiramente em casa.Apenas aquele relógio, aquele velho relógio, cujo ritmo parecia ironicamente seguir as batidas do seu coração no silêncio séptico da casa, carregava um pouco da alma dela.
A madeira escura, levemente desgastada pelo tempo, exibia delicados entalhes de arabescos que lembravam mãos entrelaçadas, e o pêndulo balançava com uma cadência hipnotizante, como se suspendesse o tempo a cada vaivém.O barulho da fechadura eletrônica interrompeu o silêncio.
Cássio entrou, sorridente, terno impecável, o cheiro de perfume caro anunciando sua presença. Ele se aproximou e lhe deu um beijo rápido na testa, distraído.— Amor, você não imagina como foi puxado hoje. — Largou a pasta sobre o sofá e afrouxou a gravata. — Mas o contrato saiu, finalmente.
Helena sorriu, o brilho ausente nos olhos denunciava que não havia alegria ali, apenas uma máscara polida.
— Que bom, Cássio. Fico feliz por você.Ele não percebeu a falta de entusiasmo, ocupado demais em mexer no celular.
Helena observou de canto de olho enquanto ele digitava, os dedos rápidos demais, os olhos iluminados não pelo reencontro com ela, mas pela tela. E a cada segundo, o coração dela apertava mais.Fazia meses que via os sinais. Mudanças sutis: o perfume diferente nas camisas, as desculpas de reuniões que se estendiam até altas horas, as noites fora de casa, o modo como ele parecia estar sempre em outro lugar, mesmo presente.
Era como se ela não estivesse ali, não mais.
Como se fosse só mais um dos itens decorativos da casa, da vida dele.Mas ela não queria acreditar. Não podia.
Cada célula do seu corpo teimava em buscar explicações que fizessem sentido, qualquer justificativa que lhe permitisse continuar vivendo naquele mundo cuidadosamente montado — um mundo que ela havia moldado para ele e para a ilusão do amor que julgava existir.Ela tentava se convencer de que era apenas cansaço, excesso de trabalho, estresse acumulado.
Lembrava-se das vezes em que ele chegava tarde com uma desculpa plausível, e seu coração, ainda enganado, se acalmava temporariamente. E cada vez que ele sorria, tocava sua mão ou dizia algo gentil, ela sentia que ainda podia existir aquele homem que conhecera, aquele que jurara amá-la................
Mas na noite anterior, a verdade caiu sobre ela sem pedir licença.
Enquanto ele se distraía no banho, o celular vibrou sobre a mesa de cabeceira. Helena nunca foi de bisbilhotar, mas seus olhos pousaram na tela iluminada e o mundo desabou:
“Silvia: Saudade já, meu amor. Ansiosa pra te ver amanhã.”As palavras eram punhais.
Helena respirou fundo, tentando manter o controle. Mas havia algo estranho, uma sensação de estar despida, não apenas fisicamente. A mente esvaziou-se, os pensamentos se perderam, e uma estranha lentidão tomou conta de tudo. O corpo continuava ali, mas parecia apenas uma casca oca. Como se o choque tivesse arrancado a tinta de uma tela, deixando apenas a superfície nua e branca.Não chorou. Não gritou. Não quebrou nada.
Tudo o que restava era o silêncio pesado, denso, carregado da ausência de tudo o que acreditara existir.O chuveiro sendo desligado tirou-a do torpor.
Ela moveu-se sem vontade, como se o corpo tivesse esquecido a própria autonomia, e foi para seu lado da cama. Deitou-se de costas, os olhos fixos no teto, tentando encontrar em suas lembranças qual foi o momento da fissura, ou o porquê dela. Quando e como tudo desandou. E, inevitavelmente, sua mente a levava de volta ao tempo em que tudo começou.Lembrou-se de quando se conheceram.
Cássio com seu sorriso fácil, capaz de iluminar qualquer sala, o olhar intenso de olhos castanhos que pareciam avaliar o mundo como um tabuleiro de xadrez, e o queixo firme que transmitia uma confiança quase arrogante. Seus cabelos escuros, sempre impecavelmente penteados, e o porte ereto davam-lhe uma presença impossível de ignorar. Ele era o tipo de homem que parecia dominar o próprio destino, enquanto ela vivia mergulhada em cores e pincéis, com respingos de tinta nos dedos e ideias demais borbulhando na cabeça.Conheceram-se em uma exposição estudantil, quando Cássio, curioso, parou diante de um de seus quadros.
— Você pinta sentimentos? — perguntou ele, observando as formas abstratas que pareciam pulsar em tons de azul.
— Pinto o que não consigo dizer. — respondeu ela timidamente, sorrindo sem saber que aquele seria o começo de uma história que mudaria todos os seus planos.
Nos meses seguintes, ele passou a frequentar o ateliê improvisado onde Helena criava. Levava café, elogios e promessas. Dizia que ela era o tipo de mulher que merecia o mundo — e, encantada, ela acreditou.
Cássio parecia genuinamente interessado por sua arte, por sua sensibilidade.
