Capítulo 4

Acordei cedo. Nem parecia que tinha dormido bem — a ansiedade esmagava meu peito desde o primeiro raio de sol atravessando as persianas.

Deixei o anexo e segui para a casa principal. Ainda era cedo demais pra Emma estar acordada — o Sr. Barrichello tinha me enviado a rotina dela na noite anterior.

A mansão estava silenciosa. Me peguei olhando em volta, procurando qualquer vestígio... porta-retratos, quadros, qualquer sinal da mulher que aquele homem disse, sem um pingo de peso, estar “aliviado” por ter perdido. Nada. Nenhuma foto. Nenhuma lembrança. Como se ela nunca tivesse existido.

— O que está fazendo? — a voz dele cortou o silêncio, firme e seca, me fazendo saltar no lugar.

Virei, levando as mãos ao peito.

— Só... estava me familiarizando com a casa — respondi rápido, alto demais.

Ele me analisou, aquele olhar negro, gélido.

— Emma ainda não acordou. — Disse apenas, já se virando.

— Sr. Barrichello... — chamei, com a voz meio embargada. Ele parou. Não se virou. — Você... não se lembra de mim?

Ele se virou devagar, olhando como quem força a memória.

— Nunca te vi antes.

Senti o sangue ferver.

— Nem quando tentou pegar o mesmo táxi que eu?

Por um segundo — só um — quase vi um sorriso. Quase. Mas com aquele homem, sorrisos eram miragens.

Seu olhar escuro deslizou sobre mim, intenso, pesado. Me senti minúscula. Vulnerável.

Ele caminhou até mim. Passos lentos. Meu coração disparou. Me recusei a desviar os olhos.

Parou perto. Muito perto. Levantou o braço, devagar, e apontou pro relógio no próprio pulso.

— Está atrasada pra sua primeira tarefa. — A voz baixa, arrastada, perigosa. — Me pergunto se sobrevive até o fim do dia.

E se virou. Simples assim.

Fiquei ali, imóvel, com o medo apertando meu peito. E, sinceramente... me perguntei o mesmo.

Subi. Era hora de acordar Emma.

***

Emma era tudo que o pai não era. Doce. Esperta. Tagarela.

Nos demos bem desde o primeiro segundo. E agora estávamos no jardim, devorando waffles recém-feitos pela cozinheira.

— Você tem mamãe, Ayla? — ela soltou, olhando pra mim com aqueles olhos verdes gigantes.

Engoli seco.

— Tenho... mas ela tá longe de mim.

— Longe igual à minha? — sua voz baixinha me fez travar. — Papai disse que ela foi tão, tão longe... que não pode mais voltar.

Aquilo partiu meu coração em pedaços.

— Às vezes... — comecei, escolhendo cada palavra —... algumas pessoas fazem viagens tão longas que não conseguem voltar. Mas, mesmo longe, quem a gente ama nunca vai embora de verdade. Sempre fica aqui. — Toquei no peito dela, bem sobre o coração.

Ela ficou pensativa, olhando pro prato. Silêncio. Por uns dez segundos.

— Você sabe onde meu pai trabalha? — perguntou, animada.

— Sei.

— Então me leva lá? Quero muito vê-lo.

E foi assim que, contra todos os instintos de autopreservação, me vi trinta minutos depois descendo de um carro com Emma, na porta de um prédio que parecia tocar o céu.

O motorista foi embora. Subimos até o 14º andar. Respirei fundo, bati na porta.

Uma voz entediada respondeu:

— Entra.

Abri. E vi. E, por um segundo, juro, vi pânico nos olhos dele. Pânico real. Levantou da cadeira, deu um passo pra trás, completamente em choque.

— O que... acha que está fazendo? — a voz dele subiu, dura, ríspida. — Por que trouxe ela aqui?

— Emma queria almoçar com você. — Forcei um sorriso.

A menina olhou pro pai, cheia de esperança. Pequena. Ansiosa. Nervosa.

— Estou trabalhando. — O tom dele cortava. — E se ainda quiser esse emprego... suma daqui. Agora.

O sorriso de Emma se apagou. Vi aqueles olhinhos abaixarem. Vi seu corpo encolher, como se tentasse desaparecer.

Senti o peito queimar. Raiva. Nojo. Ódio. Tudo junto.

Abaixei até ela.

— Querida... espera lá fora, tá? A moça da recepção vai brincar com você enquanto eu converso com seu pai. Pode ser?

Ela assentiu, baixinho, e saiu.

Assim que a porta se fechou, virei pra ele com fogo nos olhos.

— Que diabos há de errado com você?! — explodi. — Sua filha te ama, sente sua falta... e você trata ela assim?! Que tipo de monstro você é?!

Ele virou, me olhando por cima do ombro, e respondeu... frio. Gélido. Mortal:

— Você não tem ideia do tamanho do monstro que eu sou. Não me provoque.

Mas era tarde demais.

— Então me mostra. — cravei os olhos nos dele, sem recuar. — Me mostra esse monstro. Porque, te garanto... nada, absolutamente nada, vai me assustar.

E foi ali. Bem ali. No instante exato em que aqueles olhos negros se estreitaram, que eu percebi duas coisas:

Primeiro... eu tinha ido longe demais.

Segundo... eu estava oficialmente metida num jogo muito, muito mais perigoso do que imaginava.

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