Lucy tinha um dever e sempre esteve ciente dele, por isso se casou com Richard, mas após a morte de seus pais, ela descobre da pior forma possível, que Richard planeja se livrar dela e assumir a família. Agora, ela precisa do divórcio, e precisa de uma aliança capaz de manter a si mesma e a seu irmão, a salvo. E quem poderia ser melhor para isso do que Silas Desmond, o primo de Richard e também, um homem poderoso, conhecido por sua imparcialidade, frieza e incapacidade de amar algo além de si mesmo.
Ler maisEra verão na Itália, quando eu tomei a pior decisão da minha vida. A decisão que me levaria até a minha pior versão e também, aos braços da morte.
Eu nasci na família Donovan, uma garota com cabelos loiros, olhos que sempre eram comparados a diamantes e um rosto angelical. Eu era a primogênita da família Donovan, e isso já ditava 90% da minha vida. Eu sabia disso, cresci com isso em mente. E esse fato não me incomodava, — mas certamente preferia que as coisas pudessem ser um pouco diferente, — só que esperar e ser, são completos opostos. O sol filtrava-se pelas grandes janelas de vidro da ala leste da mansão Donovan, tingindo o mármore branco com tons dourados que faziam tudo parecer mágico, ou pelo menos era assim que parecia para a minha versão que ainda acreditava em contos de fadas, — ou talvez só mais uma manhã comum na casa em que meus pais decidiram viver após muita insistência da minha mãe em dizer: a família sempre residiu na mansão principal, é aqui que nossos filhos devem crescer. Mas não importava quantas vezes acordasse ali, aquele lugar ainda me arrancava suspiros. Havia uma sensação de eternidade naquela propriedade, como se as paredes sussurrassem histórias de gerações que viveram, amaram e caíram nos mesmos lugares onde agora eu caminhava. Talvez isso tudo não passasse de um reflexo da mansão que foi passada de geração a geração.
Minha xícara de chá ainda soltava fumaça quando me acomodei no banco de madeira entalhada do jardim de inverno, ladeado por trepadeiras e roseiras em flor. Entre as mãos, um exemplar antigo de Madame Bovary, presente de minha mãe em meu aniversário de quinze anos — e que eu jamais terminei, já que o tédio me atingia antes que eu pudesse realmente sentir empatia ou sequer... me identificar com qualquer alma naquele romance. A ironia não passava despercebida: uma história de paixões sufocadas em meio a convenções sociais, lida por mim, Lucy Donovan, filha de um banqueiro europeu e de uma dama de linhagem nobre, prestes a aceitar um casamento arranjado sem nem ao menos perceber que era arranjado.
Bom. Eu não era tão burra assim, sabia bem que era um acordo bom para todos os lados, — e depois de tantos anos, — eu já não esperava mais que “amor” existisse, então, o que era melhor para a família, seria o melhor para mim.
Meu irmão mais novo, Jasper, tinha prometido me encontrar para me mostrar seu novo cavalo após o café, mas como sempre, devia estar perdido em alguma distração — talvez treinando salto com o cavalo ou provocando os cozinheiros em seu novo fascínio. Com apenas dezesseis anos, Jasper era caótico e também, era o coração da nossa família. Era ele quem ditava o ritmo, quem animava os jantares, quem dava vida ao mundo monocromático do meu pai e da minha mãe.
Antes que eu pudesse me perder demais nos pensamentos, minha mãe surgiu na varanda, com passos silenciosos e firmes. Lilian Donovan era o retrato da sofisticação contida — cabelos presos em um coque baixo, vestido em tons de creme e ouro, e um colar de pérolas que fora passado por gerações.
— Lucy, querida — disse com suavidade. — Pode me acompanhar por um instante?
Fechei o livro sem hesitar e a segui por entre as portas de vidro. Caminhamos até o salão azul, um dos meus preferidos, onde as janelas davam para o lago. Ela sentou-se em uma das poltronas de veludo e me ofereceu a outra, de frente para ela.
— Então, sobre o que quer conversar? — Perguntei antes que ela tivesse a chance de guiar a conversa.
— É sobre Richard — ela começou, e não me surpreendi. Richard Preston era o primogênito de Alan Desmond, o herdeiro da família Desmond e claro, o responsável por deixar meus pais cada dia mais felizes.
