"— Qual seu maldito problema?— grito. — Sua filha te venera e só sente sua falta e você a trata assim? Que tipo de monstro você é? No mesmo instante que aquelas palavras saem dos meus lábios, percebo que havia ido longe demais. Mas aquele homem... Por Deus, despertava o pior de mim. — Você desconhece a magnitude do monstro que reside em mim. Portanto, não o provoque.— Ele fala estridentes enquanto dá as costas para mim. Só que aquele aviso havia chegado tarde demais, porque eu iria até o fim. — Me mostra o tipo de monstro que você é, e eu garanto que nada me assustará. E naquele momento, aquele homem lança o olhar duro sobre mim e eu percebo então o arrependimento por ter me envolvido em tudo aquilo." Traída pelo noivo e pela própria irmã, Ayla decide recomeçar sua vida em uma cidade distante, determinada a reconstruir sua confiança e deixar o passado para trás. No entanto, sua chegada é marcada por um encontro inesperado e intenso com um homem misterioso e enigmático. Tentando esquecer o incidente, Ayla se concentra em seu novo emprego como babá de uma garotinha doce, apenas para descobrir que seu chefe é ninguém menos que o homem que cruzou seu caminho naquele primeiro dia. Viúvo, cercado por segredos e agora bilionário após ganhar na loteria, ele carrega uma dor que o tornou inacessível. Entre os desafios de cuidar de uma criança cheia de vida e de desvendar as camadas deste homem sombrio, Ayla se vê confrontada por sentimentos que jurou nunca mais deixar crescer. Entre mágoas, mistérios e um desejo proibido, Ayla precisa decidir: fugir outra vez ou arriscar seu coração por um homem que pode destruí-la?
Ler maisO vento gelado me abraça assim que saio do aeroporto. Respiro fundo. Aquela cidade estranha — tão longe de tudo que eu conhecia — agora é meu novo lar.
Confiro no celular o endereço do hotel, ergo a mão e paro um táxi. No exato instante em que abro a porta, a do lado oposto se abre também. — Rua das Acácias, por favor. — A voz masculina, firme, preenche o carro. Viro, franzindo a testa. — Esse táxi já está ocupado. — Minha voz sai firme... mas trêmula. Ele me encara, e por um segundo, o ar some dos meus pulmões. Olhos negros, intensos, frios. Maxilar marcado, cabelos escuros desalinhados. Nada nele se abala. — Ok. — Dá de ombros, olhando pro motorista. — Estou com pressa. Pode seguir. Cerro os punhos. A audácia. Como se eu já não tivesse passado o suficiente nas últimas horas. — Se está com tanta pressa, sugiro que encontre outro táxi. Esse já tem dona. — corto, amarga. Ele acende um cigarro, jogando os fios de cabelo pra trás com um movimento irritantemente elegante. Me lança um sorriso torto, cínico... e, de algum jeito, perigosamente bonito. — Isso é tudo? Prendo a respiração, unhas cravando nas pernas. Eu deveria estar chorando, implorando por uma trégua da vida... Mas não. Estou discutindo por um táxi. — Eu não vou a lugar algum com você nesse carro. — solto, amarga. Ele ri. E aquele som... deveria me irritar, mas em vez disso, me arrepia. Tem algo nele que provoca e, ao mesmo tempo, alerta. Um sorriso limpo, insinuante... Mas os olhos? Sombras puras. — E o que você tá esperando? — traga, soltando a fumaça. — Desce. Abro a boca, pronta pra despejar nele tudo que me sufoca desde... Desde que encontrei meu noivo na cama com a minha própria irmã. A cena pulsa como uma ferida aberta. As promessas, as mentiras, tudo implodiu em questão de minutos. Ele me acusou. Disse que eu o traí. Quando, na verdade, foi ele quem destruiu tudo. Fugir foi tudo que me restou. Antes que aquela cidade me destruísse também. — Calma! — o motorista se mete, nervoso. — Dá pra resolver. Moça, pra onde você vai? Respiro fundo, engolindo o orgulho. — Grand Palace Hotel. O motorista sorri, aliviado. — Ótimo, é caminho do nosso amigo aqui. Levo os dois. Cruzo os