Dez anos depois de fugir da casa que a destruiu, Lívia Fontenay é obrigada a voltar para o lugar onde tudo começou — e onde o homem que ela mais amou se tornou o seu pior inimigo. O patriarca dos Valenhart está morto, mas o testamento dele traz uma condição cruel: Lívia e Adrien, seu ex-noivo, devem viver juntos por seis meses na antiga mansão da família se quiserem receber a herança. O problema é que Valenhart Manor não é apenas uma casa. É um túmulo de segredos, um labirinto de vozes, um espelho onde o passado nunca morre. Entre cartas misteriosas, retratos que se movem e um colar que reage ao toque de Adrien, Lívia descobre que a tragédia que separou os dois está ligada a uma maldição ancestral: “Nenhum Valenhart pode amar sem pagar com sangue.” Presos entre o desejo e o medo, eles precisarão escolher: enfrentar o coração sombrio que os une… ou repetir o destino de quem os amaldiçoou. Tags: ex-amantes | reencontro | mansão sombria | maldição familiar | desejo proibido | segredos | segunda chance | mistério romântico | slow burn
Leer másEu nunca gostei de funerais. Mas alguns são inevitáveis, especialmente quando o morto te persegue mesmo debaixo da terra.
O carro avança pela neblina e o portão de ferro da antiga propriedade surge como uma cicatriz no horizonte - alto, frio, marcado com o brasão dos Valenhart: uma rosa atravessada por uma adaga. O símbolo que me fez prometer nunca mais voltar. Promessa quebrada.
O vento sopra o cascalho do caminho como se sussurrasse segredos. Há dez anos deixei este lugar jurando que nunca mais pisaria nele. Dez anos tentando apagar o cheiro de madeira antiga e velas queimadas, o som dos passos que nunca eram só meus. E agora, estou aqui, vestida de preto, usando o mesmo perfume que usava quando ele dizia que eu cheirava a calmaria - e que hoje só me lembra destruição.
Os empregados se alinham quando desço do carro. Reconheço alguns rostos. Outros apenas fingem lembrança. Todos me observam como quem olha uma assombração.
— Senhorita Fontenay — diz o mordomo, com a voz que sempre pareceu saída de outro século. — O senhor Adrien já chegou.
Meu estômago se fecha.
Ele.
Meu ex-noivo.
O homem que destruiu tudo.
O motivo pelo qual jurei nunca mais voltar.
O salão principal está cheio. Lustres antigos, tapeçarias empoeiradas, cheiro de flores mortas. O caixão de carvalho repousa no centro, cercado por velas altas que tremulam com o vento que não deveria existir dentro da casa. Cada chama parece vacilar quando me aproximo.
Nos quadros, os ancestrais dos Valenhart me observam, implacáveis. Entre eles, o retrato do patriarca Henri Valenhart - agora dentro do caixão - me encara com a mesma severidade de sempre. O homem que controlava tudo. Que ditou regras, casamentos, vidas. Que acreditava que o amor era uma fraqueza. E que, ironicamente, levou o coração da família junto com o dele.
Sinto o peso dos olhares, o murmúrio dos parentes distantes. Tia Helen se aproxima, um véu fino sobre o rosto e um sorriso de condolência que mais parece uma lâmina.
— Que bom que veio, querida. O testamento será lido ainda hoje.
Claro. O dinheiro sempre fala mais alto que o luto.
— Não vim por ele — respondo. — Vim para encerrar o que ficou pendente.
Ela arqueia a sobrancelha, divertida.
— Pendente é uma palavra perigosa nesta casa.
Dou as costas antes que ela diga mais alguma coisa. Quero ir embora, mas há algo que me prende, talvez a curiosidade, talvez o peso da herança emocional que nunca consegui carregar. Quando passo diante do caixão, murmuro um adeus silencioso. O ar fica mais frio. Por um instante, juro ouvir o farfalhar de páginas sendo viradas, mas não há ninguém perto o suficiente para isso.
A casa respira. Eu sinto.
E então ele chega.
A porta se abre com o mesmo som grave que fazia quando éramos jovens e fugíamos para os jardins. O ar se move. As conversas cessam.
Adrien Valenhart atravessa o corredor com a mesma postura de quem aprendeu a dominar o mundo e ainda assim o despreza. Terno escuro, cabelo penteado com descuido calculado, barba leve, aquele olhar cinza que sempre parece saber demais.
Meu peito aperta de raiva, de lembrança, de tudo o que jurei enterrar.
Ele para diante do caixão, faz um leve aceno à tia Helen e então me vê.
Os olhos dele me atravessam, e o tempo faz o que sempre faz quando Adrien está perto: distorce tudo.
— Lívia — ele diz, a voz baixa, rouca, uma palavra que soa como um toque.
Meu nome nos lábios dele é um convite ao passado.
