Helena atravessou a porta da casa dos sogros com um vestido preto discreto, de corte simples, mas impecável. Sem decotes provocativos ou detalhes exagerados, a peça delineava sua silhueta com uma elegância silenciosa, permitindo que a verdadeira atenção recaísse sobre a confiança e o magnetismo natural que emanava de cada gesto.
Até mesmo os acessórios mais sutis — um par de brincos delicados, uma pulseira fina — pareciam apenas acompanhar a presença dela, como notas de fundo que realçam uma melodia já perfeita. Era uma elegância que não precisava de artifícios para ser notada; a força estava na própria Helena, e não naquilo que a adornava.
A empregada a conduziu até a sala de jantar, de onde vinham conversas animadas e risadas forçadas demais, como se a alegria tivesse sido ensaiada.
Ao atravessar o batente, Helena parou levemente, chocada.
Silvia estava ali. Ela reconheceria aquela mulher em qualquer lugar.Não imaginou que Cássio fosse descarado ao ponto de trazer a amante para um jantar na casa dos pais, ainda mais em um no qual ela estaria.
Afinal aquilo não seria apenas uma cena, planejaram um verdadeiro espetáculo. Então, que seja! — pensou Helena com um sorriso de lado com um pouco de malícia.
Antes de se fazer notar, observou a sala com atenção.
Silvia estava ao lado de Cássio, tão próxima que seus braços se tocavam num gesto estudado, calculado demais para ser casual.
O brilho do vestido dourado que usava parecia uma extensão de sua própria necessidade de ser notada — cada centímetro daquela seda cintilante parecia gritar por atenção. O decote generoso, o cabelo preso em um rabo baixo milimetricamente alinhado, a maquiagem marcada... tudo nela exalava um cuidado quase teatral. Não era apenas vaidade — era estratégia. Silvia se movia como quem sabe exatamente o efeito que causa e o poder que tem sobre quem a observa. Cássio, ao lado dela, parecia o retrato do sucesso ensaiado. O terno impecável moldava a figura com precisão. A franja, levemente modelada, brilhava parecendo molhada sob a luz. E o olhar — aquele olhar que outrora fora só dela — vagava sempre de volta para a mulher ao seu lado, num misto de fascínio e exibição.Ele não conversava com ela; ele a exibia, como se a presença da mulher dourada reforçasse sua própria importância.
Renato, o amigo, observava tudo com seu semblante habitual de falsa serenidade.
Era alto demais, magro demais, o nariz proeminente demais — lembrava o ator Adrien Brody, mas sem qualquer charme que o salvasse aos olhos dela. Tinha o tipo de beleza que cansava rápido — fria, distante, sem alma. Tânia e Viviane se vestiam de maneira igualmente extravagante, ecoando a pompa de Silvia. Pareciam competir entre si pelo título de quem chamaria mais atenção. Tecidos reluzentes, perfumes intensos, gestos ensaiados... o exagero parecia ser uma regra.Helena se perguntava se mais alguém via quão ridícula toda aquela ostentação parecia para um jantar em casa.
Antes que pudesse seguir observando, os sogros pigarrearam atrás dela, chamando a atenção do grupo animado para a presença de Helena. Cada rosto agora se voltava para ela.
O silêncio momentâneo que se seguiu não foi de respeito, mas da expectativa do espetáculo que estava prestes a se desenrolar.
Helena avançou alguns passos, mantendo a postura ereta, a expressão serena, quase impenetrável.
Silvia, que até então sorria com excesso de teatralidade, piscou rapidamente ao perceber Helena. Um leve tremor passou pelo seu corpo, embora tentasse disfarçar com mais um sorriso radiante e um tilintar de taças.
Cássio, por sua vez, desviou o olhar por um instante, como se tivesse sido pego fora de cena, mas logo retomou a pose de homem admirando sua acompanhante.
Renato, Tânia e Viviane congelaram por uma fração de segundo. Helena notou cada detalhe do desconforto que se instalou discretamente: um sorriso que hesitava, uma sobrancelha levemente arqueada, um olhar que buscava apoio nos outros.
— Boa noite a todos — disse Helena, a voz firme e clara, carregando uma leveza que parecia desafiar a tensão no ar. — Que bom encontrar todos aqui.
A formalidade de suas palavras contrastava com a atmosfera ensaiada da sala. Ela não entrou em competição, não precisava; sua presença já dizia mais do que qualquer gesto teatral.
