Mundo ficciónIniciar sesiónCALEB
O dia começou cedo, como todos os dias. Antes mesmo do sol despontar no horizonte, eu já estava de pé, tomando minha terceira xícara de café enquanto calçava as botas e ajeitava o chapéu na cabeça para voltar ao trabalho depois de uma longa noite de vigilância para o bezerro nascer. A Estância não esperava. Os animais tinham fome, o pasto exigia atenção, e cada detalhe esquecido podia se transformar em prejuízo no final do mês. Essa era a vida que eu conhecia, a única que fazia sentido.
No curral, o bezerro recém-nascido se movia trôpego, buscando a mãe. Observei por alguns minutos para garantir que estava mamando, antes de seguir para verificar os outros lotes. Hudson, ainda perdido com o serviço, fazia mais confusão do que ajudava.
— Se não aprender a olhar duas vezes antes de soltar a tranca, vai acabar correndo atrás do rebanho estrada afora — resmunguei quando ele quase deixou escapar três novilhas.
Ele ficou com o rosto vermelho, murmurou um pedido de desculpa e saiu correndo para buscar feno. Era atrapalhado, mas pelo menos tinha disposição. Isso já era alguma coisa.
Depois de cuidar dos animais, segui para o estábulo. Tex estava agitado batendo os cascos no chão e bufando, como se sentisse a mudança no ar. Escovei sua pelagem, tentando acalmá-lo, e percebi que, no fundo, quem estava inquieto era eu. Desde que Savana tinha cruzado a porteira, nada parecia igual.
Enquanto selava Tex para uma ronda rápida pelas cercas, ouvi o ronco de um motor pesado vindo da estrada de terra. Subi a colina e, ao erguer a mão contra o sol, vi a poeira se levantar atrás de um caminhão de mudanças.
Meu peito se apertou. Então era isso. Savana não tinha vindo apenas para resolver papéis ou passar alguns dias. Ela tinha vindo para morar em definitivo. Aquele ia ser o seu lar dali em diante e eu vou ter que me acostumar com isso.
Da onde eu estava, consegui ver alguns homens descarregando móveis e muitas caixas em frente à casa sede. Amber corria de um lado para o outro, rindo alto como se tudo aquilo fosse uma grande brincadeira. Savana, de braços cruzados, dava ordens, embora estivesse claro que não tinha nenhum controle sobre a situação.
Hudson apareceu ao meu lado, a corda enrolada no ombro.
— Então é verdade mesmo, chefe. Ela veio para ficar.
— É — respondi, sem tirar os olhos da cena.
— Não parece o tipo de mulher que troca salto alto por lama de curral — comentou, rindo.
Virei o rosto para ele, e só com o olhar já o fiz se calar.
— Ela é filha do Clint — lembrei-o. — Só isso já basta pra você respeitá-la.
Hudson engoliu seco e se afastou sem retrucar.
Fiquei parado ali por mais alguns minutos. O contraste me incomodava. A casa, que por tanto tempo ficou mergulhada em silêncio, agora estava cheia de barulho. O som dos móveis sendo arrastados, das vozes dos carregadores, e a risada cristalina de Amber enchiam o ar. E, junto com isso, lembranças que eu tinha tentado enterrar ressurgiam com força.
A imagem da Savana criança veio à tona sem que eu pudesse evitar: de tranças bagunçadas, vestido manchado de poeira, botas cor de rosa, correndo pelo quintal atrás de mim, implorando para brincar de casinha. Eu sempre fingia impaciência, mas, no fundo, acabava cedendo. Agora, vendo Amber tão cheia de energia, percebi como a filha lembrava a mãe.
Suspirei, puxei Tex e desci até a sede. Eu sabia que meter o nariz ia gerar discussão, mas não suportava ver aquela bagunça. Os carregadores largavam as caixas no meio do corredor sem critério nenhum, e aquilo me tirava do sério.
Peguei uma caixa mais pesada e comecei a carregá-la para dentro.
— Caleb! — a voz de Savana cortou o ar. Ela estava parada na varanda, os olhos faiscando. — O que está fazendo aqui?
— Evitando que essa mudança vire um caos maior. — respondi sem me deter.
— Eu não pedi a sua ajuda.
— E pelo que estou vendo, precisa mais do que imagina. — rebati, entrando com a caixa nos braços.
Ela veio atrás, indignada.
— Essa caixa é da Amber! Vai para o quarto dela, não para a sala!
— Então diga isso aos carregadores, não a mim. — soltei a caixa no canto com um baque.
— Você não pode simplesmente entrar na minha casa e decidir onde tudo vai ficar! — disse ela, as mãos firmes na cintura.
Ri de canto.
— Sua casa? Que eu saiba aqui ainda é a Estância Solar.
— A propriedade é a Estância Solar, mas a casa era do meu pai, portanto, minha.
— E sem mim, você não vai aguentar nem uma semana aqui.
Os olhos dela faiscaram de raiva. Por um instante, achei que ela fosse me dar um tapa, mas Amber surgiu correndo, segurando uma boneca nas mãos.
— Mamãe, olha só o que achei dentro da caixa — disse a menina, sorridente, sem perceber a tensão entre nós.
Savana respirou fundo e se agachou para responder à filha, usando isso como desculpa para se afastar de mim. Eu fiquei ali, parado, observando. Parte de mim queria ir embora, encerrar a discussão. Outra parte não conseguia se afastar.
Depois que Amber voltou a brincar, Savana se levantou e me encarou de novo, o rosto corado.
— Eu não preciso de você me dizendo o que fazer.
Cruzei os braços.
— Não precisa gostar de mim, mas vai ter que aceitar que, sem minha ajuda, você e essa menina não têm como manter a Estância.
Ela me virou as costas, ignorando minhas palavras, mas vi sua mão tremer quando pegou uma das caixas e levou para dentro.
E foi aí que percebi: por fora, ela podia se mostrar firme e decidida. Mas por dentro… talvez ainda fosse a mesma menina teimosa, tentando provar que podia enfrentar o mundo sozinha. E eu sabia que no fundo, essa teimosia ia nos colocar frente a frente muitas vezes ainda.
Montei em Tex e me afastei da casa sede, tinha que voltar ao trabalho, ainda tinha muita coisa a ser feita antes do pôr do sol e o dia estava bem longe de terminar. A discussão com Savana tinha me deixado totalmente de mau humor.