braços, bufando, olhando praquele homem. Ele traga o cigarro, olhando pela janela, indiferente. A decisão é minha. Cedo. — Tudo bem. — Minha voz sai mais rouca do que queria. O táxi arranca. Observo a cidade pela janela, estranha, desconhecida... e, de repente, tudo o que eu sou também me parece estranho. — E você, senhor? — o motorista pergunta, quebrando o silêncio. — Vai pra onde? Ele j**a a bituca pra fora. — Cemitério das Flores. Me viro pra ele, surpresa. E só então percebo os detalhes. Terno preto, impecável. Expressão dura. Olhar vazio. Está indo pra um funeral. Meu peito aperta. — De quem...? — escapa, sem que eu consiga evitar. Ele me olha, como se não esperasse a pergunta. — Isso não soa inconveniente? — Estar nesse táxi também é. — rebato. Por um segundo, quase vejo um sorriso. Mas evapora rápido. — Minha esposa. — A voz vem seca, cortante. Sinto meu corpo enrijecer. — Eu... sinto muito. — murmuro, sincera. Ele me observa por longos segundos. Então, seus lábios se curvam. Não em tristeza. É algo mais... sombrio. — Não sinta. — abre a porta, já saindo. — Estou aliviado que ela finalmente morreu. Congelo. Antes que eu processe, ele desce e desaparece, caminhando na direção do cemitério. Deixa pra trás o cheiro de cigarro... e um rastro de mistério que me arrepia até os ossos. Viro pra janela, tentando entender o que acabou de acontecer, quando algo no banco me chama atenção. Um brilho prateado. Pego. Um isqueiro elegante, pesado, com iniciais gravadas em baixo relevo: J.B. Olho pra fora. A silhueta dele some entre os portões do cemitério. E, no fundo, algo me diz que esse encontro... não foi acaso.Escrever esta história foi, para mim, muito mais do que simplesmente criar personagens e enredos. Foi uma verdadeira travessia, uma jornada profunda que me levou a lugares dentro de mim que eu nem sempre sabia que existiam. Cada página nasceu de um encontro íntimo com minhas próprias dores, ausências que ainda ecoam no silêncio dos meus dias, e amores que, de um jeito ou de outro, me sustentaram nos momentos em que a escrita parecia impossível, quando as palavras teimavam em fugir e o coração parecia pesado demais para continuar. Foi um processo de autoconhecimento, de enfrentamento e, acima de tudo, de entrega.Quando comecei a escrever, não tinha a menor ideia de onde essa história me levaria. Não sabia quais caminhos ela abriria, nem quais portas se fechariam ao longo do percurso. Tudo o que eu sabia era que precisava dar voz a mulheres que, tantas vezes, são silenciadas pela vida, pela sociedade, por suas próprias inseguranças. Mulheres como Ayla, Amanda, Alison, Andrea, Emma... C
Epílogo – Anos depoisO tempo não apaga. Ele ajeita, desloca, empurra as dores para cantos diferentes, como quem arruma um quarto sem nunca jogar fora de verdade o que machuca. Oito anos haviam passado desde o casamento no jardim da mansão reconstruída. Oito anos cheios de gritos infantis, brigas, reconciliações, aniversários cheios de bolo mal cortado e alguns silêncios que só o convívio traz.A mansão na estrada daquela ampla cidade agora parecia outra. As paredes, que carregavam as marcas da explosão, estavam cobertas por heras verdes, que cresciam sem pedir licença, como se a própria natureza tivesse decidido cuidar da família. O portão rangia ao abrir, e as crianças costumavam correr para fora antes mesmo do carro desligar.Juan e Ayla tinham agora dois filhos além de Emma: o pequeno Matteo, de oito, e Clara, de cinco. Emma, adolescente, passava horas trancada no quarto ouvindo música no fone, mas ainda buscava o colo de Ayla quando alguma decepção adolescente apertava o peito. J