Carlos Amaral, pai de Cássio, disse alheio a toda encenação:
— Vamos nos sentar, o jantar logo será servido.Helena sorriu levemente, educada:
— Claro, meu sogro. Mas acredito que algumas apresentações sejam necessárias antes. Afinal, não nos vimos todos ainda.Silvia, agora visivelmente incomodada, tentou interpor-se:
— Helena… — começou, mas sua voz perdeu firmeza.— Silvia, prazer em finalmente conhecê-la — interrompeu Helena, estendendo a mão de maneira impecavelmente cortês. — Ouvi tantas coisas sobre você.
O efeito foi imediato. O sorriso calculado de Silvia tremeu; as mãos roçando o braço de Cássio pareceram se retrair sutilmente.
Helena não precisava de palavras afiadas: cada gesto seu era preciso, como tinta sobre a tela, mostrando que não estava ali para se submeter.
Manter-se calma naquele ambiente carregado de olhares críticos era um desafio, mas ela conseguia.Cássio deu um passo à frente, tentando tomar a frente:
— Helena, vamos nos sentar, não é? — disse, a voz carregada de um misto de surpresa e irritação contida.Ela assentiu levemente com a cabeça e todos se sentaram.
Esther não perdeu tempo, mal conseguindo conter o ímpeto que lhe subia à garganta.
— Helena, acredito que você tenha algo a me dizer — disparou, a voz impregnada de falsa serenidade.Cássio lançou um olhar rápido, duro, como quem lembrava silenciosamente a esposa do papel que esperava que ela desempenhasse.
Sabia que Helena não se curvaria com facilidade — e, talvez por isso mesmo, aguardava o embate com um misto de impaciência e prazer cruel.Mas Helena, com uma calma quase desconcertante, tomou o controle da cena.
— Tem razão, sra. Amaral — respondeu, com um leve aceno de cabeça. — Se minhas palavras hoje mais cedo lhe causaram algum incômodo, peço desculpas. Não era minha intenção.O silêncio que se seguiu foi quase palpável. As taças ficaram suspensas no ar, e até o riso de Silvia morreu nos lábios pintados de vermelho.
Esther piscou algumas vezes, surpresa — estava pronta para o ataque, não para o desarme elegante.
Na verdade, o que ninguém naquela sala percebia era que Helena não havia se rendido. Se queriam um show, ela o daria — mas sob suas próprias luzes.
Silvia, sentada do outro lado de Cássio, tentou retomar a postura dominante, inclinando-se para Cássio e cochichando algo em seu ouvido.
Mas Helena percebeu o gesto e, com um sorriso tranquilo, virou ligeiramente o corpo, de modo que o cochicho não passasse despercebido para todos na mesa.
A tensão no ar ficou palpável.Esther, finalmente, resolveu quebrar o silêncio.
— Helena, eu confesso que não esperava vê-la tão… serena. Pensava que você estaria nervosa.— Nem um pouco, minha sogra. — Helena respondeu com firmeza. — Estou exatamente onde deveria estar, e tranquila com isso.
Tânia, tentando se mostrar gentil, comentou:
— Que vestido elegante, Helena. Muito… discreto.Helena apenas sorriu, sem se ofender.
— Obrigada, Tânia. Aprecio a simplicidade — respondeu, deixando claro que não se deixaria intimidar pela extravagância ao redor.Um sussurro percorreu a mesa. Ninguém conseguia ignorar a elegância de Helena, nem o modo como ela, com gentileza e segurança, desarmava cada tentativa de humilhação.
O jantar começou com um ar de formalidade exagerada, cheio de risadas contidas e olhares avaliativos. Cada movimento era acompanhado por comentários sutis, disfarçados de conversas comuns, mas todos voltados a medir Helena.
Ela, por sua vez, manteve-se em silêncio, concentrando-se no prato à sua frente. Mastigava devagar, fingindo interesse na refeição, enquanto ouvia a conversa ao redor.
Tudo corria dentro da previsibilidade, até que a voz grave de Carlos quebrou o ar.
— Cássio, meu filho... — começou, com um tom de orgulho que enchia a sala. — Como anda o projeto da nova coleção? Ouvi dizer que é a mais linda que você já criou.“que você já criou...”
O garfo de Helena parou no ar. Ergueu os olhos, agora fixos no marido com uma calma que beirava o escárnio. Observava-o como quem analisa um quadro falsificado, ansiosa demais para distinguir as rachaduras.
— Ah, sim — respondeu Cássio, erguendo a taça com um sorriso medido, tentando não deixar transparecer a ansiedade. — A Coleção Prisma está indo muito bem. Estou satisfeito com o andamento, os protótipos estão ficando incríveis.
