Mundo ficciónIniciar sesiónSavana acabou de se mudar para a propriedade que herdou de seu pai e agora terá sua própria casa e poderá dar uma melhor qualidade de vida para sua filha. O que ela não esperava era reencontrar, acidentalmente, Caleb Easton, seu amor de adolescente e que o mesmo pudesse trazer à tona sentimentos que antes estavam enterrados no fundo de seu coração.
Leer másEu estava concentrada na longa estrada que se desenrolava como um tapete sem fim à minha frente. No rádio, a sonata n° 16 para piano de Mozart tocava em um volume baixo, apenas para me manter acordada e quebrar o silêncio dentro do carro. Amber já tinha desistido de ficar acordada durante todo o caminho e acabou adormecendo no banco de trás.
Voltar à Estância Solar não estava nos meus planos, mas bastou uma ligação do advogado da família e, aqui estou eu, voltando a fazenda onde passei a infância. De onde estou afastada desde que meus pais se separaram e minha mãe me levou para a cidade grande dizendo que seria o melhor para mim. Tinha sido um choque saber que meu pai, um homem forte que nunca tinha precisado ir ao médico, tivesse morrido por causa de infarto fulminante.
Depois de algum tempo na estrada, finalmente, saí do asfalto e entrei numa estradinha de terra. O sol já estava alto no céu e meu Range Rover vermelho deixava um rastro de poeira no ar. Comecei a avistar a entrada da fazenda à medida que ia avançando pela estrada irregular. A velha placa de madeira com o nome da fazenda, que eu e meu pai fizemos juntos, continuava pendurada sobre a porteira escancarada.
Logo que estacionei em frente à casa principal, desliguei o motor e fiquei parada ali por alguns minutos apenas observando tudo. A casa permanecia idêntica ao que eu conseguia me lembrar. Rústica, feita de tijolinhos, com a chaminé da lareira se destacando no telhado verde, a enorme varanda circundando toda a casa. Haviam duas redes penduradas entre as vigas da varanda e o grande banco de madeira próximo a porta, deixavam a impressão de ter alguém em casa.
Desci do carro e inspirei fundo, levando para dentro dos meus pulmões o ar fresco e puro do campo. Era uma sensação boa e, ao mesmo tempo, estranha por estar de volta.
Amber tinha acordado no momento em que desliguei o carro, então abri a porta de trás e liberei sua saída. Como toda criança de dez anos que sempre viveu na cidade, ela estranhou o silêncio e a vida calma do campo.
— É aqui que o vovô Clint morava?
— É sim, minha querida.
— Mas aqui não tem nada de interessante.
— Você vai ver que aqui tem muitas coisas legais para fazer sim.
— Eu quero voltar para a casa da vovó Emma.
— Essa é a nossa nova casa.
— Eu não quero morar aqui, é chato. — Ela cruzou os braços na frente do corpo.
— Nós já conversamos sobre isso, mocinha.
— Eu sei.
— Por que a gente não entra para ver como a casa está e você já pode escolher seu quarto?
— Tá bom.
Sabendo que meu pai sempre deixava a porta destrancada, subimos os poucos degraus para a varanda, mas antes que levasse a mão à maçaneta, escutei alguém gritar.
— Ei! Você não pode entrar aí.
Procurei quem estava gritando e então avistei um homem à cavalo se aproximando da casa. À medida que que ele ia se aproximando, pude perceber que era alto e forte. Um típico cowboy com chapéu, calça, blusa xadrez vermelha e botas nos pés.
— E por que eu não posso entrar? — perguntei quando ele parou o cavalo ao lado da varanda.
— Aqui é uma propriedade privada.
— Eu...
— Você acha mesmo que pode invadir uma propriedade privada?
— Eu não estou invadindo a propriedade.
— Então o que está fazendo aqui do lado de dentro da porteira? Por acaso, vocês da cidade não conhecem limites?
— Qual o seu problema hein? É sempre tão grosseiro assim com todo mundo?
— O problema aqui é você, garota da cidade.
— Do que você me chamou?
— Garota da cidade.
— E como pode ter tanta certeza de que sou da cidade?
— Basta olhar para o seu carro e as suas roupas para saber.
Não havia nada de errado com a minha calça jeans da Gucci ou com as botas Jimmy Choo.
— E quem você pensa que é?
— Eu sou o administrador da fazenda. — Ele desceu do cavalo e veio para a varanda. — Você, por acaso, é uma das pessoas interessadas em comprar a propriedade?
— Não.
— Então quem diabos é você?
— Se puder não xingar na frente da minha filha, eu agradeço.
— Me desculpe.
— Eu sou a dona desse lugar.
