Mundo de ficçãoIniciar sessãoHavenna Duarte voltou a Puerto Nuvem por obrigação. Dez anos não foram suficientes para apagar o passado, apenas para torná-lo mais perigoso. O reencontro com Adrian reabre uma história marcada por silêncio, desejo e escolhas que nunca foram realmente feitas. Ele tem uma vida construída. Ela carrega o peso do que foi interrompido cedo demais. Entre olhares contidos e toques proibidos, o que ainda existe entre eles ameaça romper tudo ao redor. Quando o amor insiste em sobreviver onde não deveria, a culpa se torna inevitável. E algumas consequências não podem ser desfeitas. Um romance dark, intenso e emocionalmente devastador sobre aquilo que permanece quando o certo já não é possível e o errado é irresistível.
Ler maisA chuva caía pesada sobre Puerto Nuvem, tamborilando no teto do carro azul estacionado sob o poste trêmulo de luz. Lá dentro, o ar estava denso, silencioso, carregado de palavras que nenhum dos dois queria dizer.
Eles tinham acabado de chegar de mais um dos encontros secretos que se tornaram cada vez mais perigosos.
Agora, o som da chuva preenchia o espaço entre eles, misturado à respiração contida e ao peso das emoções que já não cabiam dentro do peito.— Não podemos continuar com isso! — a voz de Havenna saiu embargada, quase um sussurro de desespero.
Adrian passou a mão pelos cabelos, desviando o olhar por um instante, antes de encará-la novamente.
— Eu sei… — suspirou. — Eu amo a Lívia. O nome da esposa ficou suspenso no ar, doloroso e inevitável.Havenna virou o rosto para o vidro embaçado, tentando disfarçar o tremor nas mãos.
— Mas o que está acontecendo entre nós… me tira do eixo — ele completou, num tom baixo, sincero, quase desesperado, que fez o peito dela arder.Ela fechou os olhos por um segundo, sentindo o peso de todas as escolhas erradas.
— Eu… não consigo olhar para a Lívia. Nem para a Amália — sua melhor amiga, irmã dele — a voz de Havenna falhou. — Me sinto suja, Adrian.— Havenna… — ele estendeu a mão, tocando a dela. — Por favor.
Ela puxou a mão de volta, o coração acelerado.
— Não posso mais continuar. Estou me machucando… e magoando pessoas que são importantes para mim. — Uma lágrima escorreu devagar por sua bochecha.Antes que ele dissesse qualquer coisa, ela abriu a porta do carro.
A chuva fria a recebeu como um choque. O vento soprou seus cabelos molhados para o rosto, mas ainda assim ela caminhou sem olhar para trás.Adrian bateu as mãos no volante, frustrado, e correu atrás dela.
A alcançou na calçada, a chuva os engolindo. Segurou seu braço com cuidado, como se o simples toque pudesse fazê-la mudar de ideia. — Havenna, por favor... — sussurrou, e a puxou para um abraço.Por um instante, o mundo pareceu parar. O corpo dela colado ao dele, o calor que ainda existia entre os dois, a respiração presa.
Ele a beijou. Foi intenso, dolorido, cheio de culpa e necessidade.Ela o afastou, com os olhos marejados, e correu até a casa de número 12, a segunda porta à direita. Subiu as escadas de madeira do loft no segundo andar, o som dos passos ecoando no corredor úmido.
Ele a seguiu em silêncio, incapaz de deixá-la.Ao entrar, Havenna largou a bolsa encharcada no chão do hall.
A casa cheirava a café antigo e maresia. O abajur de luz amarelada lançava sombras suaves sobre os quadros que ela mesma pintara, retratos que guardavam lembranças demais.— Por mais que eu queira... e meu corpo necessite — disse ela, com a voz trêmula, enquanto pegava duas toalhas no armário — eu... nós... não temos futuro.
Entregou uma toalha a ele. — Você tem a Lívia. E eu... não vou ficar. Minha vida não é aqui, Adrian. Em seis meses volto para Montévia.Ele se aproximou, passos firmes, os olhos faiscando.
— Havenna, sei que o que estamos fazendo não é certo, mas… — ele passou a mão no cabelo molhados, nervoso — eu já não sei como agir. Sei das minhas obrigações, mas você...Ela recuou, encostando-se à mesa de jantar.
— Eu estou no meio de uma família, Adrian! — gritou. — Algo que sempre repudiei. Me sinto suja. Não me reconheço quando olho no espelho.— Não chora... — ele pediu, a voz quebrada. — Te ver assim me destrói.