Ele era educado, gentil, doce, e tinha se esforçado bastante no papel de me cortejar. Eu me sentia como uma garotinha de 15 anos em um romance de época, mas... era 2025. Era o século XXI e certamente... eu ainda tinha alguma escolha.
O problema, era que ele era bom em tudo. Perfeito em tudo. Ótimo para minha família, ótimo como um homem que parecia me idolatrar. Richard era diferente de grande parte dos herdeiros que haviam se aproximado de mim ou da minha família nós últimos 6 anos. O que tornava ele, a escolha perfeita.
— Imaginei — respondi, tentando disfarçar o meu incomodo com um sorriso de canto.
— Você gosta dele? — Ela foi tão direta com aquela pergunta, que eu me senti levemente constrangida em não responder de forma... igualmente claro.
— Gosto.
Eu disse e não era completamente mentira. Eu gostava. Gostava da maneira como ele segura a porta para mim, do jeito como ele escuta quando eu falo... Gostava da calma que ele transmitia.
Ela me observava como se tentasse medir a profundidade do meu afeto, com aquela paciência sutil que só mães conhecem.
— Entendo... — murmurou, — mas você o ama?
— Não — respondi, firme. — Mas... talvez um dia venha a amar. O que sinto por ele... é o suficiente. É mais do que muitas pessoas têm, não é?
Ela assentiu, como se eu tivesse passado em algum teste.
— Amor, minha querida, é um luxo. Respeito, estabilidade e lealdade... esses são os alicerces de uma vida longa e tranquila. E Richard pode te oferecer tudo isso, ao menos, é o que eu penso, e caso estejamos errados...
Sorri.
— Sim, eu sei. Você e papai estarão ao meu lado.
— Exatamente. — Ela segurou em minha mão, — queremos que você e Richard deem certo, claro que queremos, isso é perfeito para os negócios da família Donovan, assim como será promissor para Richard, mas... ainda estaremos aqui para apoiar você.
— Eu sei, — falei com simplicidade, porque no fim, eu já esperava por isso.
Afinal, faziam 2 anos que eu conheci Richard na casa de férias da minha família. Ele havia sido um perfeito cavaleiro e um namorado encantador, desde que pediu a permissão de meus pais, a um ano.
Estava em tempo de um noivado surgir.
Permaneci em silêncio por alguns instantes mesmo sabendo de tudo aquilo. A verdade é que eu não me sentia pressionada.
O som de passos correndo no corredor interrompeu nossa conversa antes que um “veredito” fosse realmente feito e Jasper irrompeu pela porta com sua camisa desabotoada, cabelo desalinhado e olhos brilhando de animação.
— Lucy! Mãe! Vocês viram minhas botas de montaria? O cavalo novo me odeia, e se eu aparecer atrasado de novo, ele vai me derrubar só de birra, não sei como uma coisa tão cara, pode ser tão problemática.
Sorri.
— Ué irmãozinho, nunca se olhou no espelho? — Zombei e ele revirou os olhos ao me ouvir.
Minha mãe suspirou, mas havia um sorriso em seus olhos. Eu me levantei e fui até ele, alisando sua gola e beijando sua testa.
— Estão no depósito de selas. Eu mesma vi você largando-as lá ontem, fingindo que não era sua responsabilidade guardar. — Completei e ele ergueu uma das sobrancelhas.
— Você me espiona?
— Eu sou sua irmã mais velha. Espionar você é minha obrigação moral, imagine só se eu te deixo a solta por aí? O estrago que não vai fazer.
Ele sorriu.
— Vou fingir que eu não ouvi isso.
Foi tudo o que disse antes de me dar um beijo na bochecha e fazer o mesmo com nossa mãe.
— Agora eu tenho que ir. Amo vocês.
Eu me virei de volta para minha mãe, que agora observava o jardim com uma expressão mais suave, Jaspes havia saído correndo e eu sabia que o foco voltava pra mim.
— Jasper e você, são o nosso maior presente — ela disse, — e é esse tipo de presente que eu espero que você possa ter em seu futuro, querida.
Assenti.
— Eu sei. Amo o meu irmão. Eu faria qualquer coisa por ele, — sussurrei, — e sei que irei amar meus filhos no futuro, tanto quanto vocês amam a mim e a Jasper.
— Sim, você vai.
Antes que eu pudesse perguntar o que ela queria dizer com isso, ouvimos o som de um carro estacionado no pátio principal. Minha mãe se levantou imediatamente, organizando mentalmente os próximos passos, como se fosse uma rainha prestes a receber visitas diplomáticas.