O rapaz à minha frente começou a gargalhar como se eu tivesse contado uma piada muito engraçada e eu fiquei sem entender nada.
— Por acaso contei alguma piada?
— Você acha mesmo que eu vou acreditar que você é dona desse lugar?
— Mas eu estou dizendo a verdade.
— Eu conheço a filha de Clint e não, não é você.— Pelo visto não conhece direito.
— Tem como provar que estou errado?— Claro que eu tenho.
Voltei ao meu carro para pegar o papel do advogado dentro do porta-luvas e passei o documento para as mãos do cowboy sem educação. Pela expressão em seu rosto, vi que ele ficou surpreso.
— Você é mesmo a Savana, filha do Sr. Clint?
— Pelo menos é o que está escrito na minha certidão de nascimento.
— Me desculpe por toda essa confusão, é que...
— Que?
— Você mudou bastante desde a última vez que nos vimos
— Tudo bem, mas talvez você devesse ser um pouquinho mais educado com as pessoas, principalmente as que não conhece.— Você tem razão. — Ele parecia estar engolindo uma bola de espinhos.
— Agora que você sabe quem eu sou, pode me dizer quem é você?
— Não se lembra de mim?
— Por que eu deveria? — perguntei com os braços cruzados na frente do corpo. — Nem você se lembrou de mim.
— Éramos melhores amigos, até sua mãe te levar para a cidade.
— Caleb Easton?
— Eu mesmo.
— Meu Deus, você também mudou bastante.
E como tinha mudado.
Ficamos apenas nos encarando por alguns segundos, ambos envergonhados por toda a situação. Aproveitei esse momento para analisá-lo um pouco melhor. Caleb era só um garoto magricelo, cheio de sardas no rosto que se achava só porque ele ajudava o pai com o cuidado dos cavalos, mas ainda tinha os mesmos olhos esverdeados brilhantes, os cabelos estavam na altura dos ombros, fugindo por debaixo do chapéu, os braços estavam musculosos.
— Eu sinto muito pelo seu pai. — Ele foi o primeiro a falar, quebrando o silêncio incômodo.
— Obrigada.
Antes que pudéssemos falar sobre qualquer outro assunto, Amber apareceu correndo e tinha um largo sorriso estampado no rosto enquanto um cachorro corria logo atrás dela.
— Mãe, a gente pode ficar com ele?
— Claro que não, Apollo é o meu cachorro. — Caleb foi rude.
— Precisa de ajuda com as malas?
— Não, eu não trouxe muita coisa já que a mudança chega amanhã.
— Vou voltar ao trabalho então, mas se precisar de qualquer coisa é só me avisar.
— Obrigada, Caleb.
Ele desceu a varanda e voltou a montar em seu cavalo antes de sair cavalgando com o cachorro correndo logo atrás dele.
SAVANASAVANAO som da narração ecoava pelo alto-falante, misturado ao cheiro de serragem úmida e couro novo. O campo de provas estava impecável, cercas brancas, bandeiras tremulando, e obstáculos coloridos brilhando sob o sol do meio-dia e o vento frio carregava o murmúrio da plateia, aplausos, conversas, risadas nervosas. Eu nunca pensei que voltaria a ouvir esse som de dentro, e não da arquibancada.Depois de tantos anos, o simples ato de vestir a jaqueta azul com meu nome bordado nas costas já era uma vitória. O tecido parecia pesar mais do que o normal — não pelo material, mas pelo que representava.Cada linha costurada ali contava uma história que eu quase tinha deixado morrer.Minha primeira competição de hipismo desde que decidi voltar.Amber estava nas arquibancadas, sentada entre dona Íria e o pai de Caleb, usando o mesmo chapéu pequeno que um dia foi meu. Ela balançava as pernas com impaciência e me acenava cada vez que eu olhava pra cima, o sorriso largo e confiante como s
CALEBO barulho da cerca rangendo sempre me ajudou a pensar.Tem gente que precisa de silêncio. Eu sempre precisei de som — o som do campo, do gado, do vento empurrando as folhas secas no chão. Era o tipo de ruído que fazia sentido.Mas naquela manhã, nada fazia muito sentido.Fiquei ali, com a chave inglesa na mão, tentando fingir que me concentrava no arame frouxo, quando na verdade minha cabeça ainda estava presa na cozinha da casa dela.Naquela frase.“Voltei porque não tinha mais pra onde ir.”A voz dela não saiu trêmula, mas saiu funda.Foi o tipo de confissão que a gente só faz uma vez na vida — e quase nunca pra outra pessoa.E desde que ouvi aquilo, a minha vontade era atravessar o espaço entre nós, segurar o rosto dela e prometer que agora ela tinha.Mas prometer exige coragem.E eu ainda estava aprendendo o que fazer com a minha.Depois do almoço, fui chamado por um peão para ir correndo até o curral. Uma das vacas estava parindo. O mugido aflito da vaca cortava o silêncio