— Preciso que vá embora — sussurrou, olhando para o chão. — Seu lugar não é comigo.
— Não me afaste… — ele se aproximou, implorando. — Você não entende…
Ela balançava a cabeça, sem coragem de encará-lo.
Chegou até a porta, abriu-a devagar. A chuva ainda caía lá fora, como se o mundo chorasse com eles.— Por favor… — pediu, encostando a cabeça no batente.
Adrian se aproximou. Quis tocar o rosto dela, mas ela se afastou.
Ele deixou a mão cair, derrotado. — Vamos conversar outro dia — murmurou.— Não. Apenas vá.
— Eu não posso... — a voz dele quebrou.
Ela começou a fechar a porta.
— Eu te amo, Havenna! — ele segurou a porta, o olhar desesperado. Ela congelou. Os olhos dela buscaram nos dele qualquer traço de mentira.— Te amo desde a adolescência! — confessou, a voz trêmula.
Ela respirou fundo, o coração pulsando no peito.
— Por quê? — perguntou, com um sussurro quase inaudível. — Por que não me disse naquela noite? Se tivesse falado...— Eu era imaturo — respondeu ele, com o olhar perdido.
— Mas agora você não é um homem livre, Adrian. Você tem alguém. E se eu insistir, não vou magoar só a mim... — as lágrimas voltaram a cair. — Vou destruir pessoas que amo. Ela o olhou profundamente. — Por favor... só vá.
Ele recuou. Apenas o suficiente para deixá-la fechar a porta.
Os olhos de ambos diziam tudo; dor, desejo, arrependimento e a certeza devastadora de que aquele era o fim.Havenna encostou a costa na madeira fria e deslizou até o chão, deixando o corpo ceder à dor. Chorou até que o tempo se dissolvesse entre os soluços, que se misturava à chuva do lado de fora.
Do outro lado da porta, Adrian, ficou parado por um longo instante, a testa na porta, fechou os olhos, deixou uma lágrima escorrer e depois limpou o rosto.
Lentamente, deu um passo para trás, respirou fundo e olhou para o carro estacionado logo à frente. Caminhou até ele, abriu a porta e, antes de entrar, olhou uma última vez para a janela do loft, onde a luz ainda tremulava.Entrou no carro e permaneceu ali, com as mãos no volante, enquanto a chuva cobria tudo, como se o mundo tentasse apagar o que acabara de acontecer.
A noite engoliu ambos. Mas o coração deles, mesmo despedaçado, ainda batia no mesmo ritmo, o de um amor que nunca deixou de existir.
Foi naquela noite, em Puerto Nuvem, que o passado começou a cobrar seu preço.
O clima de Puerto Nuvem parecia ter mudado sem aviso. O vento era o mesmo, o mar era o mesmo, mas dentro dela, tudo estava diferente. Havenna não estava evitando apenas Adrian, mas o que sentia quando ele estava perto demais. Nos últimos dias ela se mantive distante de maneira calculada, mensagens escritas, mas não enviadas, as reuniões passaram a ser delegadas, e uma atenção dolorosa para não cruzar o caminho um do outro a sós em lugar algum.Caio surgiu nesse intervalo. Não como substituto ou como distração barata e sim como alguém que simplesmente cabia.Eles começaram a se encontrar primeiro por causa do projeto, anotações sobre a drenagem natural, ajustes nas passarelas ecológicas, sugestões sobre o impacto de luz artificial na fauna noturna.Mas logo as conversas escaparam da prancheta.Um café depois da reunião, caminhadas rápidas até o ponto de coleta de amostras e uma piada sobre grafites antigos na Praia Sul, ou comentário sobre como ela franzia o cenho quando pensava demais
Havenna passou os dias seguintes tentando colocar a própria cabeça em ordem. Entre o trabalho, a rotina na prefeitura e as tentativas desesperadas de evitar que qualquer cena entre ela e Adrian transbordasse pelos olhos, pelo corpo ou pela voz, percebia que estava falhando miseravelmente.A proximidade não ajudava e os projetos em comum tampouco. O pior de tudo? O fato de que ele percebia, percebia tudo.Então ela fez, o que sempre faz quando sente a vida escorregar por entre os dedos, voltou para a racionalidade. Para o controle. Para a lista mental de decisões impossíveis que precisava tomar para manter a própria sanidade e, acima de tudo, não destruir a vida de ninguém.Foi assim que conheceu Caio Montenegro.Ele apareceu numa manhã abafada, convocado para uma reunião de reforço técnico pelo Instituto Ambiental. Engenheiro florestal, especialista em recuperação de áreas costeiras. Jovem, mas com postura de quem sabe exatamente o que está fazendo. Moreno, barba por fazer, sorriso fá