— Venha. Vamos receber seu pai.
Eu assenti, mas a essa altura, já sabia que meu pai não havia voltado sozinho para casa. Nós descemos juntas as escadas principais, nossos passos ecoando pelos corredores altos. O aroma de lavanda e madeira encerada preenchia o ar. Quando chegamos ao saguão, as portas já estavam abertas e dois homens entravam: meu pai, Cameron Donovan, com seu usual terno azul-marinho impecável, e ao lado dele... Richard.
O tempo pareceu desacelerar. Richard estava especialmente elegante, trajando um paletó cinza claro e uma gravata bordô. Seus cabelos loiros estavam perfeitamente penteados, e aquele sorriso... Ele sempre soube sorrir como se o mundo estivesse em paz.
— Lucy — ele disse, vindo em minha direção com passos firmes. Ele pegou minha mão e beijou meus dedos, um gesto antiquado que, vindo dele, parecia natural.
Esse era realmente o homem certo, não era? O homem perfeito para me casar.
Eu senti o calor subir ao meu rosto, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, ele se ajoelhou.
O salão inteiro ficou em silêncio e eu pisquei, um pouco surpresa.
— Lucy Donovan — começou ele, tirando uma caixinha de veludo do bolso interno do paletó. — Desde que nos conhecemos, tenho visto em você tudo o que admiro em uma mulher: elegância, força, compaixão... e beleza. Seria uma honra compartilhar minha vida com você e depois de receber a permissão de seu pai essa manhã, eu mal pude esperar para te perguntar isso. Lucy, meu amor, você aceita se casar comigo?
Minha respiração travou. Eu olhei para minha mãe, que mantinha um sorriso tranquilo. Meu pai, ao lado dela, apenas assentiu com orgulho.
E então, eu disse o que, até então, me parecia natural:
— Sim.
Richard se levantou e colocou o anel no meu dedo — uma joia delicada, com uma pedra de safira envolta por pequenos diamantes. Tudo nele era perfeito.
Como ele.
Naquele momento, eu me senti completa. Como se estivesse exatamente onde devia estar. Como se o mundo finalmente tivesse se alinhado para me oferecer tudo o que sempre me foi prometido.
Um casamento perfeito. Um marido perfeito. Uma vida perfeita.
Depois da nossa conversa, Jasper acabou voltando a estar em seu quarto por grande parte do tempo. Eu estava exausta, exausta demais para ir até ele, tonta demais para me esforçar mais do que algumas caminhadas. Enjoada demais para comer direito. Então, é claro que quando ele disse que sairia com Dante alguns dias depois, eu fiquei feliz, porque queria dizer que um de nós dois, estava lidando melhor com o luto. Era bom ver o meu irmãozinho finalmente querendo sair de casa, mas... a casa parecia maior sem Jasper. Mais vazia, e...Ele havia saído com Dante — algo que eu tentei fingir ser normal, mas que me deixava com a pele formigando. Dante era carismático, protetor, perspicaz demais para estar envolvido com alguém como Jasper. O que, claro, só tornava tudo ainda mais estranho, afinal, meu irmãozinho havia começado a se tornar cada vez mais próximo de Dante Moretti.Chiara havia cancelado a visita daquela manhã. Dor de cabeça. Talvez estresse. Talvez outra coisa. A verdade é que, pela p
Algumas dores não gritam. Elas sussurram.E o sussurro da desconfiança é o mais difícil de ignorar.Fazia dois dias desde que voltei do hospital, e ainda não conseguia sentir que aquela casa era minha de novo. Cada corredor parecia mais largo. Cada sombra, mais longa. A luz das janelas era mais pálida do que eu lembrava. E os passos de Richard... mais medidos. Como se ele não andasse, mas escolhesse onde pisar. A casa onde Jasper e eu crescemos, agora parecia um verdadeiro caixão e Richard era como um coveiro, pronto para enterrar o que havia restado da família Donovan. Ele era gentil. Comedido. Cuidadoso até demais.Mas havia algo na sua voz que não pertencia mais ao homem com quem eu me casei. Como se ele tivesse memorizado as palavras certas, mas esquecido como usá-las com verdade, ou como se quase não fizesse mais diferença se ele as usava de forma correta ou não.Eu tentei afastar esses pensamentos no começo, tentei me convencer de que era apenas uma impressão errada, — que Ric