SAVANAA luz da manhã entrou pelas frestas da janela como quem pede licença. Dessas que vêm depois de noites longas, quando tudo que a gente quer é respirar devagar.Amber dormia ao meu lado, com os cabelos bagunçados e a bochecha marcada pelo travesseiro. Por alguns minutos, fiquei só olhando para ela. Não com o medo da madrugada passada, mas com a serenidade de quem sobreviveu a um susto. Encostei os lábios na testa dela: fresca. Nenhum sinal de febre.O tipo de toque simples que, para mãe, vale mais que qualquer termômetro.Levantei com cuidado, tentando não acordá-la, e fui até a cozinha. A casa estava silenciosa — só o vento brincando com as janelas e o estalar discreto da madeira no chão. Era a primeira manhã, em dias, que não começava com preocupação.Hoje, só havia café.Liguei a chaleira e abri as janelas.Peguei farinha, ovos e leite para preparar panquecas. Amber adora panquecas. Era a nossa tradição silenciosa: panqueca nos dias bons, como quem diz “passou”.Apollo aparece
CALEBA cozinha da casa do meu pai sempre teve o mesmo som de fundo: o rádio chiando notícias que ninguém consegue entender, o tinido das xícaras e o estalar lento da lenha no fogão. Ele já estava sentado na ponta da mesa quando desci, o chapéu pendurado na cadeira ao lado e um maço de papel amarelado sob a mão — contas, listas, números. Sempre números.— Dormiu? — ele perguntou, sem levantar muito a voz.— Um pouco. — respondi, puxando uma cadeira. — Mas foi o suficiente.Ele serviu o café para os dois. Forte o bastante para acordar até mourão de cerca. Ficamos em silêncio por alguns minutos, só ouvindo o rádio e o som da colher mexendo no copo. Meu pai nunca foi de rodeios, então eu sabia que o silêncio era o intervalo antes de alguma pergunta.— Fiquei sabendo que a cooperativa foi embora satisfeita ontem — Ele disse, enfim. — Nestor passou aqui mais cedo. Disse que elogiaram até a linha de frio.— Elogiaram. — encostei os cotovelos na mesa. — Não tinha como não elogiar. Tá tudo re
SAVANAA luz filtrada pelas cortinas fazia a sala parecer um lugar suspenso no tempo. Eu não sabia dizer que horas eram, só sentia o corpo inteiro pesado, como se as horas da madrugada tivessem virado areia dentro dos meus músculos. Amber respirava mansa ao meu lado, a boca entreaberta, os cabelos grudados na testa por mechas finas. Apollo, deitado ao lado do sofá, ergueu a cabeça quando me mexi e bateu o rabo uma vez só — como quem diz “tá tudo sob controle”.Pisquei devagar. A memória veio por partes — a febre que não cedia, o vômito, as luzes frias do hospital, o bip insistente do monitor, a agulha, meus dedos fechados na mãozinha dela, a médica dizendo “vai estabilizar”, o soro pingando devagar demais. E, então, a volta. A casa. O colchão. O silêncio depois do susto, que a gente sente primeiro nas pernas, depois no peito.Virei o rosto para conferir a testa de Amber. Fresca. Encostei os lábios ali e fechei os olhos por um segundo — um segundo inteiro de gratidão, desses que parece
CALEBA manhã começou com um vento mais frio do que o normal e uma movimentação contida nos currais — aquele tipo de silêncio que antecede um dia cheio.Hoje era dia de inspeção da cooperativa. E ninguém mais do que Savana sabia o quanto isso era importante.Eles viriam avaliar a estrutura, o manejo, o cronograma de entrega… e, principalmente, se a fazenda estava em ordem depois dos últimos ajustes que ela mesma tinha implementado. Tudo estava programado. Tudo estava cronometrado.Só tinha um problema: ela não estava em lugar nenhum.Savana sempre chega antes de todos nos dias importantes. É o jeito dela: não espera o relógio mandar. Mas agora já passava das 7h30, o caminhão da cooperativa estava a caminho… e nem sinal dela.No começo, achei que fosse só atraso, mas, conforme os minutos foram passando, a inquietação cresceu. Peguei a prancheta com os relatórios e fui direto pro primeiro galpão.O galpão central estava vazio.Nenhum barulho de botas ecoando pelo chão de cimento, nenhum





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