Capítulo 2

Passei o fim de semana inteiro afogada nas minhas próprias lágrimas, ignorando qualquer ligação do mundo lá fora. Mas, quando a segunda-feira chegou, percebi que chorar não ia pagar aluguel nem me dar um emprego.

Acordei cedo, fiz o checkout do hotel e fui atrás de uma casa para alugar. Ingênua. Ninguém me avisou que, em cidade grande, até respirar custa caro.

— Me desculpa, só pra confirmar… — tento, incrédula. — Esse valor aqui é mensal, mas pra fechar, preciso pagar mais três meses adiantados?

— Isso. Aceita ou sai. Tem gente na fila. — o síndico responde, sem nem fingir empatia.

Engoli o nó na garganta. Não tinha opção.

— Tá… tudo bem. Hoje à noite eu trago. — Largo minha mala no meio do apartamento vazio, fingindo que era meu.

Saí dali sem saber como. A única esperança era aquela entrevista que consegui. E, sim, eu sabia que era surreal, ridículo, quase cômico… mas meu plano era simples: convencer eles a me pagar três meses adiantados no primeiro dia.

Talvez eles rissem da minha cara. Talvez eu risse junto, de tão absurda que era a ideia. Mas era isso ou a rua.

Cheguei na empresa uma hora depois.

O diretor de RH, um homem de meia-idade com cara de quem se acha mais bonito do que realmente é, me chamou para a sala.

— Ayla, certo? — sorri, mostrando os dentes muito brancos, provavelmente de lente. — Seja bem-vinda.

— Obrigada. — Respondi, tentando parecer profissional, mesmo com a voz meio trêmula.

A entrevista começou normal. Até que ele começou a me olhar de cima a baixo, mordendo os lábios como se eu fosse um prato de comida.

— Você… é muito bonita, sabia? — sorriu, claramente achando que estava sendo sutil. — Tenho certeza de que você se daria muito bem aqui.

— Prefiro que foquemos nas minhas habilidades, senhor. — Falei seca, cruzando os braços. — Comentários pessoais não são bem-vindos.

Ele fingiu uma tosse, ajeitou a gravata, mas não demorou nem trinta segundos pra voltar a ser um completo lixo humano.

— Sabe… — se inclinou na mesa, abaixando a voz — acho que podemos chegar a um acordo.

Meu estômago virou.

— Olha… — respirei fundo, reunindo a pouca dignidade que me restava — na verdade, eu queria saber se existe alguma possibilidade de adiantamento. Uns... três meses, talvez? Eu sei que é fora do normal. Eu mesma acho isso absurdo. — Ri, nervosa. — Mas estou passando por uma situação bem complicada.

Preparei-me pra ouvir um “claro que não”, seguido de risadas. Só que ele me surpreendeu:

— Isso... é possível, sim. — respondeu, abrindo um sorriso estranho. — Claro... se você for uma funcionária disposta.

Meus olhos se arregalaram. Algo me dizia que “disposta” não significava exatamente trabalhar horas extras.

— Me explica melhor isso. — minha voz saiu fria.

Ele deslizou a cadeira, relaxando como quem dá um golpe certeiro.

— Dormir comigo, Ayla. Hoje. E você tem três meses pagos adiantado.

Por dois segundos, fiquei em choque. No terceiro, levantei e... PLAFT!

A palma da minha mão estalou no rosto dele com força suficiente pra ecoar no prédio inteiro.

— Escroto nojento!

Saí dali batendo a porta, tremendo de ódio. O peito ardendo, os olhos marejados... mas eu não ia chorar. Não por um lixo como aquele.

Caminhei sem rumo, chutando pedras, folhas, até que uma folha de jornal voou e grudou no meu rosto. Arranquei irritada... mas congelei quando li o anúncio estampado bem no centro:

“Procura-se babá. Salário acima da média. Moradia inclusa.”

Por um segundo, o universo parecia ter dado um sinal.

— Ok… minha chance. — Sussurrei, apertando o papel nas mãos.

Duas horas depois, parei na frente do endereço. Meus olhos quase saltaram.

Uma mansão. Enorme. Impecável. Com jardim, fonte e cercas brancas.

— Uau… — engoli em seco. — Eu não pertenço aqui.

— Veio pra entrevista? — um homem bem alinhado me abordou.

Assenti e ele me guiou até a sala.

A cena quase me fez rir — nervosa, claro. Uma fila de mulheres, todas lindas, produzidas, parecendo saídas de uma revista de moda.