O sol parecia diferente quando finalmente saí do hospital, como se o mundo quisesse me dizer “parabéns por ainda estar viva”, e uma parte minha, realmente estava agradecida, — mas era impossível não achar toda aquela situação, minimamente bizarra. — Não pense muito, — Chiara me disse enquanto me abraçava com cuidado e se despedia de mim, — você está voltando pra casa, tente focar em se recuperar 100%, em acalmar Jasper. Ele...Assenti.— Sim, eu sei... ele quase me perdeu, — murmurei, porque no fim, eu estava preocupada com meu irmãozinho, mas... estava ainda mais preocupada por ele não ter ido me visitar.Jasper estava quieto desde a morte de nossos pais, e por mais que eu entendesse, era ainda assim, alarmante. Ele já não sorria tanto, não andava pela casa procurando algo novo para se ocupar, sequer tocava no cavalo que havia insistido tanto para que nosso pai comprasse. Ele tinha se tornado soturno, — e agora, comigo metido em um acidente como esse, — ele sequer havia ido me visit
Escuro.Tudo o que havia era escuro.Uma ausência absoluta de som, de dor, de pensamento.Mas então, um ruído.Sutil. Como um pulso eletrônico, lá no fundo.bip... bip... bip...Uma respiração lenta, profunda, que não era minha. Ou era?Não sabia.O que eu sabia, na verdade, era quase nada.Lentamente, os sentidos começaram a me invadir como invasores silenciosos em campo minado. A pele sentia o tecido áspero de lençóis que não eram meus. Havia cheiro de desinfetante, plástico, soro. Um zumbido constante no fundo da cabeça. A luz além das pálpebras parecia querer cortar meus olhos.Eu existia, de novo. Mas por quê?Por um momento, desejei que não.— Lucy...?A voz era suave, feminina, ansiosa.Forcei as pálpebras. Foi como tentar erguer um telhado desabado. A luz me atravessou com violência. Mas abri mesmo assim.O teto era branco. Estéril. Um tubo pendia acima de mim. E ao lado... a silhueta de uma mulher de avental azul, segurando uma prancheta e um tablet. Ela sorriu quando percebe
Tudo aquilo me parecia uma farsa bem encenada. A decoração, os sorrisos polidos, as alianças reluzentes — até os votos pareciam ter sido escritos por um roteirista de telenovela desesperado por audiência.Mas farsa ou não, pagava bem.Eu sabia que o nome Desmond vinha gravado com letras douradas, mas que valia pouco se comparado ao que herdaria o ramo principal da família — o ramo do qual Richard, meu primo ambicioso, era a última joia embutida num cetro podre.Era claro para todos que eu, Silas Desmond, era mais apto. Seis anos mais velho, mais discreto, educado onde ele era apenas ensaiado. Enquanto Richard passava a vida tentando provar que merecia um trono, eu havia construído meu império em silêncio — tijolo por tijolo, contrato por contrato.Mas o sangue... ah, o sangue falava mais alto. E o sangue dele, por mais turvo que fosse, vinha direto da veia-mãe da linhagem.Por isso eu assistia de camarote. A cerimônia. Os discursos. O modo como Richard segurava a cintura de Lucy Donov
Eu descobri da pior forma que o luto não é uma linha reta.Ele vem em ondas, uma após a outra. Mas isso não quer dizer que melhora — bem pelo contrário. Você se acostuma com ele. Com a sensação de vazio constante. E quando se dá conta, já não sabe mais como é viver fora daquela zona escura onde se colocou.Em um segundo, você está respirando — no outro, afunda.Às vezes, eu sentia que flutuava sobre uma vida que não era minha. Como se me visse de fora, atravessando cômodos com passos contidos, vestida de preto, mas sorrindo para convidados em jantares que eu nem lembrava ter aceitado. Outras vezes, o peso me puxava pelo tornozelo no meio de uma frase. E eu perdia o ar, a lógica, a força.Perdi meus pais. Minha casa. E, com eles, um pedaço do que me fazia reconhecer a mim mesma. Perdi tudo — e ainda assim precisava sorrir e tentar confortar Jasper, que parecia mais apático a cada dia.Ele não falava. Não conversava comigo. Tudo que fazia era continuar em seu quarto, como um moribundo
Último capítulo