Eu deveria responder com indiferença. Em vez disso, meu corpo reage antes da mente. O coração dispara. A garganta seca. Dez anos se dissolvem em um segundo. Ele ainda é o homem que me fez acreditar no impossível, e o mesmo que destruiu causando a morte do meu pai.
— Sr. Valenhart — consigo dizer, formal.
Um canto do sorriso dele se ergue, breve, insolente.
— Ainda tão cerimoniosa.
— E você ainda tão... previsível.
Por um instante, o sarcasmo nos salva do colapso.
O advogado pigarreia, chamando a atenção de todos.
— Se me permitem, a leitura do testamento começará agora.
Adrien e eu ficamos lado a lado. Ironia do destino ou perversidade do velho Henri. A voz do advogado ecoa entre as paredes: disposições sobre empresas, fundações, imóveis. Até que ele chega ao ponto que muda tudo.
— Por desejo expresso do falecido, os herdeiros diretos, Sr. Adrien Valenhart e Srta. Lívia Fontenay, deverão coabitar em Valenhart Manor por um período mínimo de seis meses e apresentar provas de convivência harmônica.
Silêncio.
Sinto o sangue fugir do rosto.
— Caso contrário, a herança será redirecionada à Fundação Valenhart, sob supervisão de Selene Rochefort.
Selene.
O nome cai como veneno.
Claro que ela estava envolvida nisso.
Adrien cruza os braços, a mandíbula tensa.
— E se recusarmos?
— O testamento é claro, senhor. Ambos precisam cumprir as condições ou renunciam automaticamente à herança.
— Isso é absurdo — digo.
O advogado ergue os ombros, impotente.
— Era o desejo do patriarca.
Sinto o olhar de Adrien em mim, o peso do passado, a lembrança do que fomos.
— Parece que o destino gosta de ironia — ele murmura.
— Ou de punição — retruco.
O advogado entrega um envelope selado com cera negra.
— Este documento deve ser aberto apenas pelos herdeiros. Está marcado como “Carta I”.
O selo traz o mesmo símbolo: a rosa atravessada pela adaga.
O mesmo que vi centenas de vezes nos vitrais e tentei esquecer.
Guardo o envelope na bolsa. Não aqui, não agora.
O velório termina, as pessoas se dispersam, mas a sensação de estar sendo observada não passa. Quando olho para o retrato mais antigo da galeria, o de Lucien Valenhart e sua esposa, algo está diferente.
A pintura sempre mostrou o casal olhando um para o outro. Agora, os olhos parecem mirar diretamente em mim.
Fico ali, imóvel, até sentir o leve toque no ombro.
— Cuidado com o que você desperta, Lívia — Adrien diz, e a voz dele é meio aviso, meio promessa.
Me viro para responder, mas ele já está indo embora.
O vento sopra pelas frestas, uma das velas apaga, e o salão mergulha em penumbra.
O fogo do candelabro pisca uma última vez antes de apagar completamente, e o silêncio que se instala é tão denso que consigo ouvir o som do meu próprio coração.
Ele b**e forte, irregular, como se algo dentro de mim soubesse o que está prestes a acontecer.
Atrás de mim, o quadro estala.
Uma fina rachadura se abre bem sobre o peito de Lucien, no exato lugar onde o coração estaria.
A manhã nasce cinza e silenciosa. A chuva da madrugada se foi, mas o ar continua pesado, como se a casa ainda respirasse o que aconteceu na noite anterior.O sofá ao meu lado está intacto. Nenhum vestígio dele.A ausência de Adrien tem cheiro, textura e ruído, o tipo de vazio que só existe quando se sabe exatamente o que falta.Encontro um bilhete sobre a escrivaninha, escrito à mão, no papel timbrado da família:“Reunião às dez. Jantar às oito. Use algo que combine com reconciliações.”Nenhuma assinatura. Ele nunca precisou se despedir para me deixar.O resto do dia passa como um borrão de compromissos que não me pertencem.Funcionários entram e saem, trazendo tecidos, flores e instruções.Tia Helen circula como uma anfitriã que acredita reger o destino.— O jantar precisa parecer íntimo, querida — diz, segurando um colar de pérolas contra meu pescoço. — Advogados são criaturas visuais. Precisam ver que vocês… se gostam.— E se não gostarmos? — pergunto, sem emoção.— Então finjam me
Acordo com o som da chuva batendo nas janelas. Por um instante, não sei onde estou. A cama parece maior do que deveria e o lençol frio demais. Demoro alguns segundos até perceber o que está errado: não estou em minha casa.Percebo que o sofá está vazio. Adrien não está no quarto.Sento-me devagar, os cabelos caindo sobre o rosto. O relógio antigo marca três e quinze da manhã. O ar da mansão tem aquele cheiro particular de madeira cara e lembranças guardadas por tempo demais.A lua invade o quarto através da janela, prateando os contornos da mobília, como se quisesse provar que ainda há luz mesmo nas ruínas.Mas não há descanso.Não para mim.E, pelo jeito, não para ele.Visto o robe, sem acender nenhuma luz, e caminho pelos corredores. O chão range sob meus pés, denunciando minha presença, como se a casa tivesse prazer em me entregar.A biblioteca fica no final do corredor leste, o mesmo lugar onde eu e Adrien costumávamos nos esconder para escapar das festas da família. Lá, onde ele