Na manhã seguinte, o mundo parecia caminhar normalmente, mas dentro de Havenna, nada estava estável. Era como se o corpo dela ainda estivesse no mirante, ainda encostado ao dele, ainda vibrando na tensão do que ficou por dizer, do que quase aconteceu, do que empurrou os dois perigosamente para a mesma direção desde a adolescência.Havenna levou a xícara aos lábios, com um gesto sereno, como se pudesse silenciar o tumulto interno que insistia em pulsar.O vento forte vindo do mar fazia as janelas da casa alugada baterem com um lamento leve. Havenna se apoiou na pia, olhando a espuma branca das ondas ao longe, e respirou fundo, como se tentasse empurrar o coração de volta ao lugar, mas ele se recusava a obedecer.Uma mensagem vibrava no celular desde antes de ela acordar. Dele.Adrian: “Precisamos conversar.”Sem hora, nem explicação. Apenas a urgência crua que carregava o nome dele.Ela não respondeu. Não porque não quisesse, mas porque a mão tremia só de pensar.***No escritório alug
A casa nova de Lívia e Adrian tinha cheiro de reforma recente misturado com o perfume suave que ela sempre usava. A madeira clara, as luminárias pendentes e a varanda aberta para o quintal criavam um clima acolhedor demais, ao ponto de incomodar.O jantar era simples, caseiro, cheio de risadas naturais. Amalia estava radiante, contando histórias do trabalho. Lívia circulava pela cozinha como uma anfitriã nata, servindo vinho, ajeitando guardanapos, rindo de tudo. Era impossível não gostar dela e talvez fosse exatamente isso que apertava a garganta de Havenna.Eles riam e conversavam. Tudo parecia incrivelmente normal. Por fora, a noite parecia perfeita. Por dentro tudo era um caos velado.Lívia contava algum desastre doméstico envolvendo plantas e um vaso recém-comprado. Amalia fazia imitações exageradas de pessoas da academia. E, por fora, Havenna também ria, mas por dentro segurava o estômago como quem tenta conter uma onda prestes a transbordar.Adrian, sentado de frente para ela,
Os dias em Puerto Nuvem avançaram como ondas que chegam lentas, mas carregadas de profundidade.Havenna começou a perceber uma nova rotina se formando, uma que ela não havia planejado, mas que, pouco a pouco, foi envolvendo cada pedaço de sua vida na cidade.As manhãs eram ocupadas com reuniões, visitas técnicas e longas caminhadas pela Praia Norte, onde o vento parecia sempre trazer algo que ela não sabia nomear.As tardes, porém, pertenciam às companhias que, sem que ela percebesse, estavam se tornando parte essencial do seu retorno: Lívia e Amália.Entre risos e cautelas. As três estavam sempre juntas. Era comum vê-las sentadas no Café do Farol, dividindo xícaras e histórias.Lívia falava com entusiasmo sobre o projeto da comunidade costeira, gesticulando com brilho nos olhos; Amália contava casos da cidade, exagerando no tom dramático só para fazê-las rir e Havenna ouvia, observava, absorvia, como se tentasse reconstruir cada camada da vida que deixara para trás.Com o tempo, perc
Os dias seguintes pareceram se alongar em um tempo próprio. Puerto Nuvem seguia envolta em um clima de calmaria aparente, o tipo de sossego que esconde ondas fortes logo abaixo da superfície.Havenna tentava se adaptar à rotina da cidade, mas a cada esquina, a cada pôr do sol sobre o mar, havia algo que a puxava de volta para memórias que julgava adormecidas.Naquela manhã, Amália insistira para que ela fosse ao Café do Farol, novamente. — Vamos encontrar a Lívia lá. Você vai adorar ela! — disse animada, enquanto amarrava o cabelo. — É esposa do Adrian. Uma das pessoas mais doces que eu conheço.Havenna forçou um sorriso. — Claro… vai ser bom conhecer. Por dentro, o coração vacilou, mas a curiosidade, ou talvez o desejo de se punir, a fez concordar.O Café do Farol estava cheio. O som das xícaras se misturava ao barulho do mar ao fundo. Assim que entraram, Lívia se levantou e acenou. Alta, de traços delicados e olhar gentil, tinha algo que transmitia calma, uma serenidade quase con





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