Sentei, tentando não parecer tão deslocada quanto me sentia. E fingi naturalidade, mesmo apertando o papel do anúncio com tanta força que ele quase rasgou.

Quando fui chamada, respirei fundo e entrei.

E quase caí pra trás.

Ele estava de costas, olhando a vista pela janela. Quando se virou, meu corpo inteiro gelou.

Era ele.

O homem do táxi. O cara mais irritante, esnobe e petulante que eu já conheci na vida.

Eu respirei fundo. Queria correr. Mas, sinceramente? Talvez... talvez morar na rua fosse pior.

— Seria muito difícil entregar seu currículo? — a voz dele soa carregada de ironia.

Respiro fundo, caminho até a mesa e estendo meu currículo. Ele pega, analisa por alguns segundos, e dispara:

— Você não fez a melhor faculdade. — Não levanta os olhos. — E, sinceramente, seu currículo é inferior ao das outras candidatas.

Cruzo os braços, segurando a irritação.

— E, mesmo assim, estamos todas concorrendo, não? Ou... existe uma faculdade de babá em Harvard e eu não sabia?

Por um segundo, vejo a sombra de surpresa passar no rosto dele, como se não esperasse a resposta.

— Tenho prática. Já cuidei de muitas crianças. — concluo, mantendo o tom firme.

O toque estridente do meu celular quebra o silêncio constrangedor. Aperto os olhos, desligo no mesmo instante, torcendo pra não parecer mais patética do que já estava.

Quando volto a olhá-lo, ele fecha o currículo com um estalo seco.

— Pode sair.

O mundo parece girar. Por um segundo, penso em engolir meu orgulho e implorar... mas não. Aquele dia já tinha sido humilhante demais pra eu rastejar diante de um homem tão arrogante.

— Com licença. — digo, tentando manter alguma dignidade, e saio da sala.

Atravesso o jardim, mastigando frustração, até ouvir um chorinho abafado. Instintivamente, olho ao redor e encontro uma garotinha sentada na grama, tentando, em vão, encaixar a perna quebrada de uma boneca.

Me abaixo.

— Oi... o que aconteceu?

Ela levanta os olhos, enormes, verdes e cheios de lágrimas.

— Eu quebrei a Dorothea...

— Posso ver? — estendo a mão. Ela me entrega a boneca, e, com um pequeno encaixe, coloco a perna no lugar. — Prontinho. Tá vendo? Quase tudo na vida tem conserto.

O rosto dela se acende, e, antes que eu diga qualquer coisa, ela me abraça apertado. Depois, sai correndo, feliz, girando a boneca no ar como se nada tivesse acontecido.

Sorrio, desejando, do fundo da alma, que meus problemas também fossem fáceis assim. Me levanto... e, de relance, percebo a sombra de alguém se movendo atrás da cortina do escritório. Ele estava me observando.

Respiro fundo, balanço a cabeça e paro de pensar nisso. Perdi a vaga, não tenho onde morar... talvez ainda consiga negociar com o proprietário. Alguma alma caridosa existe nesse mundo, certo?

Volto pra casa, repetindo mentalmente mil planos de emergência, agarrada à esperança de que, chegando lá, ele tenha mudado de ideia.

Só que esperança é um bicho traiçoeiro.

Quando dobro a esquina, vejo. Meus pertences estão todos na calçada. Malas abertas, roupas espalhadas, caixas de livros encharcadas pela chuva fina que começa a cair.

— O quê...? — minha voz sai num sussurro rouco.

Corro até a portaria e começo a bater na porta.

— Otávio! Abre isso!

A janela do quinto andar se escancara, e ele aparece, cruzando os braços.

— Você abandonou suas coisas aqui sem pagar, mocinha! Liguei mil vezes! Agora tira isso da minha calçada! — E fecha a janela, sem nem olhar pra trás.

As lágrimas vêm antes que eu consiga impedir. Me ajoelho na calçada, tentando juntar o que dá. Um trovão estoura no céu. Como se fosse combinado, a chuva engrossa.

Me sento, tremendo, encharcada, encarando o pouco que sobrou da minha vida. Despedaçada.

— O que eu faço agora...? — sussurro, sentindo o peito apertar. — Pra onde eu vou...?

O celular vibra nas minhas mãos. Por um segundo, penso em jogar ele na rua... mas atendo.

— Ainda quer a vaga? — pergunta uma voz masculina, firme, do outro lado da linha.

Congelo. É ele.

— S-sim... — gaguejo, sem acreditar no que estou ouvindo.

Silêncio. E então, direto, curto, frio:

— Tem uma condição. Você precisa morar aqui.

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