O relógio da galeria marca nove da noite quando tia Helen anuncia que os quartos foram “preparados conforme o testamento”.Quartos, plural.Pelo menos é o que eu quero acreditar.Mas quando subo a escada, cada degrau parece um prenúncio, e cada batida do meu coração confirma o que eu temo desde a leitura do documento:Há uma única suíte principal em Valenhart Manor.E, segundo o advogado, “coabitação harmônica” significa exatamente isso.A porta se abre com um estalo lento.O quarto é o mesmo de dez anos atrás, o mesmo teto alto, o mesmo tapete persa, a mesma cama de dossel que foi palco de beijos, brigas e promessas que ninguém cumpriu.A diferença é o homem encostado na moldura da janela, as mãos nos bolsos e a postura de quem ainda acredita que o controle é uma armadura.Adrien.— Não se preocupe — ele diz, antes que eu respire. — Mandei preparar o sofá.— Que cavalheiro — a ironia me escapa. — Acha mesmo que eu aceitaria dividir essa cama com você?— Não. — ele responde, e o olhar
Eu não deveria ter voltado.A frase ainda está nos meus lábios quando o chão range sob meus pés, como se a casa desse um passo comigo. O salão dos retratos é um corredor de julgamentos. Linhas de rostos pintados em óleo me medem de cima abaixo, uns com pena, outros com fome. O espelho oval repousa liso outra vez, sem o tremor líquido que me engoliu há pouco, mas o frio que ficou na pele diz que a memória não terminou: ela apenas aprendeu a esperar.Viro as costas para o espelho e avanço pela galeria. A luz do fim da tarde bate nos vitrais e derrama no chão faixas prateadas, como se alguém tivesse estendido lençóis de lua para cobrir a vergonha da família. Paro diante do retrato de um casal do início do século XIX — moldura oval, dourado discreto, o homem com a mão no ombro da mulher velada. Mais cedo, juro que vi uma fenda atravessando o peito de Lucien. Agora, a pintura está inteira, mas há uma novidade que não existia quando eu era criança: a mulher não olha mais para ele. Olha para
As palavras ainda me queimam quando entro no salão dos retratos, que sempre foi o coração da casa. Hoje, ele parece respirar de novo. Cada quadro tem olhos, cada sombra parece observar.Ando devagar entre as molduras, tentando não pensar no barulho das prateleiras que se moveram sozinhas na biblioteca nem na voz feminina que juraria ter ouvido sussurrar meu nome.As mãos estão frias. O coração, quente demais.Quando passo diante do espelho oval, o reflexo vibra, como se tivesse vida própria.A superfície se distorce, e o vidro, líquido, começa a pulsar.Dou um passo para trás, mas o ar muda, pesado, espesso, e o mundo parece virar de dentro pra fora.Não há mais vento. Nem chão. Nem tempo.Há apenas a memória, e ela me puxa como se tivesse mãos.10 anos antes…Chove.O som da chuva contra o vitral da capela é a única coisa que ainda existe.Eu estou parada diante do altar, vestida de branco.O vestido é leve demais para o frio que faz, e o tecido gruda na pele como segunda ferida.Meu
Na manhã seguinte, o céu de Valenhart Manor amanhece em cinza.Não o cinza suave de um dia nublado, mas o tipo de cinza que parece pesar sobre os ombros, o que antecede uma tempestade ou um desastre.Do meu quarto, observo o jardim pela janela. As flores estão inclinadas, quase reverentes, e o vento parece sussurrar o nome da casa como se ela tivesse alma.Valenhart Manor sempre teve. E nunca foi gentil.A noite anterior ainda pulsa dentro de mim. O encontro, o olhar de Adrien e o som do quadro rachando.Tento convencer a mim mesma de que foi coincidência, que a casa não passa de uma estrutura velha demais, cheia de vento e histórias inventadas. Mas há algo que me impede de acreditar nisso. Talvez o modo como o ar ficou gelado quando ele me chamou pelo nome.Talvez o modo como meu corpo reagiu, traidor, como se o tempo tivesse voltado e eu ainda fosse aquela garota que acreditava em promessas.Tomo café sozinha no salão lateral. A porcelana fina ecoa quando coloco a xícara de volta no
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