Helena arqueou levemente as sobrancelhas, mantendo a expressão neutra, mas deixando a pergunta escapar com sutileza:
— Protótipos incríveis, é? E quem está acompanhando de perto o desenvolvimento?— Bom… — Cássio engoliu em seco, procurando no ar a resposta certa. — Manoel e a equipe de produção, claro. Estou sempre conferindo alguns detalhes.
— Entendo — disse Helena, com um leve sorriso quase imperceptível, mexendo no guardanapo. — E quem sugeriu, por exemplo, o novo acabamento para as mesas da linha Prisma? Aquela textura diferente… parece tão refinada.
Cássio pigarreou, sentindo o olhar dela penetrar sua máscara.
— Ah… sim… bem, algumas ideias foram discutidas internamente… você sabe como é… equipe criativa. É uma colaboração.Helena inclinou-se levemente para frente, como se estivesse curiosa de verdade.
— Colaboração, claro…, mas essa textura específica… foi resultado de muitos testes, não é? Imagino que alguém tenha se dedicado bastante para acertar cada detalhe.Ele desviou o olhar por um instante, tentando se recompor.
— Sim, sim… muitas reuniões, ajustes, protótipos… realmente demandou bastante atenção.— Que interessante — disse Helena, suavemente, levando a taça aos lábios. — E os móveis maiores da coleção… os sofás, por exemplo… imagino que seja desafiador garantir que o design se mantenha impecável mesmo com dimensões tão maiores. Quem supervisionou isso de perto?
Cássio estalou os dedos discretamente, nervoso, procurando palavras que não revelassem nada demais.
— Bem… a produção tem sido minuciosa. Estamos todos acompanhando. É importante manter o padrão da marca, como sempre.— Claro, claro — respondeu Helena, baixando os olhos sobre a taça de vinho por um instante. — Mas alguém precisa garantir que cada detalhe realmente reflita a visão original, não é? Não apenas a marca, mas… a inspiração por trás de tudo.
Um silêncio sutil pairou sobre a mesa. O comentário não acusava, mas insinuava. Todos olharam para Cássio, que apertou os lábios, tentando não deixar escapar o desconforto.
Helena recostou-se na cadeira com naturalidade, tomando um gole de vinho, deixando o olhar percorrer discretamente cada pessoa à mesa, absorvendo cada reação.
— Pois é, meu filho — disse Carlos, sorrindo orgulhoso, sem perceber a tensão crescente. — Parece que essa coleção vai marcar época. Estou ansioso para ver o lançamento.
— Com certeza, pai — respondeu Cássio, tentando soar confiante, mas sentindo a pressão crescer a cada palavra. — Tudo está seguindo conforme o planejado.
— Que bom — disse Helena, com uma voz suave que carregava um leve peso de ironia. — Espero que o resultado realmente honre todo o esforço da equipe.
Renato, ainda lembrando da conversa de Cássio e Manoel naquela tarde, franziu levemente a testa, intrigado com a troca de palavras que ouvira.
— Helena, eu nunca imaginei que você também se interessasse por design — disse ele, com um misto de curiosidade e surpresa.Carlos, sempre atento, aproveitou para complementar:
— Ela é formada em artes plásticas e visuais, Renato. Você não sabia?Renato ergueu as sobrancelhas, surpreso, e lançou um olhar curioso para Helena, tentando entender melhor o que estava sendo revelado.
Cássio, quase podendo ouvir as engrenagens na mente do amigo girando rapidamente, interveio antes que Renato fizesse qualquer comentário mais profundo:
— Ah, mas faz tanto tempo que ela não se dedica… — começou, com um sorriso ensaiado que mais parecia uma máscara de “marido atento”. — Ela mal lembra de algumas coisas… está sempre ocupada demais cuidando da casa e de si mesma.Virou-se para Helena, esperando a confirmação de suas palavras. Era o típico movimento de quem tenta controlar a narrativa, apresentar-se como marido providencial e esconder sua própria insegurança.
Mas Helena não se moveu, não respondeu com pressa ou hesitação. Apenas manteve um olhar sereno, firme, quase desafiador, enquanto o encarava. Havia algo naquele silêncio que falava mais alto que qualquer palavra: ela não se deixaria reduzir à imagem que ele tentava pintar.
Um leve sorriso tocou seus lábios, mas era só o suficiente para insinuar que ela sabia exatamente o jogo que estava sendo jogado.
Renato parecia muito interessado, mas Cássio, por sua vez, sentiu o desconforto crescer. Como se aquela calma silenciosa de Helena fosse um espelho refletindo todas as suas tentativas de manipulação. Tinha uma nítida sensação de que estava nu diante de todos.
Sentiu um alívio momentâneo quando Viviane, a irmã caçula, entrou na conversa com um risinho debochado, tentando jogar Helena para baixo.
