Mundo de ficçãoIniciar sessãoO clima de Puerto Nuvem parecia ter mudado sem aviso. O vento era o mesmo, o mar era o mesmo, mas dentro dela, tudo estava diferente. Havenna não estava evitando apenas Adrian, mas o que sentia quando ele estava perto demais. Nos últimos dias ela se mantive distante de maneira calculada, mensagens escritas, mas não enviadas, as reuniões passaram a ser delegadas, e uma atenção dolorosa para não cruzar o caminho um do outro a sós em lugar algum.
Caio surgiu nesse intervalo. Não como substituto ou como distração barata e sim como alguém que simplesmente cabia.
Eles começaram a se encontrar primeiro por causa do projeto, anotações sobre a drenagem natural, ajustes nas passarelas ecológicas, sugestões sobre o impacto de luz artificial na fauna noturna.
Mas logo as conversas escaparam da prancheta.
Um café depois da reunião, caminhadas rápidas até o ponto de coleta de amostras e uma piada sobre grafites antigos na Praia Sul, ou comentário sobre como ela franzia o cenho quando pensava demais.
Era fácil de conversar com Caio, de estar perto. Havenna percebeu, aos poucos, que com ele, conseguia respirar sem precisar esconder todas as partes quebradas.
Naquele final de tarde, eles caminhavam devagar pelo trecho da praia que servia de referência para o estudo das dunas. Caio explicava o impacto das marés, o deslocamento natural dos bancos de areia, e Havenna se pegava ouvindo. Realmente ouvindo.
Sem tensão, medo de errar as palavras ou precisar se defender do que sentia.
— Ainda sente que a cidade te olha torto? — ela perguntou, com um sorriso de canto.
— Não tanto quanto antes — ele disse. — Agora só me analisa.
— Ela faz isso. Primeiro testa, depois observa.
— E você?
— Eu cresci sob esses olhos. Aprendi a encarar de volta.
Ele deu uma risada leve, confortável, como quem não leva a vida tão a sério.
A brisa levantou um fio solto do cabelo dela. Caio olhou, mas não tocou. Era um tipo de cuidado que Havenna reconheceu, e talvez por isso tenha permitido algo leve dentro dela se mexer.
No dia seguinte, ela o encontrou no café da marina.
— Você ainda está por aqui — disse, se aproximando do balcão.
— A linha costeira ainda precisa de mim — Caio respondeu. — Ou talvez eu tenha gostado da cidade.
— Puerto Nuvem faz isso. Você acha que vai ficar pouco e, quando percebe, já está preso.
Ele a olhou com atenção.
— Parece experiência própria.
— Talvez.
— Ou talvez — ele disse, com voz tranquila — você só tenha voltado no momento certo.
Havenna percebeu o ar mudar, antes mesmo de terminar de ouvi-lo.
Adrian entrou, direto, decidido e o espaço inteiro pareceu reagir à sua chegada.
— Caio Rivas — ele disse, sem surpresa. — Ainda por aqui?
— Ainda sim — Caio respondeu. — Parece que vão precisar de mim mais tempo do que o planejado.
— Não sabia que você e Havenna estavam tão próximos. — Adrian disse, num tom mais controlado do que amigável.
— Temos trabalhado juntos com bastante frequência — Caio respondeu, simples, sem malícia. — Ela é fácil de admirar.
A troca foi cordial. Mas quem prestasse atenção, ouviria a fricção. Havenna ouviu.
E por não suportar aquele peso, disse a primeira coisa que lhe veio.
— Vou jantar com uma amiga mais tarde. Nada formal, depois um café com conversa...
Caio ergueu uma sobrancelha.
— Isso foi um convite?
— Foi uma informação — ela respondeu, com um sorriso quase inocente. — Mas você pode interpretar como quiser.
O olhar de Adrian foi rápido. Apenas um segundo, mas ela sentiu. Sentiu como se alguém abrisse a pele e apertasse o que ainda latejava lá dentro.
***
Amália recebeu todos com estardalhaço e zero cerimônia, abriu a porta antes mesmo de baterem.
— Você trouxe reforço! — disse, animada, abraçando Havenna primeiro, depois estendendo a mão para Caio. — Finalmente vou conhecer o engenheiro misterioso que está salvando nossas dunas!
Caio riu.
— Só tentando fazer meu trabalho direito. Havenna é quem tem a visão geral do projeto.
Havenna fingiu que não sentiu o olhar de Adrian, que queimava em direção a ela, depois daquela frase.
Lívia se aproximou, afetuosa como sempre:
— Havenna fala bem de você. Isso é raro. Ela tem um radar ótimo pra gente falsa.
Caio respondeu com naturalidade:
— Então fico feliz de ter passado no teste.
— Gostei dele — decretou Lívia, dando um tapa amigável no braço de Caio.
— Nem me conheceram direito — Caio brincou. — Não preciso — Amália respondeu. — Energia boa a gente percebe.Foi nesse momento que Adrian se aproximou, ele já estava por perto, ouvindo parte da conversa, só não tinha se inserido ainda.
— Vocês querem conhecer o engenheiro ou interrogá-lo? — disse ele, com gentileza contida.
Amália riu.
— A gente só estava conhecendo melhor o Caio.— É — completou Lívia. — Ele tá sobrevivendo.
Adrian assentiu, o tom ainda mais leve do que o olhar.
— Pelo que vejo, estão se dando bem.— Superbem — reforçou Amália, animada.
Adrian manteve o sorriso, mas não chegou nos olhos. Caio retribuiu com gentileza contida, mas houve um segundo, só um, em que ele olhou para Adrian como quem tenta decifrar algo que não entende. Havia ali um desconforto discreto, um limite que ele não sabia exatamente de onde vinha.
Havenna sentiu o clima, havia algo diferente agora, era sutil, mas estava ali, o ciúme mudo, contido e perigoso.
A conversa seguiu leve, Amália comandava tudo como se o mundo fosse um lugar simples, Lívia ria fácil, Caio participava de tudo com naturalidade. Mas Adrian, pouco falava apenas observava.
Sempre que Caio tocava o braço de Havenna, ou inclinava o corpo para falar algo só a ela, Adrian endurecia o maxilar. Um reles detalhe. Pequeno, exceto para quem aprendeu a decifrá-lo desde os 14 anos.
Durante o jantar, Lívia fez um brinde.
— Ao amor em todas as formas. O já vivido, o que se constrói e o que ainda não chegou.
Adrian ergueu a taça devagar fixando o olhar apenas em Havenna.
E ela sentiu, que em algum lugar entre o vinho, o riso e a mesa cheia, o fio ainda estava lá, invisível e incômodo, puxando os dois para um lugar que não deveriam voltar.