E com Helena já formada, quase um ano após se conhecerem, quando ele a pediu em casamento, ela sentiu que o universo finalmente lhe retribuía a intensidade do que ela sempre ofereceu: amor sincero.Lembrava-se do dia em que fechou o ateliê, guardando as telas e os pincéis.
Cássio dizia que logo teriam uma casa maior, um estúdio digno, e que aquela seria apenas uma “pausa temporária”.Mas o tempo passou e o espaço prometido nunca veio.
A cada nova preocupação, cada negócio de Cássio, cada jantar em que ele a pedia para “ser paciente”, Helena se afastava mais das cores que antes a definiam.Enquanto Cássio apenas sonhava em abrir sua própria empresa de design de móveis, foi Helena quem intercedeu junto aos pais, conseguindo o capital inicial que tornaria aquele projeto possível. Se não fosse isso, talvez Cássio jamais teria dado o primeiro passo.
Era Helena quem passava noites acordada ao lado dele, desenhando rascunhos e testando combinações de cores.
— Você tem o olhar que eu não tenho — ele dizia, observando-a transformar simples peças em obras elegantes.Helena sorria, acreditando que faziam tudo juntos. Criou o logotipo da empresa, sugeriu o nome “Studio Cassiani” e até idealizou o showroom que, meses depois, se tornaria referência para todo o setor de designer e decoração.
O sucesso veio rápido, mas junto dele, a distância. Passaram a frequentar eventos, jantares de negócios, e Cássio passou a apresentar as criações como suas.
— Você não entende desse mundo, amor. É melhor deixar que eu fale. — Dizia, com um tom gentil que escondia o início do desdém.Helena aceitava em silêncio, sem perceber que estava desaparecendo por trás do brilho que ela mesma havia criado.
Com o crescimento da empresa, Cássio começou a circular entre arquitetos renomados, investidores e colunistas sociais. Helena, embora fosse a mente por trás, raramente era mencionada.
Ele se acostumou a ser o centro das atenções, e ela, a sombra discreta. Por fim, nem sua presença era mais necessária.
— Helena, não precisa ir nesse evento. É só coisa técnica. — Dizia, ajustando a gravata diante do espelho.Ela ficava em casa, esboçando novas peças e assistindo pela televisão às reportagens que exaltavam o “visionário Cássio Amaral”, sem uma única menção à mulher que esboçara cada linha daquele império que se erguia.
A rotina do casal começou a mudar. Helena ainda tentava manter a casa acolhedora, os jantares tranquilos, mas Cássio vivia ausente, envolvido em viagens e reuniões.
Quando estava presente, trazia consigo um ar de superioridade — o peso de quem acredita que o sucesso é uma conquista exclusiva. Ela ainda o admirava, mas começava a sentir um incômodo sutil, uma distância que o tempo não justificava.Agora, anos depois, quando encarava seu reflexo no espelho, ela via o resultado de todas as concessões feitas em nome de um amor que se tornou unilateral.
E vazia, naquela mesma noite, jogou a aliança que estava no dedo no lixo e tomou sua decisão.
“Não vou implorar, não vou disputar. Vou libertar a mim mesma.”...............
Quando Cássio finalmente desviou o olhar do celular e voltou a encará-la, ela tentava manter a mesma calma ensaiada.
— Quer jantar? — perguntou ela, como se nada tivesse acontecido.
— Não, já comi com o pessoal do trabalho. — respondeu, distraído, sem notar o tremor leve na voz dela.
Helena baixou os olhos para o chá, escondendo o fogo que ardia em seu peito.
Ele não saberia, não naquele momento. Ela seria paciente, tão paciente quanto sempre fora, mas dessa vez para escrever seu próprio destino.Naquela noite, ao se deitar ao lado dele, fingiu dormir cedo.
O coração batia acelerado. Já não era a mesma mulher que repousava naquela cama. A decisão havia florescido em silêncio: ela iria embora.E, quando fosse, Cássio não veria apenas um travesseiro vazio. Veria ruir todo o castelo que acreditava ter erguido sozinho.