— Ah, Helena, não sabia que você ainda se lembrava de algumas coisas de design… achei que estivesse totalmente dedicada a cuidar da casa, como sempre — disse com um ar de superioridade disfarçado de simpatia.Tânia, esposa de Renato, completou com um sorriso cínico:
— Pois é, não é todo dia que se encontra alguém que se lembra de “coisinhas antigas” — enfatizou as palavras entre aspas, insinuando que Helena era antiquada e irrelevante.Renato, curioso, olhou para Helena, esperando que ela se sentisse desconfortável ou cedesse às provocações.
— Verdade, Helena? Imagino que você não tenha mais se dedicado a isso, não é mesmo?Mas Helena não se deixou abalar. Manteve um olhar sereno, firme, enquanto respondia, sempre lançando um ligeiro brilho de desafio para Cássio, como se dissesse: “Percebe que tudo que você construiu para me diminuir pode se desfazer a qualquer momento?”
— Lembro-me sim, mas, na verdade, a dedicação nunca desapareceu. Só houve mudanças nas prioridades, como em todo trabalho sério — disse ela calmamente, sem um traço de arrogância, apenas segurança.
Cássio sentiu o frio percorrer sua espinha. A máscara de provedor atencioso que usava começava a rachar. Cada palavra dela, cada gesto tranquilo, deixava claro que a narrativa que ele havia tentado construir para impressionar os outros poderia perder efeito com as palavras dela.
— Bom… — Cássio começou tentando soar natural, mas a voz carregava uma tensão imperceptível para os outros, mas inconfundível para Helena. — Bom, pelo menos o esforço ainda existe, não é?
— Sempre existiu — respondeu ela, simples e direta, sem necessidade de enfatizar, mas deixando o recado claro: tudo que ela fez nunca dependia do reconhecimento dele.
Viviane revirou os olhos percebendo que, por mais que provocasse Helena com aquele assunto, ela permanecia imperturbável, firme em sua compostura.
Então, como quem busca uma nova arma, lançou o olhar para o outro lado da mesa. — E quanto a você, Sílvia? — disse com entusiasmo forçado, inclinando-se para frente. — Soube que a empresa está ganhando ainda mais reconhecimento internacional graças à sua gerência no setor de Marketing.O ambiente se encheu de murmúrios aprovadores.
Tânia exclamou, batendo palmas com delicadeza: — Ah, é verdade! Eu vi uma matéria sobre isso esses dias. O Studio Cassiani está mesmo em uma fase incrível.Renato completou, com o tom de quem gosta de estar por dentro de tudo:
— E pensar que há poucos anos vocês ainda estavam começando a se expandir… é admirável o que você e Cássio construíram juntos.Helena manteve o olhar tranquilo sobre o copo de vinho, girando-o lentamente entre os dedos. O aroma leve subia em espirais, acompanhando o discurso meloso que se desenrolava à sua frente.
Sílvia sorriu com modéstia ensaiada, aquela que exige horas de espelho e um ego calibrado.
— Oh, não fiz nada sozinha — disse, baixando os olhos por um instante antes de voltar a erguê-los para Cássio. — Tudo é fruto de um trabalho em equipe. E, claro, Cássio tem sido uma inspiração constante. Sua visão… é algo raro.Ela pausou, olhando-o com uma doçura que beirava o atrevimento.
Cássio retribuiu o olhar, tentando equilibrar o orgulho ferido com a necessidade de manter as aparências.Carlos, o sogro, pareceu encantado.
— É isso que faz um bom casal de negócios — comentou, satisfeito. — Complementaridade. Um tem o talento, o outro tem a visão.— Eu não teria conseguido sem o apoio e a confiança do Cássio — acrescentou Silvia, tocando de leve o braço dele. — Ele sempre acreditou nas minhas ideias.
Helena manteve-se em silêncio, apenas observando a cena. O toque entre os dois foi discreto, mas não o bastante para passar despercebido.
Sorriu de leve. Havia uma ironia silenciosa em ver tantos aplaudirem um espetáculo de ilusões.
Ela esperou o momento certo, com a paciência de quem entende o poder do tempo.— Realmente impressionante, Sílvia — disse, enfim, com uma voz tranquila, polida. — Fiquei curiosa para saber como vocês conseguiram abrir o mercado internacional tão rapidamente. Imagino que tenha exigido estratégias complexas.
Sílvia piscou, pegando o garfo para ganhar tempo.
— Ah… sim, claro. Foi uma combinação de… hmm… campanhas digitais, eventos e… a nossa presença em feiras internacionais.Helena assentiu com gentileza.