O sábado começou abafado, como se o próprio céu estivesse inquieto, prestes a desabar em tempestade. Na cozinha da mansão, o barulho era constante: talheres batendo, panelas arrastadas, gente indo e vindo com caixas de flores, toalhas, garrafas de vinho. O ar cheirava a pão de queijo recém-saído do forno, misturado ao perfume doce das rosas que uma vizinha trouxera de presente. O som das vozes se misturava ao riso das crianças correndo pelos corredores, enquanto o bebê, embalado por Andrea, dormia tranquilo no carrinho.Ayla estava no quarto, diante do espelho, sentada numa cadeira baixa. O vestido pendurado na porta balançava levemente com a brisa que entrava da janela aberta. Não era um vestido de noiva tradicional, daqueles cheios de rendas e caudas enormes. Era simples, de tecido leve, quase bege, com bordados discretos na cintura. Ela havia escolhido assim porque não queria parecer outra pessoa, não queria se esconder atrás de nada. O bebê dormia no berço ao lado, a respiração cu
As semanas que se seguiram ao nascimento do bebê transformaram a casa num lugar onde o cansaço e a descoberta se misturavam em cada canto. Ayla mal conseguia distinguir manhã de noite; o relógio da sala, que antes marcava as horas com um som alto e constante, agora parecia zombar dela, marcando um tempo que não obedecia ao ritmo da maternidade. Aos poucos, porém, a poeira foi baixando. O bebê mamava melhor, Emma já não chorava escondida com medo de perder espaço, e Juan fazia o possível para manter a mansão viva e funcional enquanto a família se ajeitava.Era um domingo de sol. O cheiro de terra molhada ainda vinha das chuvas da madrugada, misturado ao aroma forte do café que Juan havia passado mais cedo. Ayla saiu do quarto com o bebê no colo, os pés descalços tocando o piso frio de mármore. Ele dormia pesado, o corpo mole, o rosto enfiado contra o peito dela. Emma estava sentada no tapete da sala, pintando com lápis de cor, a língua para fora num gesto concentrado que lembrava Juan
A casa não parecia mais a mesma desde que trouxeram o bebê. O silêncio confortável de antes havia sido substituído por um ciclo estranho de choros, passos apressados, portas se abrindo de madrugada e vozes sussurradas tentando não acordar Emma. Até o ar parecia outro, impregnado de leite morno, pomada para assaduras e aquele cheiro indefinível de recém-nascido, uma mistura de talco e suor doce que se entranhava nas roupas e nos cabelos.Ayla estava exausta. O corpo ainda doía do parto, cada músculo parecia reclamar quando ela se levantava da cama. Os pontos queimavam, a cabeça latejava por noites mal dormidas, e a sensação constante de cansaço parecia pesar mais que o próprio bebê no colo. Mas quando olhava para o pequeno, deitado no berço novo que Juan montara no quarto deles, sentia uma estranha força correr pelo peito, algo que a obrigava a seguir, mesmo quando tudo parecia desabar.Juan fazia o possível, mas não escondia o cansaço. Chegava no quarto de camiseta amarrotada, olhos v
O dia do parto chegou.Ayla já não sabia distinguir o que era dor física e o que era medo. O frio da sala de cirurgia misturava-se ao suor que escorria por sua testa, colando os cabelos à pele. O teto branco, com suas lâmpadas fortes, parecia distante, quase cruel. O cheiro de antisséptico invadia tudo, e cada vez que uma nova contração vinha, ela pensava que talvez não fosse aguentar.Juan estava ali, paramentado, máscara cobrindo metade do rosto, mas os olhos… os olhos estavam vermelhos, tensos, e não paravam de procurar os dela.— Eu tô aqui, Ayla, eu tô aqui — repetia, como se fosse um mantra.Mas nem sempre conseguia controlar a voz, que falhava. Ele não era de chorar, mas naquele momento não sabia o que fazer com a angústia que pesava no peito.O médico falava com calma, embora a pressa estivesse escondida na forma como suas mãos se moviam.— Precisamos acelerar. A pressão dela caiu, a gente tem que agir rápido.Ayla ouviu fragmentos. A anestesia deixava seu corpo meio fora de s
Último capítulo