"Aquilo que é seu encontrará um caminho para chegar até você" Chico XavierSó quando chegou à empresa no meio da tarde e percebeu que Cássio não só não estava lá, como também não havia aparecido de manhã, foi que Silvia decidiu ligar para ele.Depois de diversos toques, quando ela já pensava que ele não atenderia, a voz dele veio quebrada do outro lado.— Oi, — ele disse simplesmente.— Oi. Onde você está? — perguntou ela, tentando parecer casual.— Precisei viajar para resolver algumas coisas.A voz dele parecia estranha, difícil... como se houvesse dor ao falar. “Será que Dante o havia ferido?”— E está tudo bem? — Ela sondou.Cássio pareceu se recompor o suficiente para que a provocação surgisse na voz, ainda assim sem a força de sempre.— Por que não estaria? E você? Onde esteve desde ontem? Não voltou para casa ontem e o Renato me disse que você sumiu da empresa hoje cedo. O que aconteceu?Silvia já tinha a desculpa pronta, construída às pressas, porém sem exageros.— Fui pro apa
Silvia despertou. A noite quase inteira tinha sido vivida em estado de sítio: medo, raiva e uma angústia silenciosa por não saber o que viria de Dante. E essa dúvida a consumia em silêncio. Quando a porta abriu, pensou que fosse algum dos capangas. Mas se enganou.Dante estava parado no batente, vestido com seu terno preto e o colarinho da camisa pontiagudo emoldurando o rosto. Não disse nada. Apenas a observou. Por tempo demais.Instintivamente, Silvia sentou na cama e recolheu as pernas junto ao peito, apoiando as costas na cabeceira. Abraçou a própria forma como um mecanismo de defesa — não só contra o homem, mas contra tudo que ele representava. Dante então entrou, sem pressa. Aproximou-se, sentou na lateral do colchão como quem assume território, e, com um gesto mínimo, deixou a mão caminhar. Primeiro pelo braço dela, depois descendo pela perna coberta pela camisola longa. Não era um toque apressado. Era um reconhecimento silencioso de posse.Silvia sentiu a repulsa subindo à pel
“O perigo muda de forma, nunca de intenção. Às vezes, a maior ameaça é acreditar que já acabou.”Depois de tomarem o café, Santiago e Lívia acompanharam Helena até sua casa. A rua estava quase vazia, restando apenas uma viatura estacionada. Os policiais já saíam da casa quando os três se aproximaram.— E então? — perguntou Santiago, tentando conter a própria ansiedade.Um dos agentes respondeu enquanto ajustava a alça do colete:— Os peritos foram embora há poucos minutos. Confirmaram que a mangueira foi cortada de propósito. Sobre suspeitos, vamos depender da análise do laudo.Santiago apertou os lábios e assentiu, aceitando a falta de respostas imediatas.Logo, Helena emendou, ansiosa:— Já podemos entrar?— Sim, o local está liberado, — respondeu o policial, antes de caminhar de volta para a viatura.— Obrigada, — disse ela, vendo os agentes se afastarem.Assim que abriu a porta, Helena sentiu outra coisa que não veio em palavras, mas em impacto: a casa que antes era aconchego agor
"A resiliência é ter dentro de si um Sol que nunca se põe." O Pequeno MestreQuando os policiais finalmente deixaram a casa, Santiago conduziu Helena pelo corredor até o quarto.Atrás deles, Mabe os seguia em silêncio quente e fiel, as patinhas tocando o piso com um ruído suave, quase musical, um contraponto delicado à coreografia dura que a madrugada impunha lá fora.O quarto tinha outra atmosfera desde a última vez em que ele estivera ali. Embora as pequenas reformas, providenciadas por Marcelo, tenham sido no primeiro piso para que nenhum trabalhador visse o que faziam no andar de cima, o próprio Marcelo fizera melhorias discretas também no segundo andar.Agora o quarto parecia mais limpo arejado. Santiago pôde atestar que haviam dado um jeito na velha fiação ao abrir o registro do banheiro e encontrar a água aquecida fluindo.Quando ele retornou ao quarto, Helena o esperava, as mãos entrelaçadas em frente ao corpo, com uma postura um pouco desconfortável.— Eu sei que não é a tão
“A aflição não grita. Ela anda, desgasta e espera. A gente só percebe o tamanho do estrago quando o mundo já ficou perigoso demais para ficar em silêncio.”Duas horas. Foi aproximadamente o tempo que a angústia decidiu testar todos eles. Quando a médica retornou à sala de espera, a noite já tinha deslizado para um tom mais lento, de expectativa quase insuportável. Lívia havia chegado meia hora depois da entrada deles no hospital, encontrando um cenário dividido em silêncios diferentes: Pedro aguardava sentado, os braços cruzados, o corpo endurecido numa calma defensiva, como quem segura a respiração para não tremer. Santiago, por outro lado, parecia incapaz de negociar com a imobilidade. Ele andava de um lado para o outro, passos incansáveis abrindo crateras imaginárias no piso, como se cada volta pudesse aproximá-lo um pouco da resposta que ninguém tinha. Lívia alternava entre roer as unhas com força e lançar impropérios nada delicados em direção a Cássio, palavras que tinham a mesma
“Nada mancha tanto quanto a tentativa de parecer limpo.” George Orwell Cássio serpenteava pelas ruas como alguém que recita um mantra de poder para si mesmo. Helena, finalmente, estava outra vez sob seu controle, apagada no banco de trás do carro, como um troféu silencioso que já não podia protestar.Ele acreditou, por um momento, que resolveria tudo, que a vida retornaria ao eixo que ele mesmo desenhara, perfeito como um quadro realista sem manchas. Mas seu corpo não parecia concordar. A cabeça dele pulsava com violência, fervendo contra o interior do crânio, quente como ressaca de uma noite que nunca foi bebida. Um latejar era bruto, confuso.Talvez fosse o efeito prolongado do tempo em que a observara no pub. O contraste ainda ardia na mente dele: ela rindo entre amigos, feliz, leve, luminosa, enquanto aquele idiota convencido ocupava espaço demais ao lado dela. A alegria dela parecia insulto pessoal. E justamente por isso, ele já imaginava o futuro como quem rascunha planos num g










Último capítulo