— Interessante. E qual foi a principal feira que vocês participaram este ano?Um breve silêncio percorreu a mesa.
Sílvia abriu a boca, mas nada veio de imediato. — A… a de Milão, claro — respondeu por fim, forçando um sorriso.Helena manteve o olhar sobre ela, sereno.
— Que curioso. A de Milão foi cancelada este ano por causa da reestruturação do evento. — Sorriu, sem ironia, apenas constatando. — Talvez tenha se confundido com outra?O silêncio agora era espesso, cortante.
Renato ergueu as sobrancelhas, surpreso. Cássio, por sua vez, apressou-se em intervir. — Ela quis dizer o circuito de design de Paris — respondeu rápido demais, com o sorriso artificial demais.— Ah, sim, claro — disse Helena, recostando-se na cadeira. — Paris. Sempre uma boa saída.
As palavras pairaram entre eles, suaves e venenosas como perfume caro.
Sílvia sorriu, mas o brilho confiante havia se apagado dos olhos.
Helena, por outro lado, parecia cada vez mais tranquila, como se, a cada deslize dos dois, o peso que carregava fosse se dissolvendo, gota a gota, até sobrar apenas a nitidez da verdade.E a verdade é que ela sabia que a tão celebrada escalada internacional do Studio não passava de um reflexo indireto da influência de seus pais — empresários respeitados no ramo da construção, cujas conexões abriam portas que Cássio jamais teria conseguido sequer bater.
O irônico era ver ambos, ele e Sílvia, saboreando o prestígio de um banquete que jamais haviam preparado.
Por um breve instante, ela desviou o olhar para o vinho em sua taça, observando o reflexo rubi se agitar com o movimento leve de sua mão.
Poderia acabar com aquele teatro com meia dúzia de palavras — e todos ali saberiam quem realmente movia os fios por trás do sucesso do Studio Cassiani.
Mas não. Havia algo mais prazeroso em assistir à peça se desenrolar, em ver os atores tão seguros de seus papéis enquanto a plateia aplaudia sem perceber a farsa.
Quando todos já estavam de pé, retomando a conversa com taças nas mãos, Renato, movido pela curiosidade, perguntou:
— Então, Sílvia, quais foram as principais estratégias que usou para conquistar o mercado europeu?Um segundo de hesitação. Pequeno, quase imperceptível — mas suficiente para que Helena o notasse.
— Bem... — Sílvia pigarreou. — Fizemos um trabalho forte com... com influenciadores e parcerias locais, sabe? — buscou as palavras com cuidado, o olhar fugindo momentaneamente para Cássio. — Além de um reposicionamento visual.
Helena sorriu delicadamente.
— Interessante. E vocês conseguiram isso antes ou depois da parceria com a construtora Vilanova, em Lisboa? — Aquela era uma parceria que a própria Helena havia conseguido.Sílvia piscou, desconcertada.
— Ah... sim, claro, essa parceria foi muito importante — respondeu, sem perceber que se entregava.Cássio apressou-se em intervir, a voz um tom acima do natural:
— Na verdade, foi tudo resultado de um esforço conjunto. Tivemos muitos contatos... oportunidades que soubemos aproveitar.Helena apenas ergueu as sobrancelhas, fingindo concordar.
— Imagino.Silvia, já impaciente com as insinuações veladas de Helena, perdeu o controle por um instante.
Num tropeço ensaiado, derramou seu vinho sobre ela.— Ai, meu Deus! Helena, eu… — começou Silvia, exagerando o choque, enquanto todos se aproximavam. — Eu sou tão estabanada! Não sei como isso aconteceu… foi um acidente!
Todos ao redor fingiam solidariedade, murmurando expressões de choque ofereciam panos e guardanapos. Cássio, vermelho de constrangimento, tentava desesperadamente acalmar a situação:
— Silvia, tudo bem, de verdade… não precisava se preocupar tanto.Helena permaneceu impecável, enxugando delicadamente o vinho do colo. Com um sorriso leve, disse com toda a elegância que a definia:
— Não tem problema. Eu já estava mesmo de saída. Foi um prazer passar esse tempo com vocês… e, devo admitir, bastante revelador.Sem esperar por mais nada, Helena deu meia-volta e deixou a sala. Cada passo seu ecoava confiança e uma serenidade que parecia envolver todo o ambiente, deixando para trás olhares de surpresa, constrangimento e frustração.
Enquanto a porta se fechava atrás de si, Helena sentiu uma estranha leveza no peito. Pela primeira vez em muito tempo, compreendeu que nada — nem humilhações, nem manipulações — poderia apagar quem ela realmente era.