Inicio / Romance / Quadros de um divórcio / Capítulo 7 - Contrastes
Capítulo 7 - Contrastes

Lívia a observou em silêncio por alguns instantes, lendo nas feições da amiga tudo o que ela não dizia. Então, inclinou-se sobre a mesa, os olhos firmes, a voz serena, mas carregada de propósito:

— Helena, eu vou cuidar disso pra você. Vou preparar os papéis do divórcio. — fez uma pausa breve, como quem dá tempo para a decisão pousar suavemente entre as duas. — Você só vai precisar entregar pra ele assinar, e faremos tudo de um jeito que ele nem desconfie do que está assinando.

O olhar de Lívia era decidido, quase protetor.

— Chegou a hora de parar de sobreviver por alguém que já não te enxerga, e começar a viver por você mesma.

Helena respirou fundo, prestes a responder, quando a porta da cafeteria se abriu e o som do sino anunciou uma presença que gelou o ambiente. Cássio.

Ele entrou acompanhado de Sílvia, que se pendurava em seu braço como quem exibe um troféu. O vestido dela era justo demais, o riso alto demais, o perfume doce invadia o ar.

Atrás deles, Renato e Tânia.

Lívia percebeu o olhar assustado da amiga e se virou discretamente, seu semblante se tornando sombrio ao visualizar a cena. Deu um leve aperto no braço da amiga como quem diz que está ali para apoiá-la, e Helena assentiu com um sorriso de canto em agradecimento.

Cássio a viu. O sorriso dele vacilou por um segundo, mas logo recompôs o semblante, afastando o braço de Sílvia com sutileza.

— Helena… que coincidência — disse, forçando um tom casual.

Sílvia inclinou a cabeça, fingindo surpresa.

— Helena, que bom te ver de novo, e logo tão cedo! — sorriu, mas o sorriso carregava um veneno sutil. — Cássio sempre comenta que você prefere ficar em casa, que não gosta muito de sair... Achei que não teria a oportunidade de te reencontrar tão rapidamente.

Helena baixou o rosto, esboçando um sorriso seco e carregado de ironia.

— Sabe... vocês precisam se decidir. Ou eu sou a esposa reclusa, que só quer cuidar da casa, ou sou a esposa oportunista, que só sabe pular de restaurante caro em grife de marca. Não dá para ser as duas coisas ao mesmo tempo.

Levantou a cabeça, cravando os olhos em Cássio.

— É sempre bom ter coerência quando se conta histórias.

Cássio parecia prestes a explodir. Já tinha percebido que Helena havia mudado, mas nunca a tinha visto tão afiada antes.

— O que você pretende? Está tentando me envergonhar! — rugiu, com a voz carregada de autoridade. — Não vou aceitar que destrate meus convidados. Como seu marido, exijo que os respeite!

Os amigos riram baixinho, tentando disfarçar o deboche. Helena permaneceu em silêncio, o olhar fixo na xícara à sua frente, respirando com cuidado para que a tensão não escapasse em seu semblante.

Os clientes presentes trocavam olhares discretos, alguns franzindo a testa, outros inclinando-se levemente para ouvir, todos captando a tensão silenciosa que se instaurava entre os eles.

Mas Lívia não estava disposta a engolir veneno.

— Respeito? — disse, com calma e firmeza. — Que curioso... acredito que um homem casado, andar com uma mulher, que não seja sua esposa, pendurada em seus braços, seja mais desrespeitoso do que muita coisa.

O ar parecia rachar ao meio. Silvia corou, indecisa entre indignação e constrangimento. Cássio endureceu o rosto e tentou retomar o controle:

— Vim apenas encontrar o pessoal para falar de trabalho. Nada demais.

Lívia arqueou uma sobrancelha, irônica.

— Trabalho? — disse, deixando escapar um sorriso contido. — Parece mais uma confraternização de bastidores.

Sílvia lançou-lhe um olhar ferino, tentando disfarçar a irritação com um sorriso falso.

— Oh, querida, alguns de nós realmente trabalha — retrucou, a voz carregada de pompa. — Não dá para passar o dia pintando paredes e tomando café, não é?

— Pintando paredes? — Lívia parecia prestes a explodir, o rosto corado de raiva contida. — É incrível como algumas pessoas nunca conseguem enxergar quem realmente mantém tudo funcionando.

Helena permaneceu imóvel, respirando fundo, sem precisar dizer uma palavra. O silêncio dela parecia cutucar ainda mais o grupo, tornando o ar pesado e desconfortável.

— Engraçado — comentou Tânia, distraída, mexendo no celular —, a gente lê tanto sobre o Studio Cassiani e nunca vê a esposa dele em lugar algum. Achei que fosse apenas mais uma daquelas mulheres discretas que não se envolvem nos negócios do marido.

Lívia recostou-se na cadeira, cruzando as pernas lentamente. O olhar frio pousou em Tânia com firmeza contida. — Discrição e dignidade são qualidades raras — disse, com voz calma, mas carregada de significado.

Silvia, com o semblante fechado, tentou reagir ao mesmo tempo que se fazia de vítima, o olhar fixo em Lívia: — Da forma como fala, parece até que está insinuando que nós não somos dignas.

Lívia deu de ombros, avaliando-a de cima a baixo.

— Não posso afirmar com certeza, afinal não te conheço. Mas muito se revela na postura de uma pessoa — disse, pausando para que cada palavra caísse pesada sobre Silvia.

Um silêncio cortante se estabeleceu, como se tivesse congelado o ambiente. Cássio, tenso, endireitou o corpo e falou com um tom ríspido:

— Helena, por Deus, contenha sua amiga! Isso é ridículo. Não sei o que você anda imaginando, mas já passou dos limites.

Helena finalmente ergueu o olhar para ele.

— Eu não disse nada, Cássio.

— Exato — rebateu ele, irritado. — E você fica aí, se fazendo de vítima, deixando que falem assim comigo e com a Sílvia? Deveria se envergonhar de pedir para sua amiga te defender de algo que só existe na sua cabeça.

O silêncio de Helena era mais cortante que qualquer grito. Cada palavra não dita parecia pesar sobre os ombros de Cássio, tirando-lhe o fôlego.

Silvia, fingindo delicadeza, pousou a mão no braço de Cássio.

— Deixa, Cássio. Ela está confusa, coitada. Deve ser difícil lidar com tanta insegurança.

Cássio virou-se para ela, em um gesto protetor quase teatral:

— Você não deveria ter que ouvir esse tipo de coisa, Silvia. Você é uma mulher incrível. Inteligente, talentosa… tem me ajudado muito.

Tânia assentiu como juíza em um tribunal invisível, reforçando a falsa narrativa.

Mas Lívia não recuou. Inclinando-se levemente sobre a mesa, deixou a voz firme e clara:

— Confusa? — disse, cada palavra medida. — Eu diria lúcida. Aliás, é curioso ver como algumas pessoas conseguem tanto reconhecimento com tão pouca criatividade.

O rosto de Cássio enrubesceu, a cor sumindo rapidamente, deixando-o pálido.

— Do que você está falando?

— Nada em especial — respondeu Lívia, seca, recolhendo a bolsa. — Só pensei em voz alta. Vamos, Helena. Esse ar aqui está pesado demais para respirar.

Lívia levantou-se, pegando a bolsa. Helena também se levantou sem dizer uma palavra, com a elegância de quem se recusa a se rebaixar. O olhar firme, sem rancor. Apenas uma serenidade fria que o incomodou mais do que qualquer grito.

Cássio tentou chamá-la, mas a voz falhou.

Enquanto elas se afastavam, Cássio observava, o rosto tomado por um misto de raiva e apreensão. O riso abafado dos amigos já não lhe soava divertido — ecoava como uma ameaça. Sabia que Lívia não falava por falar. Sabia, no fundo, que ela sabia.

Mais tarde em casa... Cássio entrou batendo a porta. A expressão, uma mistura de fúria e constrangimento. Helena estava na sala, lendo, exalando um ar invejável de tranquilidade.

— O que foi aquilo hoje, Helena?! — explodiu. — Que espetáculo você e aquela sua amiguinha armaram pra me humilhar?

Helena manteve-se calma, apoiando a o livro nos joelhos. — Eu não disse nada, Cássio. Só estive lá.

— Exato! Não disse nada! Ficou lá, me deixando ser ridicularizado! — gritou ele, aproximando-se. — Eu tenho uma reputação, entende? Um nome! Você parece esquecer disso cada vez que abre a boca, ou quando não abre. — Você me humilhou! Me fez parecer um idiota na frente de todos!

— Eu só tomei um café — respondeu ela mantendo o tom baixo. — Talvez o problema seja o que as pessoas estão começando a ver, e não o que eu digo.

Ele ficou imóvel por um instante.

— Sabe o que é inadmissível? — disse enfim, com o rosto próximo ao dela. — O seu comportamento. Você precisa aprender o seu lugar.

— E qual é o meu lugar, Cássio? — perguntou, firme.

Ele hesitou, então desviou. — Você vai me ouvir — ele continuou, apontando-lhe o dedo. — Como punição, esqueça o evento de cinco anos da empresa. Eu estava até pensando em te deixar ir, mas você não vai.

— Tudo bem, Cássio. Como quiser. — disse apenas.

Ele respirou fundo, como se esperasse uma discussão, uma súplica.

Mas Helena apenas se virou e voltou a ler seu livro.

Ele sentiu um aperto estranho, não sabia descrever o que era, mas aquilo o deixava alerta e ainda mais irritado.

— E já que gosta tanto de silêncio — continuou, amargo —, vai ter a casa inteira pra você. Hoje eu não volto. Usa esse tempo pra pensar no que fez.

Pegou as chaves do carro e saiu, batendo a porta com força.

E Helena, sozinha na sala, ficou em silêncio. Mas havia um leve sorriso em seu rosto.

Porque, pela primeira vez, não doía.

Sigue leyendo este libro gratis
Escanea el código para descargar la APP
Explora y lee buenas novelas sin costo
Miles de novelas gratis en BueNovela. ¡Descarga y lee en cualquier momento!
Lee libros gratis en la app
Escanea el código para leer en la APP